As Areias da Enseada - Salustiano Souza

  O ônibus riscava o asfalto com seus faróis acesos e na minha imaginação ia muito veloz. Eu olhava embevecido a mata que recobria as margens da rodovia, as poucas casas que povoavam Araquari e o céu que começava a tingir-se de alaranjado, prenunciando mais um dia ensolarado no verão que findava.
  O ônibus parou na fila de carros e todos se levantaram. Olhamos com curiosidade o trem que atravessava a pista, fiquei contando os vagões, na época ainda havia vagões de passageiros, mas naquela hora estavam vazios. O pessoal estava animado, as cestas, caixas e bolsas rolavam pelo corredor nas freadas bruscas e manobras radicais, denunciando que o Beca, motorista maluco que levava os alunos para a Escola Técnica Tupy, era mesmo maluco.
  Sentia um pouco de sono, afinal eu me levantara várias vezes na noite para espiar o céu, com medo de perder a hora e com uma ansiedade incomum. Tinha pouco mais de treze anos, estava começando o curso de mecânico ajustador no Senai e com um misto de alegria e ansiedade aceitara o convite para a excursão da família de um amigo de lá, o Dagoberto, para passar o domingo na praia da Enseada. O ônibus ia lotado, todos os parentes do Dagoberto estavam lá, uma grande festa.
  Sonhos espocaram nas noites que antecederam a partida. Eu praticamente não conhecia praia, apesar de morar em Joinville. Lembranças do mar tinha pouco, algumas parcas passagens por Barra Velha onde via o espetáculo do mar descortinar-se na descida do morrinho e uma vez em Balneário Camboriú, levado pela mão de meu pai, olhando com inveja as crianças que brincavam na areia. Queria molhar os pés, mas ele não deixou. E nem televisão tínhamos para mitigar o desejo que tanto me fascinava de ver o mar.
  Por isso o sonho agora era mais intenso, o desejo mais incontido. Me imaginava correndo na areia da praia, chutando a água, exatamente como vira as crianças fazerem, há muitos anos atrás. Antes de dormir naquela noite acalentei o último sonho que antecede a realização de um desejo. Acordei muito cedo e às cinco e meia da manhã cheguei de bicicleta na frente da casa deles, lá no Itaum. O cheirinho do café misturava-se com a algazarra da família se reunindo.
  O sol agora nascia soberbo, espelhando-se nas águas plácidas do canal do Linguado. A mãe do Dagoberto distribuía orelha de gato. Humm, uma delícia. De repente um estranho barulho, um pneu furou. Quase todo mundo desceu, não tinha muita gente para ajudar, mas para dar palpites estava cheio. Olhei com interesse uma prima do Dagoberto, afinal a puberdade transpirava por todos os poros. Senti que seus olhos fugidios manifestaram interesse.
  A viagem recomeçou e eu comecei a dividir meus sonhos de ver o mar com os sonhos de conhecer melhor aquela garota.
  - Chegamos em São Francisco, gritou alguém quando fizemos a curva e entramos no Bairro Laranjeiras. Olhei para a janela, procurando o mar, mas só via casas e árvores.
  - Cadê o mar, perguntei, e todos riram.
  - Calma menino, mais meia hora e nós chegamos, falou uma das mulheres.
 Logo à frente, a polícia, ao lado da igreja, parou o ônibus. Examinou documentos, conversou com o Beca e fez pouco caso da minha impaciência. Liberou o ônibus, não sem antes ganhar umas orelhas de gato da mãe do Dagoberto.
  Nunca imaginara que a praia pudesse ser tão longe. Mais mato, mais asfalto, e por fim um pedaço de estrada de chão. 
  - A praia, ouvi o grito quando já saboreava as nesgas de mar que apareciam no meio das árvores. Na Enseada da minha infância havia uma ou outra casa esparsa, porque os prédios vieram anos depois. A praia era quase selvagem.
Mal parou o ônibus eu corri para água. Na pressa esqueci de tirar o único tênis que tinha, um kichute, e a calça boca sino. Parei com água nas canelas, as ondas brincando de molhar meus joelhos, o olhar embevecido não conseguia abarcar aquela imensidão de água. Fiquei ali parado, sem saber o que fazer, aquele movimento das ondas marulhando no encontro com a areia, ah, aquilo era divino.
  Fechei os olhos e lembrei do poema de Casimiro de Abreu, Deus. Como havia sonhado com aquele momento! A alegria era imensa, não sabia o que fazer, fiquei ali, extasiado, com um sorriso abestalhado, vendo o sol dançar em miríade de cores naquela efervescência de ondas.
  - Vem! falou a prima do Dagoberto, pegando na minha mão. – Vai colocar um calção!

Salustiano Souza
Fevereiro/2015

Teste seus conhecimentos

Para as questões 1 e 2, leia o enunciado abaixo, retirado de um anúncio da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Roberto Marinho que foi publicado na Revista Época, em 26 de maio de 2003.

TEXTO 1

"Entenda por que você, cê, tu e ocê deve conhecer o projeto."

1. Após ler atentamente o anúncio, assinale a alternativa incorreta.
[A] As formas da língua portuguesa você, tu e ocê indicam, todas, a mesma pessoa do discurso: a segunda – aquela a quem se dirige o texto em uma situação comunicativa.
[B] As formas ocê e cê nos fazem pensar em formas da língua popular, regional ou familiar.
[C] Tu é uma forma difundida em todas as regiões do Brasil e é padrão de familiaridade no espanhol de Portugal.
[D] Você e tu também sugerem formas regionalizadas da língua.
[E] Você, em boa parte do Brasil, pode ser considerada uma forma de língua-padrão.

2. Ainda sobre o texto, é correto afirmar que:
[A] Cê, tu e ocê são três modos formais de nos referirmos à segunda pessoa.
[B] Independentemente de o verbo estar no singular ou no plural, temos sempre um interlocutor que é representado por você, cê, tu e ocê.
[C] No plural, o verbo indicaria que se trata de apenas um interlocutor que corresponde às quatro formas pronominais.
[D] O uso do verbo no singular individualiza o interlocutor do texto, ou seja, indica que o texto é dirigido a um interlocutor específico, no caso, o leitor da revista.
[E] Você é um pronome pessoal do caso reto, que corresponde à terceira pessoa.

3. Em se tratando de regência, é preciso acrescentar uma preposição a cada uma das frases seguintes, para que se tornem adequadas ao padrão culto da língua portuguesa. Exceto em:
[A] Está acostumado que eu lhe telefone bem tarde.
[B] Estou ansioso que esse problema seja resolvido logo.
[C] Fui contrário a que incluíssem meu nome num manifesto de solidariedade ao atual prefeito.
[D] Não faço oposição que ele entre no grupo.
[E] O povo parece desejoso que se encontre uma saída para a crise.

4. Quanto ao uso do acento indicador de crase, é correto afirmar que:
[A] A crase é facultativa diante dos nomes próprios masculinos e após a preposição até que antecede substantivos masculinos.
[B] A crase não ocorre diante de palavras que podem ser precedidas de artigo feminino.
[C] A ocorrência da crase com os pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s) e aquilo depende apenas da verificação da presença que antecede esses adjetivos.
[D] Dentre suas aplicações, o acento indicador de crase é usado nas expressões adverbiais, bem como nas locuções prepositivas e conjuntivas de que participam palavras femininas.
[E] No caso dos pronomes possessivos femininos, a utilização do artigo é obrigatória; a ocorrência da crase e o consequente emprego do acento também.

