A amizade é tudo [Jeito Moleque & Thiaguinho]

OS MORTOS - JAMES JOYCE / PARTE 5 / DA LISTA DOS CEM MELHORES CONTOS DO MUNDO/REVISTA BRAVO 2009


         OS MORTOS - JAMES JOYCE
    Sabia que Mary Jane estava para terminar, pois tocava novamente a melodia inicial, com longos floreios entre os compassos e, enquanto esperava pelo fim, sentiu que o ressentimento deixava seu coração. A peça terminou com harpejo de oitavas agudas e uma fortíssima oitava final no grave. Estrondosos aplausos felicitaram Mary Jane que, envergonhada, enrolou nervosamente a partitura e fugiu da sala. Os aplausos mais vigorosos vinham dos rapazes que tinham se afastado da porta no início da peça e retornado quando o piano silenciara.
   Organizou-se nova dança. Gabriel encontrou-se ao lado de Molly Ivors, jovem loquaz e desembaraçada, de rosto sardento e olhos castanhos. Seu vestido não era decotado e o largo broche espetado no colo continha o emblema e a divisa irlandesa.
   Ao tomarem seus lugares, para a dança, ela afirmou inopinadamente:
    __ Tenho uma conta a ajustar com você.
    __ Comigo?
    Ela balançou a cabeça com ar grave.
   __ O que é? - perguntou Gabriel, sorrindo de seus modos solenes.
   __ Quem é G. C.? - indagou a jovem encarando-o de frente.
  Gabriel enrubesceu e ia franzir a testa corno se não tivesse compreendido, quando ela prosseguiu:
    __ Oh, meu ingênuo farsante! Descobri que você escreve para o Daily Express. Não se envergonha disso?
    __ Por que haveria de me envergonhar? - perguntou Gabriel, piscando os olhos e tentando sorrir.
      __ Bem. Estou envergonhada de você - disse ela com franqueza. __ Pensar que escreve para um jornal como esse. Não sabia que era anglófilo.
    Gabriel estava perplexo. Era verdade que escrevia a resenha literária semanal do Daily Express, recebendo para isso quinze xelins. Mas, por certo, isso não fazia dele um traidor. Os livros que recebia para comentar davam-lhe muito mais prazer que o ínfimo cheque. Gostava de sentir as capas e virar as páginas dos livros acabados de imprimir. Quase todo dia, após as aulas que dava no colégio, costumava visitar os vendedores de livros usados da zona do cais: o Hickey, em Barchelor's Walk; o Webb's ou o Massey no Aston's Quay; o O'Clohissey's, numa travessa. Não sabia como enfrentar aquele ataque. Queria dizer que a literatura estava acima da política, mas eram amigos há muitos e muitos anos e suas carreiras - primeiro na Universidade, depois como professores - tinham sido paralelas: não poderia arriscar uma frase grandiosa com ela. Continuou a piscar os olhos, esforçando-se em sorrir e murmurou desajeitadamente que não via nada de político no fato de escrever resenhas literárias.
    Ao chegar o momento de trocarem de par, Gabriel ainda estava confuso e distante. Ela apertou calidamente sua mão e sussurrou-lhe em tom suave e amistoso:
     __ Eu estava brincando. Vamos, é nossa vez.
    Quando tornaram a ficar juntos, Molly começou a falar sobre a questão da Universidade e Gabriel sentiu-se mais à vontade. Um amigo mostrara-lhe o artigo sobre Browning. Eis como o segredo fora descoberto. Mas apreciara muito o que ele escrevera. Depois, bruscamente perguntou:
     __ Não gostaria de participar de uma excursão às ilhas de Aran, no próximo verão, senhor Conroy? Vamos passar lá um mês inteiro. Será magnífico sentir-se em pleno Atlântico. Você deve ir. O senhor Cancy irá. O senhor Kilkelly e Kathleen Kearney também. Seria ótimo para Gretta, se ela também fosse. Ela é de Connacht, não?
     __ A família dela é - respondeu Gabriel secamente.
     __ Você virá, não? - insistiu Molly, pousando a mão tépida em seu braço.
      __ Acontece que combinei ir...
      __ Para onde?
    __ Bem, você sabe, todo ano faço uma viagem de bicicleta com alguns amigos e...
      __ Mas para onde? - repetiu Molly.
     __ Geralmente vamos à França ou à Bélgica... ou então à Alemanha - disse Gabriel embaraçado.
     __ E por que para a França ou para a Bélgica, em vez de visitar a nossa pátria?
     __ Bem, em parte para manter contato com as outras línguas, em parte para mudar de ambiente.
    __ E não precisa manter contato com sua própria língua, o irlandês?
      __ Bem, se o motivo é esse - respondeu Gabriel -, o irlandês não é a minha língua.
   Os pares mais próximos tinham se voltado para ouvir o interrogatório. Gabriel olhava preocupado para os lados, tentando conservar o bom humor sob aquela provação, que fazia o rubor invadir--lhe a testa.
     __ E não tem sua própria terra para visitar - prosseguiu Molly __ da qual não conhece nada? Seu próprio povo, seu próprio país? 
     __ Para ser franco - respondeu Gabriel - estou farto de meu país. Farto! 
      __ Por quê? 
      Gabriel não respondeu. A última frase deixara-o exaltado. 
     Chegara a vez deles fazerem "a visita" e como Gabriel permanecia em silêncio, Molly disse energicamente:
      __Claro. 
      Não tem resposta. 
     Gabriel procurou disfarçar sua agitação participando da dança com grande entusiasmo. Evitava o olhar de Molly, pois percebera uma expressão amarga em seu rosto. Mas quando suas fileiras tornaram a se encontrar, Gabriel, surpreso, sentiu que lhe apertavam firmemente a mão. Molly fitou-o zombeteiramente até fazê-lo sorrir. Ao reiniciarem os movimentos, ela ergueu-se na ponta dos pés e sussurrou: 
      __Inglês! 
    Quando a quadrilha terminou, Gabriel retirou-se para um canto afastado da sala, onde a mãe de Malins estava sentada. Era uma mulher gorda e doente, de cabelos brancos. Tinha voz rouca como a do filho e gaguejava ligeiramente. Haviam-lhe dito que Freddy chegara e que estava quase sóbrio, Gabriel perguntou-lhe se fizera boa travessia. Ela morava em Glasgow, com a filha casada e visitava Dublin uma vez por ano. Respondeu sossegadamente que fizera ótima viagem e que o capitão do barco fora muito gentil. Falou também da bela casa que a filha possuía e de todos os amigos que tinham em Glasgow. Enquanto ela tagarelava, Gabriel procurava banir da mente o incidente com a senhorita Ivors. A jovem, ou mulher, ou o que quer que fosse, era sem dúvida uma exaltada. Afinal, para tudo existe momento adequado. Talvez não devesse ter respondido daquela maneira. Mas não tinha direito de chamá-lo de inglês diante dos outros, nem mesmo brincando. Tentara ridicularizá-lo na presença de todo mundo, provocando-o e encarando-o com seus olhos de coelho. 
     Viu sua esposa aproximar-se por entre os pares que dançavam uma valsa. Quando o alcançou, ela murmurou ao seu ouvido: 
     __ Tia Kate quer saber se você vai trinchar o ganso como sempre. A senhorita Daly cortará o pernil e eu cuidarei do pudim.

