A palavra de Nelson Bortoletto

A PALAVRA
Gosto da palavra distraída

descoberta na hora certa,

à loa concebida,
para a delícia do contexto.

Não para fazer rima ou ritmo

mas, para ser sentida.

Gosto da poesia da entrelinha

que entre a verdade que dizeis

e a minha
propõe sintonizar os sentimentos.

Não se constrói poesia ou pensamento

com erudição de dicionário.

Pois que se torna o texto mercenário,

fugaz e torpe, falso e salafrário.

Sem eternidade e movimento.

VOO MORTO

Um pássaro azul

jaz morto sobre o gramado.

Nenhum sinal de violência,

apenas morte.

Natural, implacável, inadiável.
O último destino de qualquer vida,

a única angústia justificável.

Fora ele um belo pássaro

e flutuara solenemente

sobre o teto deste nosso inferno.
Deu-se em mim um sentimento terno

que pode ser um tácito prenúncio.

Que poesia dará de mim

tão triste anúncio?



O CORPO

No meio da avenida 

o corpo do homem

ainda morno
contava uma história.



No peito por certo

um amor residira ...


alojara - se agora 

o letal projétil
disparado de perto
pelo rejeitado
que louco vingava
o sonho perdido.



E num instante de fúria 

estendera 
em meio aos passantes
um corpo ex amante,
ex sopro de vida.



NAUFRÁGIO

A exasperada palavra,
rouca, gutural, inesperada,
veio no grito abafado
do amante,
Cujo amor agora sucumbia.

Onde andaria a alegria?

E aquele ardor apaixonado,
do fogo que vigoroso ardia
na fluidez do canto,
na eloquente picardia?

Onde andaria a luz do dia?

Seu barco, chacoalhando em desencanto,
sobre um mar de angústia e pranto
agora navegava à revelia.

Como se todo o amor e um outro tanto
ameaçassem adernar, sem salvação,
na incompletude abissal
que em dor nutria.


VERBORRAGIA

Ô... verborrágicos,
toda paixão é vasta!

Para que tantas palavras
se um simples suspiro basta?

 

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