5. As frases a seguir são ambíguas, exceto:
[A] Ana viu o incêndio do prédio.
[B] Estão procurando o amigo do prefeito cujo carro o prefeito sofreu um acidente.
[C] Muitas crianças deveriam estar na escola.
[D] O time apresentou uma nova contratação, que há muitos anos não ganha um título.
[E] Um novo dentista abriu seu consultório neste bairro, que atende todas as manhãs.

6. Sobre a Literatura Brasileira, assinale a proposição correta:
[A] A prosa modernista tem como principal característica o rebuscamento da escrita.
[B] Na poesia parnasiana, o que se destaca é a falta de métrica e o conteúdo extremamente crítico.
[C] No Realismo, promove-se uma crítica ao comportamento do índio.
[D] No Romantismo, o amor nunca é subordinado às conveniências sociais.
[E] O Quinhentismo remonta ao período do achamento do Brasil e é caracterizado por crônicas de viagens.

7. Sobre a obra Memórias de um Sargento de Milícias, assinale a alternativa incorreta.
[A] Nessa obra, tudo cheira a povo. Não há sofisticações ou formalidades.
[B] Nessa obra, o autor não tem a intenção de individualizar as personagens psicologicamente, mas sim de criar personagens que são verdadeiros tipos sociais.
[C] Leonardinho, o anti-herói, é apresentado bastante próximo da realidade humana, com defeitos e atrapalhações, distante dos moldes do Romantismo.
[D] Essa obra possui muitas personagens suburbanas, retiradas das redondezas do Rio de Janeiro, gente humilde com fala popular por parte das personagens, fatores de grandeza na obra.
[E] As pessoas que compõem a obra formam vários tipos populares da Zona Sul carioca, formada por cozinheiras, meirinhos, parteiras, sacristões, enfim, elementos da alta sociedade.

8. Considerando o que você leu em Memórias de um Sargento de Milícias e o contexto histórico da obra, assinale a proposição correta.
[A] A obra “Memórias de um Sargento de Milícias” foi escrita em 1854, primeiramente em livro, depois – dois anos mais tarde – em folhetim.
[B] Como contexto histórico em que essa obra foi produzida, podemos citar a fuga da Família Real ao Brasil, devido à invasão francesa ao território português, comandada por Napoleão Bonaparte.
[C] Essa obra foge dos padrões modernistas da época.
[D] Memórias de um Sargento de Milícias apoia a sociedade retórica dominante, dando um tom realista e sobrenatural do gênero picaresco, o que gerava muito interesse por parte dos leitores da época, acostumados a novelas bem comportadas.
[E] Nessa obra, tem-se um mundo em que a ordem sempre se embaralha com a nossa própria ordem.

9. Sobre a obra 13 Cascaes, assinale a alternativa incorreta.
[A] Em História praiana, de Eglê Malheiros, as bruxas assumem o papel de dirigentes da família, assumem o lugar – teoricamente – do homem. Logo, questiona-se nessa narrativa se a mulher que se rebela é bruxa.
[B] Esse livro não é somente objeto de imaginação, mas, principalmente, de memória.
[C] Esse livro é composto por 13 contos que abordam a colonização alemã da região do Vale do Itajaí.
[D] No conto O presépio, de Adolfo Boos Jr., temos o conflito entre as tradições ilhoas e o seu apagamento sob o excesso de urbanidade no presépio de Cascaes que é estranhamente dessacralizado.
[E] O livro é como uma metáfora sobre Cascaes, que significa amontoado de conchas, casqueiro, o sambaqui ancestral.

10. Sobre o conto O abençoado, de Júlio Queiroz, está correta a alternativa.
[A] O tema central é a pesca de arrastão com a benção das bruxas.
[B] Esse conto focaliza um autêntico congresso bruxólico, com o objetivo de resolverem o assédio que vêm sofrendo dos jovens catarinenses.
[C] Durante uma reunião para resolver o problema dos buracos das ruas, uma das bruxas anuncia o nascimento de Franklin Cascaes.
[D] As bruxas reclamam que os jovens não acreditam mais na cura através da medicina moderna, somente por meio de benzeduras.
[E] As bruxas amaldiçoam a medicina moderna.


Gabarito dos exercícios para simulado de Português
1-C, 2-D, 3-C, 4-D, 5-C, 6-E, 7-E, 8-B, 9-C, 10-E

http://www.analisedetextos.com.br/2015/02/questoes-para-simulado-rapido

Exercícios de coesão textual com gabarito

É cada vez maior a necessidade de se trabalhar com redação em sala de aula de uma maneira mais prática. A qualidade dos textos, apesar das aulas mais dinâmicas e do entendimento dos recursos que fazem com que um texto seja coerente e coeso é cada vez menor. Os números dos reprovados nas provas cresce e surge a necessidade de se fazer algo mais prático e relacionado à realidade do estudante.  Estes exercícios de coesão textual são recurso essencial para dar unidade ao texto.

Coesão textual – Tecendo a teia…

Texto para os exercícios 1 a 4

Na aurora dos anos sessenta, Júlio Cortázar anunciou o fim da leitura e o desaparecimento dos leitores, num mundo de tal forma saturado de escrita que os livros deixam de ser palavras que circulam: são só objetos que entulham o espaço.
É verdade que as leituras, ou ainda, as não-leituras de alguns nunca contribuíram tanto para que outros escrevessem: discursos de jornalistas, pedagogos ou políticos prescrevendo como salvar o que ainda pode ser salvo; discursos de historiadores, sociólogos e semiólogos analisando o que se lê, de que forma se lê ou não se lê, para compreender como se chegou a esse ponto. E mesmo quando procuram se distanciar de seu objeto, os trabalhos científicos sobre a leitura fazem parte dos universos que estudam. Quaisquer que sejam seus temas, métodos e conclusões, tais trabalhos constituem a maior prova de que o gesto de ler, indissociável do ingresso na modernidade cultural, perdeu sua transparente evidência.
Hoje, as grandes esperanças ligadas a uma divisão igualitária do ler parecem decepcionantes e os debates públicos soam como uma queixa unânime (“não se lê mais!”), denunciando uma moléstia social inaceitável que atinge tanto os grevistas iletrados e as crianças que fracassam na escola como os dirigentes de empresas das nossas sociedades técnicas.

Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard. Discursos sobre a leitura – 1880-1980.

1. No parágrafo introdutório do texto, com quais recursos dissertativos os autores procuram envolver o leitor na discussão que apresentam?

2. Que tipo de argumentação alicerça o segundo parágrafo do texto? Com que finalidade?

3. Em que sentido o terceiro parágrafo apresenta coesão e coerência em relação aos anteriores?

4. Por quais razões podemos afirmar que o texto lido constitui uma dissertação clássica?

Instrução para os exercícios de 5 a 14

Corrija os erros de coesão que ocorrem nas frases que seguem.

5. “Conheci Maria Elvira, onde me amarrei.”

6. “Ele sempre foi bom, porém honesto.”

7. “Os alunos não entenderam todos os assuntos. Assuntos estes que foram aprofundados.”

8. “Todos querem uma vaga na USP, mesmo sabendo que a USP faz exames de seleção rigorosos.”