OS MORTOS - JAMES JOYCE/ PARTE 4 / DA LISTA DOS CEM MELHORES CONTOS DO MUNDO /REVISTA BRAVO 2009


          OS MORTOS - JAMES JOYCE
    Seu rosto vermelho aproximara-se com excessiva intimidade e a voz descambara para o rude sotaque de Dublin, de forma que as moças, instintivamente, receberam em silêncio suas palavras. Senhorita Furlong, aluna de Mary Jane, perguntou à senhorita Daly qual o nome da linda valsa que ela tocara e Browne, vendo-se ignorado, voltou-se para os rapazes que se mostravam mais atenciosos.
    Uma jovem muito corada, de vestido lilás, entrou na sala batendo freneticamente as mãos e gritando:
     __ Quadrilha! Quadrilha!
    Logo atrás, apareceu tia Kate:
     __ Dois cavalheiros e três damas, Mary Jane!
    __ Oh! Aqui estão o senhor Bergin e o senhor Kerrigan - disse Mary Jane. __ Senhor Kerrigan, quer acompanhar a senhorita Power? Senhorita Furlong, posso arranjar-lhe um par? Senhor Bergin. Pronto, agora está completo.
     __ Três damas, Mary Jane - insistiu tia Kate.
    Os dois rapazes perguntaram às moças se podiam ter a honra e Mary Jane voltou-se para a senhorita Daly.
    __ Senhorita Daly! Você está sendo muito gentil. Depois de tocar duas valsas! Mas há tão poucas mulheres esta noite.
    __ Não estou cansada, senhorita Morkan. Não se preocupe.
    __ Mas tenho um par encantador para você. Senhor Bartell D'Arcy, o tenor. Mais tarde, eu o farei cantar para nós. Toda Dublin está delirando por ele.
    __ Uma voz maravilhosa, maravilhosa - disse tia Kate.
   O piano começara duas vezes o prelúdio para a primeira figura e Mary Jane apressou-se em levar os pares. Mal haviam saído e tia Júlia entrou preocupada na sala, olhando para trás.
    __ Que aconteceu? - perguntou tia Kate preocupada __ Quem está aí?
    Júlia, que carregava uma pilha de guardanapos, voltou-se para a irmã e disse, como se a pergunta a tivesse surpreendido:
      __ É Freddy Gabriel está com ele.
   Com efeito, logo atrás dela vinha Gabriel dirigindo Freddy Malins. Este último, um jovem de quase quarenta anos, da mesma altura e tamanho de Gabriel, tinha ombros bastante largos. Seu rosto era gordo e pálido, corado apenas nos lobos carnudos da orelha e nas largas narinas. Tinha feições grosseiras: nariz chato, testa curva e luzidia  lábios grossos e úmidos. Seu olhar pesado e os cabelos em desordem davam-lhe um ar sonolento. Ria alto e francamente da história que acabara de contar na escada a Gabriel, esfregando o olho esquerdo com o punho.
      __ Boa noite, Freddy - disse tia Kate.
    Freddy respondeu ao cumprimento de um modo que pareceu pouco cerimonioso devido sua crônica rouquidão e, vendo que Browne lhe arreganhava os dentes lá no canto, atravessou a sala com passos incertos e começou a repetir em voz baixa a história que contara a Gabriel.
      __ Ele não está muito ruim, está? - perguntou tia Kate.
   Gabriel tinha o semblante carregado, mas recompôs-se imediatamente e respondeu:
      __ Oh, não! Quase nem se nota.
     __ Ele não é mesmo terrível? - disse ela. __ Pensar que a mãe o fez jurar que não iria beber na passagem de ano. Venha, Gabriel. Vamos para o salão.
     Antes de deixar a sala em companhia de Gabriel, fez um sinal com o dedo para Browne, que balançou a cabeça em resposta e disse para Freddy, quando a viu sair:
     __ Agora, Freddy, vou preparar-lhe um bom copo de limonada, para reanimá-lo.
    Freddy, que chegava ao clímax da história, recusou o oferecimento com certa irritação. Browne, porém, distraindo-lhe a atenção para um desarranjo na roupa, encheu o copo de limonada e entregou-o a Freddy. Sua mão esquerda aceitou-o mecanicamente, enquanto a direita, também mecanicamente, ocupava-se em ajustar a roupa. Browne, cujo rosto mais uma vez se contraíra numa expressão divertida, preparou para si um copo de uísque, enquanto Freddy, antes mesmo de atingir o desfecho da história, explodia num acesso de riso e, colocando o copo de limonada, intacto e transbordante, sobre o bufê, começou a esfregar o olho esquerdo, repetindo a última frase, tanto quanto a tosse e o riso lhe permitiam.
      Gabriel não conseguia prestar atenção à peça clássica que Mary Jane executava, cheia de escalas e passagens difíceis  para a sala silenciosa. Gostava de música, mas a peça não tinha melodia para ele e duvidava que tivesse para os outros, embora todos houvessem implorado a Mary Jane que tocasse alguma coisa. Quatro rapazes, que ao som do piano tinham vindo do bufê até a porta, afastaram-se silenciosamente, dois de cada vez, após alguns minutos. As únicas que pareciam interessadas eram a própria Mary Jane, cujas mãos corriam pelo teclado ou erguiam-se dele num gesto de sacerdotisa em súbita imprecação, e tia Kate, sentada a seu lado para virar as páginas.
     Os olhos de Gabriel, feridos pelo reflexo do lustre no assoalho encerado, desviaram-se para a parede atrás do piano. Havia ali uma gravura da cena do balcão de Romeu e Julietae, ao lado dela, um quadro com os dois principezinhos assassinados na Torre, que tia Júlia bordara com lã vermelha, azul e marrom, em seu tempo de menina. Elas certamente haviam aprendido esse gênero de trabalho durante um ano inteiro, na escola que frequentaram. Sua mãe também bordara, como presente de aniversário pequenas cabeças de raposa, num colete de moire púrpura, forrado de cetim marrom e com botões em forma de amor. Era estranho que ela não tivesse talento para música, embora tia Kate costumasse chamá-la o cérebro da família Morkan. 
      Tanto Kate quanto Júlia haviam sempre deixado transparecer certo orgulho pela irmã grave e imponente. Havia um retrato dela diante do espelho do aparador. Estava com um livro aberto sobre os joelhos e mostrava alguma coisa a Constantine que, vestido à marinheira, sentara-se aos seus pés. Ela mesma escolhera os nomes dos filhos, pois era muito ciosa do decoro da vida familiar. Graças a ela, Constantine era hoje pároco de Balbriggan e Gabriel diplomara-se na Universidade Real. Uma sombra percorreu-lhe o rosto ao lembra-se da obstinada oposição que a mãe fizera ao seu casamento. Certas frases ferinas machucavam-no ainda na memória. Ela afirmara, certa vez, ser Gretta uma provinciana interesseira e isso não era verdade. Gretta é quem cuidara dela durante a longa e fatal enfermidade, em Monkstown.
( Tradução de Hamilton Trevisan )

PARA RIR / PIADAS DE LOUCO / CAIPIRA


PIADAS DE LOUCO
O psiquiatra incentiva o paciente:
— Pode me contar tudo desde o princípio.
— Pois bem, doutor: No princípio eu criei o céu e a terra...

***
Um louco pergunta a um colega:
— Qual é o seu nome?
— Sei lá, me esqueci. E o seu?
— Também esqueci!
— Puxa! Então somos xarás!

***
Num exame de rotina, o médico do hospício pergunta a um dos pacientes:
— E então, o que foi que você inventou dessa vez?
— Eu inventei um objeto que permite ver através das paredes.
— É mesmo?! E como se chama esse objeto?
— Janela.

