SAL DA EXISTÊNCIA
I.
no latente diário de bordo
da estação das verdes aragens
desadormecem
revelações e sagas desveladas...
sangram clepsidras
e flutuam pontiagudos espasmos...
[antigas inquietudes avivam
o ventre nu da memória].
II.
há ilusões, tesouros e querubins
nas rotas dos albatrozes
perdidos
há sortilégios e salmos esquecidos
em tardes carmins...
há pendões de segredos brotando
das lanças fincadas no tempo
demarcando ilhas
arenas e praças ressurgentes...
III.
inexiste a justificativa
do eco azul que excita o penhasco...
é inútil o penhor
do asco que foi volúpia
sem cópia pelos divãs...
não há nenhuma razão no empenho
e nas reprocuras
que perecem no tombadilho sombrio das maresias...
não há rimas e romãs
nem travessias.
IV.
infindas esperas | em fendas | em eras |
já não reaprendem o que era
o cio das íntimas expectações
nas quilhas dos dias...
entre o cenho do devenir e a lividez do silêncio
um terçado espreita as horas...
|faz-se estio o entressonho|
V.
no aguardo da caravana do crepúsculo
a certeza medonha
de anúncios e desolação.
em cristais transfigurados
vem a brisa que edifica a lágrima
vêm os dardos que demarcam
o sol da resistência
o sal da existência.
Rubenio Marcelo - "Veleiros da Essência".
DESGUARDADOR DE DORES
I.
em suas retinas
as imagens imóveis não codificam
as ânsias que lhe habitam...
e não pela vez primeira
um sorriso urgente molda-lhe o semblante
adolescendo as esperas
e contemplando o segredo das auroras...
II.
quais mármores espedaçados
suas palavras pedem o gume do vazio
pois os organogramas das manhãs
já diluíram o faro das suas reminiscências...
e mais uma vez os sabiás de voos dourados
que lhe gorjeiam e apontam o sol
desatestam o óbito do devenir
III.
sem surpresas
cortando o pulso das horas
lateja em sua fronte
a mesquinhez acrobática do cotidiano...
e novamente amadurece em seu olhar
o néctar que reinventa os jardins
que colorem os colibris do sonho
IV.
a flor negra na lapela do tempo
espreita os seus passos matinais
enquanto os arranha-céus da solidão
ocultam o sorriso dos flamboyants...
e salvaguardando-se com silêncios
ele grita a liberdade
sempre
assim...
V.
e assim ele segue
sempre
e
sempre
aguardando andores
desguardando dores...
Rubenio Marcelo - "Veleiros da Essência".
VELESSÊNCIAS
que venha na nudez e no silêncio
das intuições indecifráveis
o acorde ressurgente
que desperta o ritmo
das partículas do íntimo liberto...
e esta liberdade une confidências
de caminhantes
e engenhos de destinos...
esta elevação restaura o mister
das alvas embarcações
que demarcam pilares azuis e brancos
no verde brilhante dos enleios
renovados...
testemunhar o segredo
das paisagens levitadas
no pomar das inéditas claridades
é velejar o essencial
anunciando
as parábolas erguidas nas asas da manhã
e o prelúdio dos pássaros
que re/pousam na ramagem dos sonhos...
nos mares ou nas avenidas
há o leme
o traçado confidencial
o horizonte nas persianas do tempo
a quase-súplica do desconhecido
as mutações...
repentinas incertezas
não desconstroem
a rota da primazia que alimenta o eterno...
sempre haverá ilhas
no ventre livre do cotidiano
e sempre há o vento nas rosas
e a rosa dos ventos...
– há sempre a viagem
e o rumo para o mirante das conquistas...
para todo o sempre
há um porto
e um veleiro
uma lira e uma chama
na amplidão inexplorada
de cada navegante.
Rubenio Marcelo - "Veleiros da Essência".
NAUS INSONES
em voltas por mares revoltos
desenvoltas naus
resguardam o coito das correntezas
que segredam dádivas essenciais
e revolvem artifícios indormidos
nas barbas grisalhas do tempo...
velas excitadas
brancas
altivas
velozes
jamais se cansam...
desvelam ilhas
revelam castelos
afagam as monções
e são afagadas
pelas retinas da comandância...
naus solidárias
abrigam escaleres
recolhem náufragos
e espasmos pagãos...
naus legendárias
insones
atentas às leis naturais
pressentem baixios e horizontes opacos
esquadrinham as mobílias da paisagem
rescindem hesitações
contornam estorvos
e lecionam nortes
aos que grasnam indolências...
nestas naus
os emissários não ostentam superficialidades
[nem bandeiras retorcidas]
e sim alvíssimas insígnias...
os nautas
mapeiam tesouros invisíveis
e instintivos cristais
que projetam inervações da beleza
nas esferas do eterno...
Rubenio Marcelo - "Veleiros da Essência".
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