9. “Os artistas sempre foram marginais. Eles têm, às vezes, momentos de glória, mas eles sobrevivem por teimosia. Apesar de tudo – da fama e da decadência -, os artistas são uma espécie de espelho da sociedade.”

10. “Eles fugiam da polícia. A polícia foi mais rápida e prendeu eles.”

11. “Ele era escritor sério e ela era professora honesta e o poder cegou eles.”

12. “Há um grande número de pessoas que não entendem e não se interessam por política.”

13. “Lembrou-se que havia um bilhete. Bilhete este que desapareceu entre os velhos papéis da escrivaninha.”

14. “Fritz Muller preferia bacalhoada e Severina preferia feijoada. Ele, Fritz Muller, não sabia pedir e ela, Severina, não sabia obedecer.”

Gabarito dos exercícios de coesão textual

1. Os autores procuram envolver o leitor na discussão que apresentam, delimitando o tema e o ponto de vista a ser defendido: a crise da leitura no mundo moderno, associada à saturação da escrita.

2. No segundo parágrafo, com a finalidade de desenvolver as ideias apresentadas na introdução, os autores enumeram diversos discursos sobre leitura provocados exatamente pela falta de leitores e assim justificam por meio de exemplos a tese apresentada.

3. Na medida em que apresentam a conclusão, reafirmando a tese ou o ponto de vista apresentado e desenvolvido argumentativamente, os autores ao mesmo tempo retomam (coesão) e generalizam (coerência com o contexto dissertativo) suas afirmações.

4. Podemos afirmar que o texto lido constitui uma dissertação clássica porque ele se estrutura em três parágrafos, que apresentam a seguinte configuração: o primeiro parágrafo introduz o tema, delimitando o ponto de vista a ser defendido, no segundo aparecem os argumentos que o sustentam e, finalmente, no terceiro, há uma conclusão, que reafirma e generaliza o que foi colocado.

5. Conheci Maria Elvira, pela qual me apaixonei (ou à qual me liguei). Erros: emprego do conectivo (onde) e de impropriedade vocabular (amarrei).

6. Ele sempre foi bom e honesto. Erro: emprego do conectivo (porém).

7. Os alunos não entenderam todos os assuntos que foram aprofundados. Erros: emprego do anafórico e de repetição.

8. Todos querem uma vaga na USP, mesmo sabendo que ela faz exames de seleção rigorosos. Erro: repetição. Correção: uso do anafórico “ela”.

9. Os artistas sempre foram marginais. Têm, às vezes, momentos de glória, mas sobrevivem por teimosia. Apesar de tudo — da fama e da decadência —, são uma espécie de espelho da sociedade. Erro: repetição. Correção: Obter-se-ia a coesão por elipse do sujeito.

10. Eles fugiam da policia que os prendeu. Erro: repetição. Correção: emprego de anafóricos (gue e os).

11. Ele era escritor sério, e ela, professora honesta, mas o poder cegou-os (ou os cegou). Erros: repetição e uso inadequado do conectivo. Correção: elipse do verbo “ser”, uso do anafórico “os”, emprego correto do conectivo “mas”.

12. Há um grande número de pessoas que não entendem política e não se interessam por ela. Erro: emprego da mesma palavra relacional (preposição “por”) para verbos que regem preposições diferentes (erro de unificação regencial). Correção: explicitar a regência do verbo entender (rege objeto direto, nesse contexto), aproximar dele o termo “política” e retomá-lo depois com o anafórico “ela”, regido pela preposição “por” (obrigatória para ligar objeto indireto)

13. Lembrou-se de que havia um bilhete que desapareceu entre os velhos papéis da escrivaninha. Erros: o verbo “lembrar-se” rege preposição “de” (erro de emprego do conectivo), repetição (falta de anafórico). Correção: preposição “de” obrigatória e uso do anafórico “que”.

14. Fritz Muller preferia bacalhoada, e Severina, fejjoada. Aquele não sabia pedir, e esta não sabia obedecer. Erro: repetições desnecessárias. Correção: elipse do verbo “preferir” e uso dos anafóricos “aquele” e “esta”.

http://maiseducativo.com.br/exercicios-de-coesao-textual-com-gabarito/

As locuções prepositivas


À medida que desenvolvemos nossa competência no que tange à apreensão dos fatos que norteiam a língua, constatamos que cada vez mais o emprego de determinadas expressões “ferem” a modalidade concebida como padrão. Pelo fato de serem imperceptíveis aos olhos de quem as profere, mesmo porque, na maioria das vezes, falta-lhe aptidão para reconhecer tal aspecto, acabam se tornando modismos. 

Em função disso, é inegável estarmos conscientes de que somos regidos por um sistema único, comum a todos os usuários, e adequá-lo às diferentes situações de comunicação é, antes de tudo, sinal de competência linguística. Partindo-se deste pressuposto, ampliemos nosso conhecimento no que tange ao assunto em questão, sobretudo no que se refere ao emprego das locuções prepositivas. 

Provavelmente, após tomarmos conhecimento de alguns casos representativos, estaremos aptos a identificar possíveis “desvios” ao estabelecermos contato com discursos desta natureza:



Assim, de modo a constatá-los, analisemos: 


http://www.portugues.com.br/gramatica/as-locucoes-prepositivas-analisando-as-minuciosamente.html

Textos humorísticos

Torna-se de fundamental importância que, antes de delinearmos nossos objetivos rumo ao conhecimento das particularidades linguísticas que norteiam a modalidade em questão, entendamos que a interlocução de um texto somente é efetivada quando há a interação entre emissor x receptor.

Tal interação parte do princípio de que todo texto se perfaz por uma finalidade discursiva e, para tanto, faz-se necessário que o emissor a desvende de maneira plausível, interpretando adequadamente a ideia que ora se deseja transmitir, compreendendo todo o jogo que se instaura por meio das palavras, identificando todas as conotações presentes, enfim, interpretando os efeitos de sentido instituídos pelo emissor a partir de um contexto

Em se tratando dos textos humorísticos por excelência, o discurso pauta-se pelo entretenimento, como é o caso das anedotas, das histórias em quadrinhos, amplamente difundidas desde a nossa infância. No entanto, há aqueles textos em que o humor está subsidiado em um objetivo do qual precisamos ativar nosso conhecimento de mundo – aquele adquirido ao longo de nossa experiência –, para então “descortinarmos” a mensagem atribuída mediante as entrelinhas.