***
O psiquiatra, ao cruzar o corredor do hospício, depara com um dos pacientes com a orelha colada na parede, e pergunta:
— O que está havendo?
— Pssiu! Escuta só!
Curioso, o médico encosta a orelha na parede, e após alguns segundos sentencia:
— Mas eu não estou ouvindo nada!
— Pois é! Já faz uma semana que está desse jeito!

***
O louco pergunta a outro:
— Você sabe que horas são?
— Sei.
— Muito obrigado!

***
O doido planejava fugir do hospício com um parceiro, e disse a ele:
— Vamos fugir de noite pelo buraco da fechadura.
De noite, os dois saíram de fininho e chegaram na porta. Mas o primeiro doido disse, decepcionado:
— Ih... pode desistir, não vai dar mais pra fugir.
— Por que?
— Esqueceram a chave na fechadura.

***
Desta vez o plano de fuga era pra pular o portão. Chegou a noite, mas na hora-H o doido disse:
— Ih... não vai dar pra pular o portão!
— Mas por quê?
— Esqueceram ele aberto.

***
Na aula de pintura, o já tradicional doido com mania de fujão pegou o pincel e pintou uma porta na parede. Depois, disse ao médico:
— Eh, eh! Olha só o que eu vou fazer!
E gritou:
— Ei, galera, vamos fugir! Tem uma porta aqui!
Os doidos iam correndo, trombavam na parede e se esborrachavam no chão. O médico estranhou a brincadeira, e perguntou:
— Por que eles estão fazendo isso?
— Doutor, olha como esses caras são burros. Não sabem que a chave está comigo.

***
O doido atendeu o telefone no hospício e ouviu:
— Alô, é do hospício?
— Não, aqui nem tem telefone.

***
O doido, sentado num banquinho, segurava uma vara de pescar mergulhada num balde de água. O médico passa e pergunta:
— O que você está pescando?
— Otários, doutor.
— Já pegou algum?
— O senhor é o quinto.

***
O hospício estava superlotado. Então os médicos resolveram fazer um teste pra ver quem já estava bom e poderia ter alta. Saíram gritando que o hospício estava inundando. Todos os doidos começaram a nadar no chão, mas um deles permaneceu sentado num banco, sorrindo. O médico imaginou que esse doido já estivesse bom, e perguntou:
— Por que você não está nadando?
— Eu vou esperar a lancha, que é mais rápido.

***
No hospício o doido estava sozinho, jogando paciência. Outro doido se aproximou e denunciou:
— Ei, você está roubando!
— Sim, mas não espalha.
— E você nunca descobre?
— Não, porque eu sou muito esperto.

***
O doido estava no hospício, escrevendo uma carta. O psiquiatra perguntou:
— Você está escrevendo para quem?
— Para mim mesmo.
— E o que diz a carta?
— Não sei, ainda não recebi!

***
Três loucos vão fazer o exame mensal, para ver se já podem receber alta. O médico pergunta ao primeiro deles:
— Quanto é 2+2?
— 72.
O doutor balança a cabeça, desanimado. Virando-se para o segundo, repete a pergunta:
— Quanto é 2+2?
— Terça-feira.
O médico repete a pergunta para o terceiro louco:
— Quanto é 2+2?
— É 4, doutor!
— Parabéns, você acertou! Como chegou a essa conclusão?
— Foi fácil! Me baseei nas respostas dos meus amigos: 72 menos terça-feira dá 4!

***
TRIIIMM.... TRIIIMM.........TRIIIMM.........
Responde a secretária eletrônica do hospício: Obrigado por ter ligado para o Instituto de Saúde Mental, a companhia mais certa para seus momentos de maior loucura.
• Se você é obsessivo-compulsivo, aperte repetidamente o número 1;
• Se você é co-dependente, peça a alguém que aperte o número 2 por você;
• Se você tem múltipla personalidade, aperte 3, 4, 5 e 6;
• Se você é paranóico, nós sabemos quem é você, o que você faz e o que quer. Espere na linha enquanto rastreamos sua chamada;
• Se você sofre de alucinações, aperte o 7 nesse telefone colorido gigante que só você vê à sua direita;
• Se você é esquizofrênico, escute cuidadosamente, e uma voz interior lhe indicará o número a pressionar;
• Se você é depressivo, não importa que número aperte: Nada vai tirá-lo de sua lamentável situação;
• Porém, se você vai votar no Lula, desligue e espere até 2007. Aqui só atendemos loucos, e não imbecis!

***
No consultório psiquiátrico:
— Doutor, vou lhe contar um segredo: Eu sou um galo!
O psiquiatra resolve aprofundar a anamnese:
— E desde quando o senhor acha que é um galo?
— Ah, desde que eu era um pintinho.

***

PIADAS DE CAIPIRA

O caipira está belo e folgado, pescando à beira de um rio, quando aparece um sujeito desesperado.
— Ei, amigo! O senhor não viu por aí uma mulher loira, de camisa azul e saia amarela?
— Ora, vi sim senhor! Passou aqui inda agorinha!
— Puxa, graças a Deus! Então ela não deve estar longe, né?
— Tá não! Principalmente hoje, que a correnteza tá fraquinha, fraquinha...

***
E perguntaram ao caipira:
— O que você faria, se ganhasse sozinho 50 milhões da Mega-sena?
— Eu ia pagar umas dívidas.
— Sim, mas e o resto?
— Ah! O resto que espere, uai!

***
O mineiro, observando o engenheiro com o teodolito.
— Dotô, pra que serve esse treco aí?
— É que vamos passar uma estrada por aqui. Estou fazendo as medições.
— E precisa desse negócio pra fazê a estrada?
— Sim, precisa! Vocês não usam isso pra fazer estradas?
— Ah não, homi. Aqui, quando a gente qué fazê uma estrada, a gente sorta um burro e vai seguindo ele. Por onde o bicho passá, é o mió caminho pra fazê a estrada.
— Ah, que interessante! E se vocês não tiverem o burro?
— Bem, daí a gente chama os engenhero.

***
O caipira entra na loja de ferragens e pede uma tomada.
— Você quer uma tomada macho ou fêmea?
— Sei não, seu moço. Eu queria uma tomada pra acender a luz, num é pra fazê criação!

***
O caipira foi a Brasília. Como lá não há esquina, resolveu atravessar uma daquelas avenidas monumentais. Veio um Porsche em alta velocidade, e quase atropelou o pobre coitado. Cem metros adiante, um deputado grita de dentro do carro:
— Caipira filho da mãe, não enxerga?!
O caipira, assustado por ter quase sido atropelado, ficou mais assustado ainda, pensando como o cara tinha adivinhado que ele era caipira. Teria sido pelas roupas? Assim, foi a uma das lojas mais caras de Brasília para se produzir. Comprou um terno Armani, óculos ray-ban legítimo, sapatos italianos, pulseira de ouro, um Rolex, e tudo o mais que pudesse lhe dar um status significativo. Sentiu-se, enfim, extremamente sofisticado. Voltou para o mesmo ponto e foi atravessar a rua, mas outro Porsche quase o atropelou. O carro pára a uns cem metros, e outro deputado grita:
— Paulista filho da mãe, até parece caipira!!