No intuito de compreendermos um pouco mais sobre as particularidades inerentes aos gêneros voltados para o humor, enfatizaremos os casos representativos de modo particular:


Anedota

Trata-se de um texto que tem por objetivo proporcionar o entretenimento por parte do receptor. Analisemos um exemplo:

Português

Um português telefona pra agência de viagem:
- Por favor, quanto tempo leva um avião pra Lisboa?
- Um minuto...
- Obrigado - e desligou.
Cartum

Representa uma anedota gráfica, aliando linguagem verbal e não verbal. Geralmente, ele aborda situações universais e atemporais, ou seja, aquelas que podem acontecer em qualquer tempo ou lugar, com vistas a promover uma sátira aos comportamentos humanos. Observemos:
Charges

A charge, ao contrário do cartum, satiriza um fato específico. Outro fator de divergência está condicionado às personagens, visto que no cartum são pessoas comuns, e as da charge, por sua vez, são pessoas que exercem uma certa influência diante do cenário social, como por exemplo, os representantes políticos. Como dito anteriormente, para que o discurso se materialize em sua plenitude, é preciso haver cumplicidade entre os interlocutores, de modo a interpretar os fatos com referência nos conhecimentos prévios. Vejamos: 

 

http://www.portugues.com.br/redacao/textos-humoristicos-.html

PESCARIA- José Fernandes / conto

Traias prontas, partimos sem consultar os astros: a lua que controla o caruncho da madeira, a germinação das sementes, o crescimento das plantas, as marés. Seria uma pescaria de arrobas. Uma semana contemplando a natureza por dentro, revivendo mares de xaraés. 
Horas e horas rio abaixo, rio adentro, rio afora. Rio de mim. Rio de minha felicidade. Olhos cheios de árvores, de flores,frutos,pássaros. O sol mergulhava nos corixos, quando chegamos à beira de uma praia, em curvas indecisas de remansos pantanis. Muita areia e água transparente bebendo cores e cheiros de mato. Se ficássemos em jejum de peixe, poderíamos refrescar corpo e alma no vermelho das tardes-manhãs, ou nos raios escaldantes do meio-dia. Na verdade, não era muito afeito a alimento de mosquitos, mutucas e pernilongos em beiras de rio. Queria mesmo era descansar de amigos do dia a dia. Se. 
Mal chegamos, fui providenciar lenha para o churrasco, o meu forte. Nunca estivera em pantanal. Meus colegas, sim. Viviam pantaneando. Sequer imaginava os perigos que corria, embrenhando em matas-florestas. De onças, sabia o trivial; mas não as desejava por perto. Pelo menos, até entrar em capões interrompidos por corixos-rios-corixos, àquela hora já escuros. Trazia um revólver no corrião, segundo costumes do lugar. Mas, o que é um revólver para uma onça? Pode?! 
Ruídos de animais me amoleciam a coragem. Miados de corujas me pareciam onças farejando a presa. Guinchos desconhecidos de macacos eram roncos de caititus rodeando-me. Nunca fui hábil em trepar em árvores. Qualquer coisa, até me acudirem, estaria estraçalhado pelas feras. E se uma sucuri resolvesse me abraçar? 
Tive sorte. Antes de as pernas me desobedecerem, encontrei uma árvore caída logo à beira do descampado, construído pela última enchente. Apenas metros da tenda-cozinha. Arrastei-a até a praia e improvisei uma churrasqueira. Enquanto isso, os pescadores armavam os anzóis de galho, iscados consoante com os apetites piscinianos da época: muçum e jejum. Todos acompanhados de uma sineta, a fim de se saber peixe fisgado. Mal terminaram o ofício, um dos primeiros caniços-árvore anunciava peixe faminto. Acorreram a ele. Puxavam. Gemiam. Inchavam-se veias. Estremunhavam. Viam somente a enorme cabeça de um jaú. 
– Acho que só o Gusmão consegue puxar este peixe prá dentro do barco!
– Que pescadores são esses que, na hora do pega prá capá, não aguentam o canivete? 
Na verdade, o jaú não era tão grande. Uns quarenta e cinco quilos. Se fosse um dourado duns quinze, aí, sim, teríamos de espernear; mas dourado gosta de aventura. Não aprecia anzol de galho, sem emoção. A corda é que era fina e cortava as mãos dos pescadores de finais de semana. Volta e meia, um sino repicava. 
No outro dia, pela manhã, dois anzóis repicaram peixe simultaneamente. Quando foram atender ao segundo, encontraram apenas uma cabeça maior que a do jaú. As piranhas haviam-lhe devorado todo o corpo. À tarde do segundo dia terminou com uma ventania. Dia seguinte, segunda-feira, nenhum peixe no anzol. Nem piranha beliscava isca, a mesma usada nos dias anteriores. A lua mudara face e fase. 
À tarde, como não houvesse a alegria dos pacus, dos pintados, das pirararas, das piraputangas, Chupão enxugava todas as garrafas que encontrava na chalana e nas barracas: cerveja e branquinha, branquinha e cerveja; conhaque e cerveja, cerveja e conhaque. A garrafa de azeite das frituras só não foi sugada, porque fora enterrada na areia para escapar à sanha das formigas. A prática do auterocopismo o exaurira. Tombara junto à tenda-cozinha. 
Mal o sol se pusera, uma nuvem de pernilongos desceu da floresta, antecipando a noite. Eram tantos que não respeitavam repelex algum. Entravam pelos olhos, nariz, ouvidos. Quem abrisse a boca, engolia dúzias. Todos correram para a chalana. As telas ficaram pretas de asas e sinfonias. Aqueles que desejavam descanso, desceram ao convés, à procura de sombra e água fresca; outros montaram mesas, abriram garrafas-latas e entabularam um ruidoso truco. 
Lá pelas tantas, alguém levantou a lebre que não havia naquela ilha pantanil: Cadê Chupão?! Mesmo sendo inimigo contumaz dos pernilongos, Nhonhô atendeu aos apelos de Parnakós e lhe fez companhia. Foram verificar seu paradeiro. Chupão não se encontrava nem perto da fogueira, já apagada àquelas alturas, nem sob a tenda de alimentos. Focaram, com a lanterna, o alto das árvores e viram-no coberto de pernilongos que o levavam em cortejo, com banda de música e tudo.

Conto publicado em meu livro Assombramentos. Kelps, 1999.

Jornal Notícias do Dia

Belfagor:Nicolau Maquiavel

A única história curta, conhecida, de Nicolau Maquiavel. Um diabo é enviado à terra para verificar porque todos os homens que chegam ao inferno apresentam como causa única de estarem ali o fato de serem casados. 


Belfagor
Nas antigas memórias das crônicas de Flo­rença lê-se uma história relacionada a um homem san­tíssimo que, em meio à devassidão da época, era mui respeitado por todos seus contemporâneos. Certo dia, absorto em suas piedosas meditações, conseguiu ver que as almas dos infelizes mortais que morriam pecadores e que iam para o inferno lamentavam — se não todos, pelo menos a maior parte — que a razão de tal desdita devia-se ao fato de terem-se casado. Minos e Radamanto, juntos com ou­tros juízes do inferno, ficaram deveras admirados e, não po­dendo dar crédito às calúnias que tais almas lançavam ao sexo feminino, deram ciência disso a Plutão, tanto mais que tais la­mentações só faziam crescer. Plutão então deliberou examinar o caso de perto com todos os príncipes do inferno para, só depois, tomar partido do que fosse julgado o mais conveniente para descobrir a falácia e saber a verdade por inteiro. Convocou-os, pois, ao conselho, e falou nos seguintes termos:

— Embora eu, meus diletos amigos, por disposição celeste e vontade do destino, e ainda que me encontre acima do juízo de Deus e dos homens, no entanto, como maior prova de sabedoria e prudência, resolvi consultar-vos hoje sobre a conduta que devo seguir num caso que poderia redundar em infâmia para nosso império. Todas as almas dos homens que entram em nosso reino pretendem ter sido causa disso a própria mulher, o que não nos parece possível. Condenando tal afirmação, talvez os levianos nos acusem de maldade; caso não o fizermos, talvez os injustos nos considerem demasiado indulgentes e pouco afeitos à justiça. Querendo evitar uma e outra acusação, e não encontrando um meio para tal, decidimos convocar-vos a fim de que nos ajudeis com vossos conselhos e façais com que este reino continue a viver sem infâmia, como sempre tem vivido.

Nenhum daqueles príncipes das trevas deixou de considerar o caso importantíssimo e de grande monta. Estavam todos de acordo em que era necessário descobrir a verdade, mas discordavam quanto à maneira de assim proceder. Al­guns julgavam que se devia mandar um deles ao mundo, outros que vários, para ali pessoalmente co­nhecerem, soba forma humana, qual era a verdade. A outros pa­recia desnecessário tal transtorno: bastaria obrigar algumas almas, por meios de diversos tormentos, a confessá-la. No entanto, como a maioria optasse pela pri­meira opinião, foi essa a adotada. Mas ninguém se ofereceu vo­luntariamente para a empreitada; assim, recorreram eles a um sorteio. A sorte recaiu sobre Bel­fa­gor, arquidiabo, que an­te­riormente — antes de cair do Céu — tinha sido arcanjo.

Foi com relutância que ele aceitou o encargo, mas o poder de Plutão o constrangera a executar o que o conselho deliberara e teve assim que consentir nas condições solenemente aceitas por todos. Fora deliberado que aquele em quem recaísse a sorte receberia imediatamente cem mil ducados, e com eles viria nascer no mundo. A casar-se sob a forma de um homem e a viver com a mulher dez anos; depois, fingindo morrer, voltaria e exporia a seus superiores a própria vivencia, quais eram os encargos e os incômodos do casamento. Deliberou-se também que, durante o tempo em apreço, ele ficaria submetido a todos os achaques e males a que os homens estão sujeitos, inclusive a pobreza, a prisão, as doenças e todas as desgraças que aos mortais ocorrem, salvo se por meio de engano e astúcia conseguisse livrar-se delas.

Aceitas pois as condições e os ducados, foi-se Belfagor ao mundo e, devidamente provido de cavalos e acompanhantes, entrou ele em Florença com o maior aparato. Escolhera esta cidade para domicílio, entre todas as demais, por lhe parecer a mais plausível para quem quisesse viver empregando seu dinheiro em negócios. Fez-se chamar Rodrigo de Castela e a­lu­gou uma casa no bairro de Todos os Santos (Ognissanti). Para que não pudessem lhe descobrir os antecedentes, disse ter partido da Espanha ainda criança; dali fora à Síria e a Alepo, onde ganhara tudo o que possuía; de lá viajara para a Itália e a fim de se casar num lugar mais humano e mais conforme à vida civilizada e à sua própria índole.

Era Rodrigo um moço formoso, que aparentava trinta anos. Em poucos dias demonstrara ele quantas riquezas tinha e dera provas de sua liberalidade e humanidade; logo vários cidadãos nobres, providos de muitas filhas e pouco dinheiro, lhe ofereceram seus préstimos. Entre todas, Rodrigo escolheu uma belíssima donzela chamada Honesta. Filha de Américo Do­nati, que tinha mais três filhas, quase em idade de se casar, e três filhos já adultos. De família muito nobre e tido em bom conceito em Florença, era no entanto muito pobre, levando-se em conta sua numerosa prole e sua condição.

Rodrigo celebrou suas núpcias com esplendor e grandeza, não descuidando de nada que seja necessário em tais circunstâncias, pois entre as obrigações que lhe foram impostas ao sair do inferno, estava a de sujeitar-se a todos os caprichos humanos; assim, logo passou a deleitar-se com as honrarias e pompas do mundo e a gostar de ser louvado entre os ho­mens, coisas que o levaram a grandes gastos. Por outro lado, não tardou muito a apaixonar-se perdidamente por sua D. Honesta e quase não conseguia viver quando a encontrava triste ou aborrecida.

Com sua nobreza e formosura, a senhora Honesta levara con­sigo para a casa de Rodrigo um orgulho tão desmesurado que mesmo Lúcifer não o tivera igual. Rodrigo, que podia comparar um e outro, considerava o de sua mulher infinitamente superior, e consta que ainda chegou a ser maior quando percebera o amor que seu marido sentia por ela. Imaginando ser por todas as maneiras a dona absoluta, dava suas ordens sem consideração ou piedade, e se ele relutasse a fazer as suas vontades, desatava em recriminações e injúrias, o que era para o pobre Rodrigo motivo de viva pena e aflição. Sem dúvida, por consideração a seu sogro, a seus cunhados e demais parentes, por respeito aos deveres do casamento e pelo amor que dedicava à esposa, sofria seus males com a maior paciência. Quero passar em silêncio sobre os grandes gastos a que era obrigado para contentá-la, vestindo segundo os novos costumes e as modas mais recentes, que nossa cidade varia por hábito natural; nem lembrarei que, para ela o deixar em paz, teve ele de ajudar o sogro a casar as outras filhas, o que lhe fez despender também considerável importância. Depois, querendo manter-se em boa paz com a mu­lher, consentiu em mandar um dos irmãos dela ao Oriente com casimira e outro para o Ocidente levando sedas, ao passo que para o terceiro irmão abriu em Florença uma oficina de ourives, em que despendeu a maior parte do dinheiro que possuía. Além disso, nas festas de Carnaval e de S. João, celebradas pela cidade inteira segundo tradição antiga, quando grande número de cidadãos nobres e ricos se honravam uns aos outros com magníficos banquetes, D. Honesta, para não ficar atrás de outras damas, queria que seu Rodrigo superasse a todos os demais com suas festas. Tudo isso, suportava-o Rodrigo pelos motivos supracitados; apesar de gravíssimas, nem graves as teria achado se houvessem introduzido a paz em sua casa, permitindo-lhe aguardar em sossego o momento de sua própria ruína. Mas foi o contrário o que aconteceu, pois a índole insolente da esposa, além das despesas insuportáveis, carreara-lhe inúmeros aborrecimentos. Nenhum criado a aguentava, não digo por muito tempo, mas nem sequer por alguns dias. Para Rodrigo era o mais duro dos incômodos não possuir um criado que tivesse amor a sua casa. Os próprios diabos que trouxera consigo como domésticos preferiram voltar aos fogos do inferno a viver no mundo sob as ordens daquela mulher. 

Assim prosseguia a vida tumultuada e inquieta de Rodrigo. Tendo já consumido nos gastos desenfreados o que recebera em espécie, começou a viver à espera das entradas financeiras que aguardava do Ocidente e do Oriente. Como ainda tivesse bom crédito, pediu dinheiro emprestado para não ficar aquém de sua condição; e já certo número de letras sacadas por ele circulavam na praça, o que logo foi percebido pelos que trabalhavam neste ramo de negócios. Já era bem precária a situação de Rodrigo quando, de súbito, chegaram notícias do Oriente e do Ocidente: aqui, um dos irmãos de D. Honesta perdera no jogo todo o dinheiro de Ro­dri­go; ali, o outro, ao voltar de um na­vio carregado de suas mercadori­as, que não estavam no seguro, naufragou com toda a carga.