***
Dicionário mineirês-português

Ispía só qui trem engraçadimais! Prestenção...
PRESTENÇÃO – É quano eu tô falano iocê num tá ovino.
CADIQUÊ? – Assim, tentanu intendê o motivo.
CADIM – É quano eu num quero muito, só um poquim.
DEU – O mez qui “di mim”. Ex.: Larga deu, sô!
SÔ – Fim de quarqué frase. Qué exêmpro tamém? Óia: Cuidádaí, sô!
DÓ – O mez qui “pena”, “cumpaxão”: “Ai qui dó, gentch”.
NIMIM – O mez qui in eu. Exempro: Nóóó, cê vivi garrado nimim, trem! Larga deu, sô!
NÓÓÓ – Num tem nada qui vê cum laço pertado, não! O mez qui “nossa!”. Vem de Nóóó-sinhora!
PELEJANU – O mez qui tentanu: Tô pelejanu cuêsse diacho né di hoje!
MINERIM – Nativo duistadiminnss.
UAI – Uai é uai, sô! Uai!
ÉMÊZZZ?! – Minerim querêno cunfirmá.
NÉMÊZZZ?! – Minerim querêno sabê si ocê concorda.
OIAQUI – Minerim tentano chamá atenção prarguma coizz.
PÃO DI QUEJU – Iosscêis sabe! Cumida fundamentar qui disputa cum tutu a preferença dus minêro.
TUTU – Mistura de farinha di mandioca (ô di mio) cum fejão massadim. Bom dimais da conta, gentch!!..
TREIM – Qué dizê quarqué coizz qui um minerim quizé! Ex: “Já lavei us trem!”; “Qui trem bão!”.
NNN – Gerúndio du minerêis. Ex: “Eles tão brincannn”; “Cê tá innn, eu tô vinnn”.
PÓ PÔ – O mez qui pó colocá.
POQUIM – Só um poquim, pra num gastá muito.
JISGIFORA – Cidadi pertin du Ridijanero. Cunfunde a cabeça do minerim que pensa qui é carioca.
DEUSDE – Desde. Ex: “Eu sô magrelin deusde rapazin!”.
ISPÍA – Nome popular da revista VEJA.
ARREDA – Verbu na form imperativ (danu órdi), paricido cum sai. “Arredaí, sô!”.
IM – Diminutivo. Ex: lugarzim, piquininim, vistidim, etc.
DENDAPIA – Dentro da pia.
TRADAPORTA – Atrás da porta.
BADACAMA – Debaixo da cama.
PINCOMÉ – Pinga com mel.
ISCODIDENTE – Escova de dente.
PONDIÔNS – Ponto de ônibus.
SAPASSADO – Sábado passado.
VIDIPERFUME – Vidru de perfume.
ÓIPROCÊVÊ (ou OPCV) – Óia pra você vê.
TISSDAÍ – Tira ISS daí.
CAZOPÔ – Caixa de isopor.
ISTURDIA – Otru dia.
PRONOSTAÍNO? – Pra onde nós tamo indo?
CÊ SÁ SÊSSE ONS PASS NASSAVASS? – Você sabe se esse ônibus passa na Savassi?

***
Um mineiro comprou uma câmera digital e levou para seu sítio. Chegando lá, mostrou aquela novidade para todos. Nunca ninguém tinha visto algo igual, e ele propôs:
— Pessoar, todo mundo pra perto da cerca de arame farpado ali, que eu vou tirá uma foto.
Programou o temporizador e correu pra junto de todos. Quando os outros o viram correr, saíram correndo também, alguns se rasgando na cerca. Então ele pergunta:
— O que aconteceu, uai?!
E a tia responde, com as duas orelhas penduradas:
— Se ocê que conhece esse negócio ficou com medo, imagina nóis, que num conhece.

***
Um avião, cheio de deputados e senadores, caiu numa mata em Minas Gerais. Um mineirinho que viu a queda foi até o local e enterrou todo mundo. No dia seguinte, um helicóptero que procurava o avião desaparecido, ao ver os destroços, pousou.
— Onde estão as pessoas que estavam no avião?
— Uai, sô! Interrei tudo.
— Mas não podia, pois eram políticos importantes. E não tinha nenhum vivo?
— Óia! Inté discunfiei que tinha, e gritei: Tem arguém vivo aí? Uns déis levantô a mão.
— E onde eles estão?
— Uai! Interrei anssim mermo, pruque du jeito que político mente... Num creditei em ninhum deles.

***
Um empresário viajava pelo interior. Ao ver um peão tocando umas vacas, parou para lhe fazer algumas perguntas:
— Acha que você poderia me passar umas informações?
— Claro, sô!
— As vacas dão muito leite?
— Qual que o senhor quer saber: as maiáda ou as marrom?
— Pode ser as malhadas.
— Dá uns doze litro por dia.
— E as marrons?
— Também uns doze litro por dia.
O empresário pensou um pouco, e logo tornou a perguntar:
— Elas comem o quê?
— Qual? As maiáda ou as marrom?
— Sei lá, pode ser as marrons!
— As marrom come pasto e sal.
— Hum! E as malhadas?
— Também come pasto e sal!
O empresário, sem conseguir esconder a irritação:
— Escuta aqui, meu amigo! Por que toda vez que eu pergunto alguma coisa sobre as vacas, você me pergunta se quero saber das malhadas ou das marrons, sendo que é tudo a mesma resposta?
— É que as maiáda é minha!
— E as marrons?
— Também!

***
Humildade mineira

Três paulistas, querendo contar vantagem pro mineirim:
1º paulista: Eu tenho muito dinheiro... Vou comprar a Belgo Mineira.
2º paulista: Eu sou muito rico... Comprarei a Fiat Automóveis.
3º paulista: Eu sou um magnata... Vou comprar a Usiminas.
E os três ficaram esperando o que o mineiro ia falar. O mineirim deu uma pitada no cigarro de palha, engoliu a saliva, fez uma pausa e disse:
— NUM VENDO!
E pronto, uai!!