Mal estas novas circulavam pela cidade, os credores de Rodrigo reuniram-se. Consideravam-no um homem liquidado, mas ainda não podiam tomar providências por não haver expirado o prazo das cobranças; resolveram, pois, que mandariam quem o observasse habilmente, para que num abrir e fechar de olhos não resolvesse fugir. Por sua parte, Rodrigo, sem ver outro remédio e sabendo das obrigações de seu pacto infernal, decidiu fugir a todo o transe. Certa manhã montou a cavalo e saiu da cidade pela porta do Prato, perto da qual residia. Espa­lhada a notícia de sua fuga, os credores recorreram alarmados às autoridades e puseram-se no encalço dele, acompanhados não apenas de meirinhos como também de muitos populares.

Mal se distanciara da cidade cerca de uma milha, souberam eles de sua fuga, de sorte que, vendo-se perdido, resolveu Rodrigo, para melhor se esconder, abandonar a estrada principal e tentar a sorte em outras direções; porém o terreno árduo e abrupto dificultava tremendamente a sua marcha. Perce­bendo que era impossível seguir a cavalo, decidiu-se salvar-se a pé mesmo, deixando o animal no meio do caminho, e depois de ter muito tempo andado por entre vinhas e canaviais que cobriam os campos, aproximou-se de Pretola, detendo-se na casa de Giovanni Matteo de Bricca, um dos colonos de Gio­vanni dei Bene. Felizmente àquela hora chegava também ao local o próprio Gio­vanni Matteo pa­ra alimentar o gado. A ele se recomendou o fugitivo, prometendo-lhe que, se o salvasse dos inimigos que o perseguiam para fazer com que morresse na prisão, o tornaria rico, coisa que lhe daria prova antes mesmo de sair de sua casa; se não o fizesse, concordaria que o próprio camponês o entregasse a seus adversários.

Embora simples camponês, era Giovanni Matteo homem de coragem. Pensou que nada tinha a perder se tentasse salvá-lo, e prometeu-lhe auxílio. Em frente à casa havia um monte de estrume: foi lá que o escondeu, cobrindo-o de caniços e ramos colhidos para fazer fogo.

Mal acabara Rodrigo de esconder-se, seus perseguidores chegaram. Por mais ameaças que fizessem a Giovanni Matteo, não conseguiram fazê-lo confessar o que tinha visto. Assim, partiram, e de­pois de procurá-lo todo aquele dia e mais o seguinte, retomaram exaustos para Florença.

Afastada a agitação, Giova­nni Matteo tirou Rodrigo do esconderijo e pediu-lhe que cum­prisse a promessa, ao que Rodrigo lhe disse:

— Irmão meu, tenho uma grande obrigação para contigo e desejo cumpri-la de qualquer maneira; e para que acredites em que eu possa fazer, vou di­zer-te quem sou.

Nisso revelou a sua identidade contando em que condições saíra do inferno e como se casara. Em seguida, explicou-lhe como pretendia fazê-lo rico. O seu plano, resumindo, era o seguinte: quando Giovanni Mat­teo soubesse que alguma mulher estava tomada pelos espíritos, devia saber que era ele, Rodrigo, que se apoderara dela: nem sairia do corpo da vítima sem que Giovanni Matteo viesse a tirá-lo: assim, poderia o camponês pe­dir aos parentes da endemoninhada o preço que bem entendesse. Giovanni Matteo aceitou a proposta e Rodrigo partiu.

Decorridos alguns dias, propagou-se por toda Florença a notícia de que a filha de mestre Ambrósio Amadei, casada com Bonaiuto Tebalducci, estava tomada pelos maus espíritos. Não descuidaram os parentes de nenhum dos remédios a que se recorria em casos semelhantes; assim, puseram-lhe na cabeça o crânio de S. Zenóbio e o manto de S. João Gualberto. Rodrigo, no entanto, zombava de tudo a­quilo. E para dar a entender a todos que o mal da moça era um espírito e não qualquer imaginação fantástica, falava em latim, discutia coisas de filosofia, descobria os pecados de muita gente, desmascarando-os, entre outros, a um frade que guardara em sua cela durante mais de quatro anos uma mulher vestida à maneira de um fradinho, coisas que a todos enchiam de espanto. Estava Mestre Am­brósio irritadíssimo e, havendo experimentado em vão todos os remédios, perdera já a esperança de curar a filha, quando Gio­vanni Matteo veio ter com ele, prometendo-lhe a saúde da filhinha se lhe dessem quinhentos florins para comprar uma propriedade em Pretola. Mestre Am­brósio aceitou a proposta. En­tão Giovanni Matteo, depois de mandar dizer certo número de missas e executar certas cerimônias para embelezar a coisa, aproximou-se da moça e segredou-lhe ao pé do ouvido:

— Rodrigo, aqui estou eu esperando que me cumpras a promessa.

Ao que Rodrigo respondeu: — Com o maior prazer. Mas isto não chega ainda a te tornar rico. Eis por que, apenas saído daqui, entrarei na filha do rei Carlos de Nápoles, e de lá não sairei sem que me chames. E­xigirás então uma recompensa segundo a tua vontade, e de­pois disso não deverás mais me importunar.

Nisso saiu do corpo da mo­ça doente, para a alegria e admiração de toda Florença. Não tardou e espalhava-se por toda Itália a mesma desgraça ocorrida, desta vez com a filha do rei Carlos. Como os remédios dos frades de nada adiantassem, o rei, que ouvira falar em Gio­vanni Matteo, mandou que ele fosse conduzido até ele. Che­gando a Nápoles, o camponês, depois de algumas cerimônias de fachada, curou-a. Mas antes de sair do corpo da princesa, Rodrigo disse-lhe:

— Bem vês que hei cumprido a minha promessa de enriquecer-te. Agora que re­compensei o serviço que me fi­zeste, nada mais te devo; assim, aconselho-te a que não mais apareças à minha frente, pois se te fiz benefícios até aqui, daqui por diante poderia causar-te dissabores.

Giovanni Matteo retornou a Florença muito rico, pois o rei lhe havia dado mais de 50 mil ducados, e não pensava senão em desfrutar de sua riqueza, com muito gosto e sossego, sem cogitar que Rodrigo pudesse, em qualquer época, lhe causar algum dissabor. Bem cedo, no entanto, se desiludiu, ante a notícia de que uma filha de Luís VII, rei da França, estava possuída pelo demônio. Notícia essa que tumultuou de todo a alma de Giovanni Matteo, que não conseguia parar de pensar na autoridade daquele monarca e nas palavras que lhe dissera Rodrigo. De fato, o rei, não encontrando remédio para o mal de sua filha, e tendo ouvido falar da capacidade de Giovanni Matteo, mandou cha­má-lo, primeiro através dos correios, simplesmente; mas em vista de que o homem alegava certa indisposição, viu-se o rei forçado a recorrer ao governo de Florença, o qual obrigou Giovanni Matteo a obedecer.

Desesperado, foi Giovanni para Paris, onde foi logo explicando ao rei que efetivamente curara já certas pessoas endemoninhadas, mas que isso de modo algum significava que soubesse ou pudesse curá-las todas, pois algumas havia de natureza tão pérfida que não temiam ameaças nem encantamentos, nem religiões, seja qual for; que, no entanto, estava disposto a fazer o que pudesse, mas pedia desculpa e perdão se não viesse a ser bem-sucedido. Enfastiado, o rei declarou que, se não lhe curasse a filha, mandaria enforcá-lo. Viu-se Giovanni Matteo em péssimos lençóis, mas fez de sua fraqueza sua força: mandou vir a possuída e, aproximando-se-lhe do ouvido, recomendou-se humildemente a Rodrigo, lembrando-lhe o benefício prestado e como seria ingrato se o desamparasse naquele imbróglio. Rodrigo então assim reagiu:

— Traidor infame! Como te atreves a aparecer perante mim? Acreditas que podes te vangloriar de ter enriquecido à minha custa? Pois hei de mostrar-te a ti e a todos que sei muito bem dar e tomar qualquer coisa, como melhor me prover; e antes que partas daqui, farei enforcar-te, custe o que custar.