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Postado por LEON BEAUGESTE

OS MORTOS - JAMES JOYCE - PARTE 3 / DA LISTA DOS CEM MELHORES CONTOS DO MUNDO / REVISTA BRAVO - 2009

         OS MORTOS - JAMES JOYCE / PARTE 3

     __ Galochas! - exclamou Gretta - É a última moda. Sempre que o chão estiver úmido tenho de calçar galochas. Queria que eu as pusesse esta noite! Mas isso ele não conseguiria. Logo vai me comprar um escafandro...
     Gabriel sorriu contrafeito e alisou a gravata para reassegurar-se, enquanto tia Kate quase se dobrava ao meio de tanto rir. Mas tia Júlia logo ficou séria e seus olhos tristonhos voltaram-se para o rosto do sobrinho.
      __ Que são galochas, Gabriel? - perguntou ela.
      __ Galochas! - exclamou a irmã. __ Meu Deus, não sabe o que são galochas? É para calçar sobre... sobre os sapatos, não é, Gretta?
    __ Isso mesmo, tia Kate. Uma espécie de guta-percha. Por enquanto temos dois pares. Gabriel diz que todo mundo está usando no Continente.
      __ Oh, no Continente - murmurou tia Júlia, meneando a cabeça.
    Gabriel enrugou a testa e disse, como se estivesse um pouco agastado:
      __ Não é nada de extraordinário. 
    Gretta acha engraçado porque a palavra a faz lembrar-se dos bufões.
     __ Diga-me, Gabriel - interveio tia Kate com muito tato. __ Por certo já arranjou acomodação. Gretta estava dizendo...
     __ Tudo está arrumado - respondeu Gabriel. - Reservei um quarto no Gresham.
     __ Ótimo. É o melhor que podia fazer. E as crianças? Gretta não fica preocupada?
     __ Ora, tia Kate - disse Gretta -, só por uma noite!
     Além disso Bessie cuidará delas.
     __ Ótimo - repetia tia Kate. - É um sossego a gente ter uma moça como ela em quem se pode confiar! Lily, por exemplo, não sei o que está acontecendo com ela. Não é a mesma menina de antes.
    Gabriel ia arriscar algumas perguntas a esse respeito, mas tia Kate calara-se repentinamente para olhar a irmã que descera alguns degraus na escada e curvava-se na balaustrada.
      __ Mas onde é que Júlia vai? Exclamou, em tom quase irritado. __ Júlia! Júlia! Onde é que você vai?
    Júlia que descera quase um lance de escada, retornou e anunciou calmamente:
       __ Freddy chegou. 
    Nesse momento, o rumor de aplausos e o floreio final do pianista anunciaram que a valsa terminara. A porta do salão abriu-se e alguns pares saíram.
      Tia Kate puxou apressadamente Gabriel para o lado e murmurou-lhe ao ouvido:
       __ Por favor, corra lá embaixo e veja se Freddy está bem. Não o deixe subir se estiver embriagado. Tenho certeza de que está bêbado, tenho certeza.
    Gabriel aproximou-se da escada e ficou escutando. Duas conversavam na saleta. Reconheceu então a risada de Freddy Malins. Desceu a escada ruidosamente.
      __ É um alívio tê-lo conosco - disse tia Kate à senhora Conroy. __ Sinto-me sempre mais tranquila quando Gabriel está aqui... Júlia, a senhorita Daly e a senhorita Power gostariam de tomar um refresco. Obrigada pela linda valsa, senhorita Daly. A execução foi maravilhosa.
     Um homem alto e moreno, de rosto enrugado, bigode rijo e grisalho, que passava por ali com seu par, perguntou:
      __ E nós, senhorita Morkan, podemos também nos refrescar?
     __ Júlia - disse Kate prontamente -, leve também o senhor Browne e a senhorita Furlong.
      __ Sou o servo dessas damas - disse Browne, sorrindo com todas as rugas, até eriçar os pelos do bigode. __ Sabe por que elas gostam tanto de mim, senhorita Morkan...
     Não terminou a frase. Vendo que tia Kate estava longe demais para ouvi-lo, conduziu as três jovens para a sala dos fundos. O meio da sala estava ocupado por duas mesas unidas, sobre as quais tia Júlia e o zelador estendiam uma larga toalha. No guarda-louças empilhavam-se pratos, travessas, copos e talheres. O piano quadrado servia de prateleira para os doces e salgados. No canto, em pé junto a um pequeno bufê, dois rapazes tomavam refrescos.
      Browne dirigiu para lá o seu séquito e convidou-as a beberem um ponche, especial para senhoras, quente, forte e açucarado. Como responderam que não tomavam nada forte, abriu três garrafas de limonada. Pediu então a um dos rapazes que se afastasse e, apanhando a garrafa de uísque, despejou uma dose reforçada. Os rapazes olhavam--no com respeito, enquanto ele provava a bebida.
      __ Que Deus me proteja - comentou sorrindo. __ São ordens do médico.
     Seu rosto encarquilhado abriu-se num sorriso mais amplo e as três jovens responderam ao gracejo com um riso musical, sacudindo nervosamente os ombros e balançando o corpo para a frente e para trás. A mais arrojada disse-lhe:
    __ Ora, senhor Browne, estou certa de que o médico nunca lhe receitou tal coisa.
     Browne tomou outro gole e respondeu com desajeitada mímica:
    __ Bem, você sabe. Sou como a famosa Madame Cassidy, que afirmam ter dito o seguinte: Por favor, Mary Grimes, se eu não tomar, faça-me tomar, pois sinto que quero tomar.

(Tradução de Hamilton Trevisan)

CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES / ÚLTIMA PARTE

CASA DE MULHERES - ÚLTIMA PARTE

    O Pastor, já visivelmente embriagado, acercou-se de Matildes, cravando suas grandes mãos nos braços dela, quase a imobilizando. Ela se voltou e deparou com o paredão na sua frente. Quis sair das garras, mas os dedos fortes a apertavam como se ela fosse minhoca.
     __ Então, o que pensa que é? Por acaso, é mais do que as outras? Chegou há pouco e já quer sentar na janela do ônibus?
    Saía da boca do Pastor um bafo azedo, como se em seu estômago tivesse rebentado uma dúzia de ovos chocos.
     __ Me largue! Ou chamo Madame Teresa...
     __ Pode chamar. Duvido que ela faça alguma coisa.
     __ Me largue, Satanás!
     __ Tem o rei na barriga, sua puta!
     Ouviu-se a voz de Madame Teresa às suas costas.
     __ O que está havendo, Pastor?
     __ Quero essa mulher hoje. Ela sentirá o peso do meu bastão. Mas ela se faz de folgada. Está escolhendo galo!
    __ Largue a menina. Ela está com outro neste momento. Pegue outra. Veja, aquelas sentadas no divã.
    __ Que se dane! Eu quero esta - e não largava os braços de Matildes. -- Essas mulheres estão aqui para o que der e vier.
    __ Calma, Pastor, eu já disse, ela está acompanhada. Escolha outra. Se quer encrenca, terá encrenca.
      A voz de um desconhecido ecoou firme junto aos três.
     __ Deixe a mulher em paz. Madame Teresa já disse o que tinha que dizer. Por acaso, é surdo?
   Voltaram-se. Doca se colocou na frente, mirando frontalmente a cara quadrada do pastor. Mediram-se as forças. Depois do Pastor analisar o corpo de Doca, os braços retesados de nervos, largou os braços de Matildes. Onde colocara os dedos grandes e grossos, ficaram as marcas vermelhas.
    __ Espero não encontrá-lo por aí - soletrou o Pastor, sem tirar os olhos avermelhados de Doca, depois se retirando vagarosamente, como se fizesse uma enorme força.
    __ Não me escondo de nada - arrematou Doca, também o mirando e assistindo  sua retirada lentamente.
    __ Bebe como um cavalo e quer respeito! - vociferou Madame Teresa, aliviada, dando o incidente por encerrado. - Preciso cuidar desses marmanjos como se fossem meninos...
     Neste instante, porém, Matildes agarrou uma garrafa de cerveja e, sem ninguém esperar, agrediu a cabeça quadrada do Pastor, que bambeou e tombou no assoalho rústico como um saco de areia, no meio de estilhaços de vidro. Todos quedaram assustados.
     __ Sua louca! - berrou Madame Teresa. - O que tem nessa cabeça? Por acaso, esterco de porco?!
     Doca a segurou e, com força, a arrastou porta fora, para respirar a brisa da noite morna. Pontilhavam as estrelas no céu. Alguns homens bêbados mijavam por detrás das árvores; outros, sem escrúpulos, vomitavam. Uma cachorra no cio era perseguida por vários vira-latas.
       O Pastor, esborrachado no assoalho, tentava levantar-se, mas se sentia zonzo, e a pequena multidão ao redor não o deixava respirar direito. Passou a grande mão na cabeça e o sangue escorregou por seus dedos grossos e grandes. O que tinha acontecido?
     __ Vamos, seus molengas, ajudem o homem a se levantar! - ordenou Madame Teresa, aflita. - E tragam ele na outra sala. O que estão esperando?
      Dois garimpeiros levantaram o Pastor do chão. Pesava como porco gordo. Aos poucos, conseguiram depositá-lo num banco de madeira na outra sala, onde Madame Teresa, já um pedaço de pano nas mãos, começou a enxugar o sangue que escorria pelo cabelo e salpicava a testa larga com alguns filetes ziguezagueando.
     __ Joselito! Joselito! Coloque música pra animar a moçada! Afinal, ninguém está num velório...
       O bolero invadiu o ar empestado:
Hoje eu te vi
Toda marcada pela vida.
Triste, abatida
Caminhando devagar.
      Os casais dançavam ao compasso e descompasso com movimentos de animais de duas cabeças. Lábios polpudos e cansados beijavam com a língua como se grudassem selos. Os homens se deliciavam com o peso dos seios mornos e dos ventres arredondados.
    De repente, quando tudo era lascívia e despudor, o grito de mulher carregado de horror:
     __ Socooorrroooooo!!! Ai, meu Deus!.... Meus ovários.... Aí, ele me esfaqueou!!! Socoooorrroooooooo!!!!!, pelo amoooorrrr de Deeeeuuussss.....
    Girava no salão como galinha degolada, segurando intestinos e ovários, enquanto o sangue jorrava misturado com fezes.
     Homens e mulheres corriam para ver. A mulher caíra de joelhos e se sacudia como galinha degolada abruptamente, revirando os olhos e deixando o branco dos glóbulos aparecer como bolas de gude. Estampara-se o medo nas faces, com a língua de fora, gritando, gritando, tanto era a dor. A dentadura postiça saltou da boca e rolou pelo assoalho. Os espectadores ficaram confusos: não sabiam se riam ou se recolhiam a dentadura. Os mais bêbados não aguentaram e riam abertamente, bocas abrindo como sanfonas.
     Madame Teresa abandonou o Pastor e veio correndo, desesperada, feito galinha choca atrás de pintinhos.
     __ Mas que desgraça é essa?!
     Ninguém sabia. Só diziam:
     __ Ela está esfaqueada! Olha a barrigada de fora!
   __ Quem fez isso? Logo na minha casa! Tão distinta, tão ordeira... Ai, que o diabo está solto nesta noite sem fim...
      O agressor já não se encontrava por ali. Alguém ouvira passos largos pela porta da frente e uma correria na rua estreita e tortuosa. Já ganhara a rua em poucos minutos, deixando para trás a confusão.
       __ Socoorroooo.... Meus.... Deus.....
    A voz morria aos poucos e os olhos reviravam, deixando o branco dos glóbulos à mostra, igual a certos cegos.
        __ Me ajudem, seus canalhas! O que estão esperando?
      Madame Teresa agarrou-a por trás, debaixo dos braços, quando ela acabava de dar o último sinal de vida, com a ajuda de dois homens, que a seguraram pelas pernas, um agarrado em cada perna gorda e cheia de varizes, e a arrastaram para os fundos, num quartinho de tábuas sem mata juntas  onde havia uma pilha de sacos de carvão. O corpo se ajeitou entre pedaços de madeira e sacos de carvão como se fizesse parte do mesmo universo.
       __ Bela porcaria! Como os homens são bestas! Sentir ciúmes por uma mal-acabada assim...
     Madame Teresa, suando, quando voltou à sala e viu o ar de velório e o diz-que-diz desenfreado, berrou a todo pulmão:
     __ Mas que diabos! Quem mandou parar a música?! Isto aqui não é velório! Não houve nada, tudo está resolvido...
      Entretanto, todos olhavam-na assustados.
      __ Joselito, oh Joselito! Por que parou a música?
     Trêmulo, sem balançar o quadril, Joselito foi até o aparelho de som e colocou a música que estava à disposição, sem escolha alguma, que todas as músicas ali falavam de amores perdidos e traições.
     Aos poucos, homens e mulheres dançavam e se apertavam, e lábios carnudos e sensuais, cheirando a álcool e a cigarro barato, voltavam a se grudar. Os bêbados já não viam mais nada. A empregada - gorda e balofa -, com uma vassoura e panos molhados, enxugava o assoalho, limpando as manchas de sangue e respingos de fezes.
     Quando Madame Teresa pressentiu que a situação desastrosa estava sob controle, foi apressadamente ao encontro do Pastor, que se havia postado na frente da mesa de madeira, no quarto dos fundos, com a testa manchada de sangue quase seco, recitando texto da bíblia:
    __ “Quão fraco é o teu coração, diz o Senhor Deus, fazendo tu todas estas coisas, só própria de meretriz descarada. Edificando tu o teu prostíbulo de culto à entrada de cada rua e os teus elevados altares em cada praça, não foste sequer como a meretriz, pois desprezaste a paga....”
     A voz era pastosa e o tom era acusativo, tanto que ele esticava a mão direita, na direção de um público imaginário, condenando. Ao ver Madame Teresa, arriou o braço e se sentou.
     __ Por que não me trazem uísque? Eu já pedi, já implorei, clamei pelo Senhor, e ninguém me atende. Eu quero mais um uísque, é desse remédio que eu preciso. De tanto carregar os pecados dos fiéis, me acho cansado...
    __ Ora, seu pilantra! Primeiro, me pague! Se não pagar, sairá daqui, hoje, deveras esfolado vivo.
   __ Eu pago, eu pago, veja, tenho muito dinheiro - e, com dificuldade, tirou do bolso o maço de cédulas. - Sou rico, não vivo de esmola. Quero mais uísque, minha boca está seca!
     __ Primeiro, a grana.
    __ Jamais! - voltou a colocar o maço no bolso, mostrando certa lentidão e embaraço.
     __ Está bem, mais um só e a grana!
   Madame Teresa saiu para buscar a bebida. Quando voltou, ele voltara a declamar o texto bíblico:
    __ “... foste como a mulher adúltera, que, em lugar de seu marido, recebe os estranhos. A todas as meretrizes se dá a paga, mas tu dás presentes a todos os teus amantes; e o que fazes para que venham a ti de todas as partes adulterar contigo.”
     Parou a fala tortuosa. Rapidamente se apropriou do uísque e bebeu sofregamente.
       __ Isto que é vida! Mais um. Ainda estou com sede.
      __ Chega! Quero o dinheiro. Não me aporrinhe. A conta de ontem e a de hoje. Aqui não é casa de caridade!
     __ Rá-rá-rááá! Casa de caridade, esta é boa - quando ria, babava no canto esquerdo da boca. __ Sabe de uma coisa, Madame: eu quero aquela mulher! Do contrário, nunca verá a cor da grana. Entendeu? Ou quer que eu repita mais alto? E trate de me trazer um litro de uísque. Você está colocando água no copo. Está aguado igual mijo de cavalo. Rá-rá-rááá! Casa de caridade!
     __ Seu porco! Está babando como se tivesse aftosa!
     __ E daíííí? Sou baboso, sou gooossstoooso!
     __ Descarado e imundo!
   __ Venha aqui, sua meretriz velha! Veja como sou gooossstooooso... Exprimeeentaaa meu cajaaadooooo!
    Madame Teresa resolveu atendê-lo. Um litro de uísque, por que não? O cliente manda. Bêbado, ela sacaria o maço de cédulas do bolso. E tudo ficaria elas por elas. Ao retornar ao salão, Joselito veio dizer-lhe que Matildes não retornara. Fez que não ouviu. Já tinha muitos problemas para uma noite.
    __ Aquela bestalhona! - enfezou-se ao lembrar da morta socada no meio dos sacos de carvão. __ Mais despesas! Mais despesas!
    De manhã, rapidamente, enrolaria o cadáver numa rede e pedira ao coveiro para levá-la, sem preces, sem compaixão, enquanto as garotas dormiam.
    Ao voltar, novamente o Pastor recitava passagens bíblicas com a voz pastosa, de pé na ponta da mesa.
     __ “Contigo, nas tuas prostituições, sucede o contrário do que se dá com outras mulheres, pois não te procuram para prostituição, porque, dando tu a paga e a ti não sendo dada, fazes o contrário...”
     __ Pare com essas ofensas. Está aqui o litro. Beba à vontade.
     __ Ahhhh, booooaaa meninaaaa...
    Sentou-se do outro lado da mesa e esperou que ele tomasse a metade do litro. Dizia besteiras e declamava textos sagrados. De repente, tombou a cabeçorra quadrada sobre a mesa, dormindo. Ela se aproximou por trás e, afoitamente, enfiou a mão no bolso de suas calças. Ele se mexeu, acordando por uns segundos, fez menção de tirar rispidamente a sua mão do bolso, mas, em seguida, voltou a dormir. Madame Teresa sacou o maço de cédulas. Pegou a maior parte, muito mais do que ele devia, devolvendo no bolso algumas cédulas.
      Dirigiu-se ao salão. Àquelas horas, havia poucos clientes.
      __ Joselito, chame dois garimpeiros conhecidos.
     Carregaram o corpão mole do Pastor porta afora e o depositaram na rua tortuosa. Acordou com sol alto, de borco, quando cachorros o cheiravam. Pouco se lembrava do que tinha acontecido. Estranhou o corte no couro cabeludo e o cheiro de sangue ressecado.







CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES / PARTE 4

            CASA DE MULHERES  - DAVID GONÇALVES / PARTE 4

      Olhou demoradamente ao redor.
      __ Aquela lá! - apontou com as mãos grandes como se condenasse alguém no meio do público.
     __ Aquela não! Não é de fazer essas coisas. Ela tem dono. Ache outra. Logo aquela... A Matildes não é flor que se cheire, vou avisando...
     __ Aqui ninguém é de ninguém. Eu quero aquela, está acabado. Eu escolho, eu estou pagando.
   Sem esperanças, ela deu o recado a Matildes, que olhou rispidamente a imensa figura do pastor. Que sujeito estúpido! Ele podia enganar muita gente, mas ela jamais. Que fosse àquele lugar! Mastigou milho no cocho e disse: “Não caí abaixo do chão. Só depois de morta!”
      O Pastor se enfureceu. Ele domava as almas. Não seria uma puta daquela que borraria seu poder. Ordenou que fosse novamente falar com ela. Não era de desistir ao primeiro toque de guerra.
     Novamente Matildes o mandou para os quintos do inferno. Que fosse cuidar de sua alma, mais suja do que pau de galinheiro. Ela não era objeto. Que enfiasse as rezas sem valia alguma naquele lugar.
      O Pastor bebia mais uma dose de uísque e se embrabecia. Estava vermelho, grossas veias no pescoço e sobre a testa quadrada. Uma puta sem eira e nem beira fazendo desfeita de seu grande poder. Procurou Madame Teresa e não a encontrou. Não deixaria a desfeita evaporar no ar esfumaçado. Aquela putinha precisava de uma boa e severa lição.
     Quando Doca se embarafustou no recinto, já havia boa clientela. O comprador de pepitas, ardente e barrigudo, já se achava planando, rindo alto e beliscando as nádegas das mulheres. Ria, sacudindo a grande barriga arredondando-lhe a caixa torácica. O vendedor de fazenda e armarinhos abraçava a mulher baixa e gorda como se medisse fazenda a metro. Os donos das minas bebericavam, a cada momento tocando disfarçadamente a corrente do relógio, os anéis e a carteira. O farmacêutico prático, o “doutor” que mal sabia ler, conservava-se quieto e taciturno, curvado e sem graça com as mulheres.
      Ah, e os garimpeiros... Esses, sim, bebiam e farreavam, mas não podiam gastar com as mulheres, porque já deviam no armazém, na farmácia, aos amigos, e amassavam nos bolsos umas notas de pouco valor, separadas e reservadas para a diversão noturna, para dois ou três litros de cachaça. Bem, quem não tem cão, caça com gato. Todos são filhos de Deus e merecem dançar, rir, sonhar com lindas garotas, porque sempre há o outro dia, e garimpar é serviço para homem marrudo, taludo, que tem a febre do ouro nos olhos.
     À meia-noite, a casa ardia febrilmente. Atiçados por uma música pejada de paixões e traições, homens sem rumo, mulheres desatinadas, todos queimando na fogueira das paixões, homens e mulheres estavam agarrados e queimavam a boca, com beijos molhados, fedendo a álcool e a cigarros baratos.
   Joselito se desdobrava de um lado a outro, requebrando, recebendo propostas indecorosas de garimpeiros ousados.
     __ Depois, eu te espero no meu barraco! - diziam os homens já domados pelo álcool e pelo ar empestado.
   Ele requebrava mais e mais, e mais, como uma cobra no meio do areial ao sol quente do meio-dia.
     __ Só por dinheiro! - respondia, mostrando sensualmente a língua nos cantos da boca úmida pintada de batom.
      __ Ora se vou pagar por uma bicha! Essa é boa! Pago por uma boa mulher, mas por um travesti... Jamais!
      Joselito ficava enfurecido.
     __ Pois, então, tire o cavalo da chuva. Eu sei me valorizar. Não estou pedindo esmola! Vá procurar seu homem, babaca!
   Os outros garimpeiros riam. Joselito requebrava mais ainda, mostrando molejo nos quadris.
     __ Isto que é viver! - dizia um velho garimpeiro com os cotovelos em cima da mesa, olhos miúdos e rápidos, pés inquietos, doidos por uma dança com uma mulher daquelas. - É o que se leva dessa vida!
    Na testa magra um feixe de veias saltavam afogueadas. Com certeza, lembrava do tempo de moço, quando tinha força e possuía boas mulheres. Estava ansioso por deitar-se com uma delas. Mas não tinha dinheiro. Chegara à velhice só com a sombra e ela era torta.
      Entusiasmado, saltitante, perguntava a um garimpeiro:
      __ Será que posso ir com aquela ali?...
    __ Mas, meu velho, todas que estão neste terreiro estão para isso... Ou espera por uma santa?
    __ Aquela lá, que está perto do balcão?... É bonita... Gosto demais do jeito dela. Ela me traz boas lembranças...
     __ Não se vexe. Vá firme. Ela também é da noite. Está esperando por um convite. Aproveite que ela está folgando neste momento.
     __ Mas...
   Uma morena encorpada atravessou o salão. Jogava os cabelos compridos e encaracolados de lado, sensualmente.
     __ E com essa aí, também?
     __ Olha, tem tantas... Qual delas?
     __ A morena que vai...
     __ Também, ora essa. Todas aqui são para bom uso e aproveito.
     __ Qual é o nome dela?
     __ Por que quer saber o nome?...
     __ Bem, fica mais fácil começar uma conversa...
    __ Caramba! Essas mulheres não estão interessadas em conversa, mas em ouro, meu velho. Pepitas de ouro, entendeu?
     O velhote estava intimidado.
    __ Mas... sabe, o nome ajuda. Sexo por sexo, eu não consigo. Preciso de regar tudo com boa conversa...
     __ Está certo. Ela se chama Matildes.
     __ Ah, nome bonito...