Dando-se por perdido, Giovanni Matteo, não vendo outro remédio, resolveu arriscar a sorte por outro meio. Mandou que levassem dali a possuída e disse ao rei:

Senhor, como falei a Vossa Majestade, há espíritos tão malignos que com eles ninguém pode; pois este é um dos tais. Mas quero fazer uma última tentativa: se for bem-sucedido, Vossa Majestade e eu teremos alcançado o nosso objetivo; caso contrário, estarei nas mãos de Vossa Majestade, que saberá ter comigo a compaixão que faz jus a minha inocência. Or­dene Vossa Majestade que se erga na Praça de Notre Dame um gran­de palco onde caibam todos os barões e todo o clero desta ci­dade; mande orná-lo de panos de seda e de ouro, e mande erguer no meio dele um altar. Preciso que no domingo próximo Vossa Ma­jes­tade se reúna no estrado do palco com todos os seus príncipes e ba­rões, numa pompa real, vestidos de trajes ricos e esplêndidos. De­pois da missa celebrada, Vossa Ma­jestade fará vir a possuída. Pre­ciso, além disso, que num ângulo da praça haja pelo menos vinte pessoas reunidas com trompas, cornetas, tambores, cornamusas, címbalos, timbales e outros instrumentos de toda sorte. Quando eu erguer o chapéu to­dos deverão tanger seus instrumentos e encaminhar-se na direção do estrado. Estas coisas, juntas com alguns remédios secretos, poderão fazer, julgo eu, com que o espírito ma­ligno desapareça.

Tudo isso o rei ordenou. Chegou a manhã de domingo. O palco improvisado estava cheio de personalidades, e a praça, cheia do povo. Celebrada a missa, a endemoninhada foi conduzida ao estrado por dois bispos e muitos senhores. Ao ver tamanha multidão e tanto aparato, Rodrigo ficou meio tonto e disse consigo mesmo:

“Que será que inventou esse traidor miserável? Será que está pensando me espantar com toda essa pompa? Ignora que estou acostumado a assistir as pompas do Céu e fúrias do In­ferno? Haverei de castigá-lo de qualquer maneira.”

Quando, logo depois que Giovanni Matteo se aproximou novamente e lhe pediu que saísse, Rodrigo assim lhe falou:

— Bela ideia a tua, para dizer a verdade! Que pensas alcançar com todo esse aparato? Acreditas escapar assim ao meu poder e à ira do rei? Ladrão miserável, farei com que te enforquem haja o que houver!

Como não parasse de dizer tais palavras, acrescentando-lhes outras menos injuriosas, Giova­nni Matteo houve por bem não perder mais tempo. Ergueu o chapéu, todas as pessoas encarregadas de fazer barulho tocaram seus instrumentos e com rumor que atingia o Céu foram-se aproximando do estrado. O barulho aguçou os ouvidos de Rodrigo que, sem entender do que se tratasse, pediu assombrado que Giovani Matteo lho explicasse, e Giovanni respondeu-lhe de forma bem perturbada:

— Ai, meu Rodrigo, é a tua mulher que vem te buscar! Foi, em verdade, maravilhoso ver até que ponto Rodrigo horrorizou-se ao ouvir o nome de sua mulher. Tamanho lhe foi o espanto que, sem indagar a si mesmo se seria possível que ela ali estivesse, fugiu sem dizer uma palavra e assim deixou a princesa livre; preferiu voltar ao Inferno para dar conta de suas ações a submeter-se outra vez ao jugo matrimonial, suportando tantos desgostos, a­bor­recimentos e perigos. E eis aqui como Belfagor, de volta ao inferno, pode dar testemunho dos males que uma mulher leva consigo a um lar, e como Giovanni Matteo, que foi mais astuto do que o diabo em pessoa, pôde retornar a sua casa cheio de alegria.

Conto publicado no livro “Os Cem Melhores Contos de Humor da Lite­ratura Universal”, organização de Flá­vio Moreira da Costa, Editora E­diouro. Tradução de Paulo Rónai e Au­rélio Buarque de Holanda.

NIETZSCHE: aforismos

 (compilados por Allan Percy)

1 — Quem tem uma razão de viver é capaz de suportar qualquer coisa.

2 — O destino dos seres humano é feito de momentos felizes e não de épocas felizes.

3 — Nós nos sentimos bem em meio à natureza porque ela não nos julga.

4 — Precisamos pagar pela imortalidade e morrer várias vezes enquanto estamos vivos.

5 — O valor que damos ao infortúnio é tão grande que, se dizemos a alguém “Como você é feliz!”, em geral somos contestados.

6 — Nossos tesouro está na colmeia de nosso conhecimento. Estamos sempre voltados a essa direção, pois somos insetos alados da natureza, coletores do mel da mente.

7 — A palavra mais ofensiva e a carta mais grosseira são melhores e mais educadas que o silêncio.

8 — Nossa honra não é construída por nossa origem, mas por nosso fim.

9 — O homem que imagina ser completamente bom é um idiota.

10 — As pessoas que nos fazem confidências se acham automaticamente no direito de ouvir as nossas

11 — Precisamos amar a nós mesmos para sermos capazes de nos tolerar e não levar uma vida errante.

12 — Só quem constrói o futuro tem o direito de julgar o passado.

13 — Alegrando-se por nossa alegria, sofrendo por nosso sofrimento — assim se faz um amigo.

14 — Não devemos ter mais inimigos que as pessoas dignas de ódio, mas tampouco devemos ter inimigos dignos de desprezo. É importante nos orgulharmos de nossos inimigos.

15 — O sucesso sempre foi um grande mentiroso.

16 — O homem é algo a ser superado. Ele é uma ponte, não um objetivo final.

17 — Falar muito de si mesmo pode ser uma forma de se ocultar.

18 — As pessoas nos castigam por nossas virtudes. Só perdoam sinceramente nossos erros.

19 — O reino dos céus é uma condição do coração e não algo que cai na terra ou que surge depois da morte.

20 — O homem é, antes de tudo, um animal que julga.

21 — A melhor arma contra o inimigo é outro inimigo.

22 — Os maiores êxitos não são os que fazem mais ruído e sim nossas horas mais silenciosas.

23 — O indivíduo sempre lutou para não ser absorvido por sua tribo. Se fizer isso, você se verá sozinho com frequência e, às vezes, assustado. Mas o privilégio de ser você mesmo não tem preço.

24 — Quem é ativo aprende sozinho.

25 — Nossas opiniões são a pele na qual queremos ser vistos.

26 — Não há razão para buscar o sofrimento, mas, se ele surgir em sua vida, não tenha medo: encare-o de frente e com a cabeça erguida.

27 — A razão começa na cozinha.

28 — O futuro influi no presente da mesma maneira que o passado.

29 — Não deveríamos tentar deter a pedra que já começou a rolar morro abaixo; o melhor é dar-lhe impulso.

30 — A maneira mais eficaz de corromper o jovem é ensiná-lo a admirar aqueles que pensam como ele e não os que pensam de forma diferente.

31 — Toda queixa contém em si uma agressão.

32 — No amor sempre existe algo de loucura e na loucura sempre existe algo de razão.

33 — Quem deseja aprender a voar deve primeiro aprender a caminhar, a correr, a escalar e a dançar. Não se aprende a voar voando.

34 — Quem luta contra monstros deve ter cuidado para não se transformar em um deles.

35 — São muitas as verdades e, por esse motivo, não existe verdade alguma.

36 — A mentira mais comum é a que o homem usa para enganar a si mesmo.

37 — Deveríamos considerar perdido o dia em que não dançamos nenhuma vez.

38 — Há mais sabedoria no seu corpo do que na sua filosofia mais profunda.

39 — Se ficar olhando muito tempo para o abismo olhará para você.

40 — As posições extremas não são seguidas de posições moderadas, e sim de posições contrárias.

41 — Preciso de companheiros, mas de companheiros vivos, não de cadáveres que eu tenha que levar nas costas por toda parte.

42 — Eis a tarefa mais difícil: fechar a mão aberta do amor e ser modesto como doador.

43 — A arrogância por parte de quem tem mérito nos parece mais ofensiva que a arrogância de quem não o tem: o próprio mérito é ofensivo

44 — Todos os grandes pensamentos são concebidos ao se caminhar

45 — Quem não sabe guardar suas opiniões no gelo não deveria entrar em debates acalorados.

46 — Dois grandes espetáculos são muitas vezes suficientes para curar uma pessoa apaixonada.

47 — Quem declara que o outro é idiota fica chateado quando, no final, descobre que isso não é verdade.

48 — Amigos deveriam ser mestres em adivinhar e calar: não se deve querer saber tudo.

49 — Usar as mesmas palavras não é garantia de entendimento. É preciso ter experiências em comum com alguém.

50 — Estava só e não fazia outra coisa além de encontrar-se consigo mesmo. Então, aproveitou sua solidão e pensou em coisas muito boas por várias horas.

51 — A potência intelectual de um homem se mede pelo humor que ele é capaz de manifestar.

52 — Gosto dos valentes, mas não basta ser um espadachim: também é preciso saber a quem ferir. E, muitas vezes, abster-se demonstra mais bravura, reservando-se para um inimigo mais digno.

53 — De que vale o ronronar de alguém que não sabe amar, como um gato?

54 — Para chegar a ser sábio, é preciso querer experimentar certas vivências. Mas isso é muito perigoso. Mais de um sábio foi devorado nessa tentativa.

55 — O cérebro verdadeiramente original não é o que enxerga algo novo antes de todo mundo, mas o que olha para coisas velhas e conhecidas, já vistas e revistas por todos, como se fossem novas. Quem descobre algo é normalmente este ser sem originalidade e sem cérebro chamado sorte.

56 — Quem não dispõe de dois terços do dia é um escravo.

57 — O melhor meio de ajudar pessoas muito confusas e deixá-las mais tranquilas é elogiá-las de forma veemente.

58 — O homem amadurece quando reencontra a seriedade que demonstrava em suas brincadeiras de criança.

59 — Ninguém é tão louco que não possa encontrar outro louco que o entenda.

60 — Na maior parte das vezes que não aceitamos uma opinião, isso acontece por causa do tom em que ela foi manifestada.

61 — Acredito que os animais veem o homem como um ser igual a eles que perdeu, de forma extraordinariamente perigosa, a sanidade intelectual animal. Ou seja: veem o homem como um animal irracional, um animal que sorri, que chora, um animal infeliz.

62 — Antes de se casar, pergunte a si mesmo: serei capaz de manter uma boa conversa com essa pessoa até a velhice? Todo o resto é passageiro num matrimônio.

63 — É muito difícil os homens entenderem sua ignorância no que diz respeito a eles mesmos.

64 — Pobre do pensador que não é o jardineiro, mas apenas o canteiro de suas plantas.

65 — Um poeta escreveu em sua porta: “Quem entrar aqui me honrará. Quem não entrar me proporcionará um prazer”.

66 — A verdade é que amamos a vida não porque estamos acostumados a ela, mas porque estamos acostumados com o amor.

67 — O homem é a causa criativa de tudo o que acontece.

68 — Seus maiores bens são seus sonhos.

69 — Quem não sabe dar nada não sabe sentir nada.

70 — As ilusões são certamente prazeres dispendiosos, mas a destruição delas é mais dispendiosa ainda.

71 — A essência de toda arte bela, de arte grandiosa, é a gratidão.

72 — Não é raro encontrar cópias de grandes homens. E, como acontece com os quadros, a maior parte das pessoas parece mais interessada nas cópias do que nos originais.

73 — Quem não teve um bom pai deve procurar um.

74 — Os poços mais profundos vivem suas experiências lentamente: esperam um bom tempo até saberem o que caiu em suas profundezas.

75 — Quando temos muitas coisas para guardar nele, o dia tem 100 bolsos.

76 — Uma alma delicada se sente mal quando sabe que receberá agradecimentos. Uma alma grosseira se sente mal quando sabe que precisa agradecer a alguém.

77 — Não se pode odiar enquanto se menospreza. Não se pode odiar mais intensamente um indivíduo desprezado do que um igual ou superior.

78 — Quantos homens sabem observar? E, desses poucos que sabem, quantos observam a si próprios? “Cada pessoa é o ser mais distante de si mesmo.”

79 — A guerra emburrece o vencedor e deixa o vencido rancoroso.

80 — Cada mestre não tem mais que um aluno e esse aluno lhe será infiel, pois está predestinado a ser mestre também.

81 — O mundo real é muito menor que o mundo da imaginação.

82 — Se você for magoado por um amigo, diga a ele: “Eu o perdoo pelo que me fez, mas como poderia perdoá-lo pelo que fez a si mesmo?”

83 — A esperança é muito mais estimulante que a sorte.

84 — O que não nos mata nos fortalece.

85 — Quem vê mal sempre vê pouco. Quem escuta mal sempre escuta demais.

86 — Toda vez que me elevo, sou perseguido por um cachorro chamado Ego.

87 — Todo idealismo perante a necessidade é um engano.

88 — Você tem o seu caminho. Eu tenho o meu. O caminho correto e único não existe.

89 — Toda convicção é uma prisão.

90 — Nossa vida nos parece muito mais bonita quando deixamos de compará-la com as dos outros.

91 — As pessoas esquecem de seus erros depois de confessá-los ao outro, mas o outro normalmente não se esquece.

92 — Eis a fórmula da felicidade: um sim, um não, uma linha reta, uma meta.

93 — A melhor maneira de começar o dia é se comprometer a fazer feliz ao menos uma pessoa antes de o sol se pôr.

94 — A simplicidade e a naturalidade são o objetivo supremo e último da cultura.

95 — A vida não é muito curta para que fiquemos entediados?

96 — Não atacamos apenas para machucar o outro, para vencê-lo, mas, algumas vezes, pelo simples desejo de adquirir consciência de nossa força.

97 — Nossas carências são os melhores professores, mas nunca mostramos gratidão diante dos bons mestres.

98 — Quem fica remoendo alguma coisa se comporta de maneira tão tola quanto o cachorro que morde a pedra.

99 — O amor não é consolo — é luz.

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