PARTE 3 / CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES

           
CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES
    Botou a mão no bolso e sacou um maço grande de notas, mostrando às mulheres, que se sentiram atiçadas.
    __ Assim que se fala, meu príncipe -- disse Adelaide, esfregando o corpo nas pernas grandes e arqueadas do pastor.
   Naquele começo de noite, os primeiros clientes iam chegando. Alguns passavam as primeiras horas se entretendo com as mulheres em conversas pegajosas, com beijocas e aperreações. Bebiam pouco, mostravam-se cautelosos. Quase sempre grosseiros e confiados. Garimpeiros eram grosseiros. Não podiam ser como Joselito, uma moça de fino trato. Quando gastavam pouco, como se tivessem fechaduras nos bolsos, Madame Teresa sentia vontade de esganá-los. Detestava homens abusados e muxecas. Queria quebrar a cara deles para não aborrecer as suas meninas. Quando uma delas se enrabichava por homens assim, ela se enfurecia:
    __ Não seja besta, mulher. Quem se apaixona, é trouxa. Estamos neste negócio por dinheiro. Não é por destino, nem por amor. Dinheiro dá poder. Se você não tem, ninguém te olha e nem te respeita. Sou muito bem tratada porque tenho dinheiro. Prefiro dinheiro a amor. Acabou o dinheiro, acabou o amor. Estamos neste barco só pelo prazer ao dinheiro. Sabe de uma coisa, sua boba: não existe outro prazer.
    __ Mas, Madame, você nunca se apaixonou? Sou de carne e osso, trepo com todo mundo, mas quero meu homem.
    __ Conversa fiada! Claro que me apaixonei. Quando nova. Conheci um homem que tinha muito nome na minha cidadezinha. Ele largou a mulher e filhos pra me assumir. Foi um boboca. Aquilo não era pra mim. Eu até que tentei. Aguentei o rojão por dez anos, mas nunca deixei de trabalhar na boate. Queria que eu largasse tudo. Não larguei. Nunca gostei de ser sustentada por homem nenhum na vida. Eu prezo a liberdade. Quando o amor dele naufragou, eu saí só com a roupa do corpo. Fui honesta. Ele tinha me dado as coisas por amor. Quando acabou, eu saí só com a roupa do corpo. Larguei tudo que tinha. Uma casa grande e linda, o sonho de qualquer mulher. Saí fora e fui cuidar da minha vida. Mas respeitei ele até o final. Detesto gente safada.
     __ Parece até um conto de fada...
    __ Ah, na época sim. Mas não fui criada pra ser madame. A gente viajava, fazia compras e toda semana eu ia no cabeleireiro. Uma mulher pode ser feia, mas qualquer mulher enfeitada fica bonita. Até poderia ter durado mais. Mas o imbecil... Peguei ele na nossa cama na cama da fazenda com uma menina de quinze anos. Filho de uma mãe! Disse que ia na fazenda pagar a peãozada e colher tangerinas. Por azar, eu precisei ir até lá pra dar uma notícia e quando cheguei os dois estavam no banho, aos abraços e beijos. Não fiz nada. Pra que, afinal? Dei as costas e saí de mansinho. Larguei tudo e disse pra ele: não se meta com a minha boate. Se fizer isso, juro por meus olhos, eu coloco fogo em tudo.Que homem imbecil. Ora, colher tangerinas! Ele foi colher duas tangerinas novas, isso sim!
Depois de contar tudo isso, passeava os olhos pela sala, poltrona por poltrona, elevava a voz como se tivesse um ataque de fúria:
    __ Então, sua idiota, não se apaixone por homem algum! Apaixone por dinheiro, o vil metal. É por isso que estamos neste barco, entendeu?! 
    O Pastor já estava na terceira dose de uísque. Estava falante. As mulheres miravam o seu bolso esquerdo, onde guardara o maço de dinheiro. Desejavam, de alguma forma, saqueá-lo. Sua conversa enojava, mas o maço de cédulas que mostrara as atraía. Madame Teresa andava de um lado a outro naquele começo de noite. Aos poucos, a casa ia recebendo a clientela. Os risos e as cantadas não passavam de breves cochichos.
   __ A sexta-feira promete - pensou Madame Teresa, sem perder de vista o famigerado Pastor. 
   Assim era o garimpo. Os finais de semana sempre rendiam bom dinheiro. Os garimpeiros recebiam de seus patrões e se dirigiam aos bares. Ufa, que ninguém era de ferro. Estavam moídos, precisavam de algum tipo de diversão. Depois do sol escaldante, na pá e na picareta, bateando, ou carregando sacos de cascalho, eles se sentiam merecedores de pequenas gratificações.
    Rapazes inexperientes vinham nas primeiras horas da noite. Eram tímidos, entravam tremendo, quase sem poder falar. O garimpo precisava de braços fortes. Do Norte, do Nordeste e alguns do Sul -- eles vinham em levas, todos atraídos pelo desejo de fazer fortuna rápida.
     Então, Madame Teresa ordenava que as mulheres mais experientes os atendessem. Do contrário, não se sentiam bem enquanto não se achassem de novo na rua. Estranhavam o ar cheio de fumaça e o cheiro azedo das bebidas. Saíam do bordel com gosto de minhoca na boca. Não estavam acostumados com o ar pesado daquela casa cheia de pecados. Quando pisavam a rua, sorviam o ar como um boi abocanhando capim fresco. Por isso, ela ficava atenta aos rapazes. Eram bobocas. Não conheciam ainda os caminhos dos prazeres. Alguns se enrabichavam facilmente, queriam tirar a mulher daquele lugar, faziam promessas doces.
     __ Hoje, não me contento com uma. Quero duas! -- dizia o pastor, já na quarta dose de uísque. -- Miséria pouca é bobagem.
    __ Ah, meu bom Pastor, eu dou conta do recado. Por que deseja mais areia do que pode carregar em seu caminhão?
    __ Vá lá, benzinho! Tem dias que a gente precisa de mais, sem querer ofendê-la, é claro.
     __ Mas vou cobrar dobrado, já vou avisando. Não sou qualquer uma. Eu quero mais!
     __ Seja feita a vossa vontade, princesa. Não sou miserável. Quero duas mulheres. Trate de arranjar outra. Tem dias que a gente se sente dono do mundo, todo-poderoso, feito o Criador.
    __ Espere um pouco. Vou falar com as outras. Mas não vá se arrepender, porque te degolo. Quero o meu dinheiro.
    __ Está certo, princesa, está certo. Deixa eu escolher, então. Você pode me trazer um bagulho. Estou cheio de rampeiras com varizes estuporadas. Quero pernas lindas, sem varizes.





PARTE 2 / CASA DE MULHERES - DAVID GONÇAVES


         CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES /  PARTE 2
    Por que estavam ali no garimpo? Todas respondiam. Por dinheiro. Cultivavam a esperança de se enriquecer. Chegavam a sonhar com pepitas enormes. Enquanto esperavam pelos homens ávidos, ficavam ali na sala com olhos de reses, fechadas num curral apertado. Postavam-se diante dos espelhos, mas não se viam. Umas dormiam para passar o tempo, outras divagavam contando as manchas negras nas paredes. Alhures, ouvia-se um comentário evasivo:
    __ Que mormaço... Preciso de alguma bebida, sou capaz de dormir em pé... Arre, que vida...
   __ Não reclamem! - corrigia Madame Teresa, atenta a qualquer depressão. __ O corpo é um objeto. Vocês têm que ganhar dinheiro com ele. Aproveitem enquanto são novas. Depois de velhas, não servirão nem pra canhão. Olhem pra mim: eu também já fui jovem e cobiçada. Hoje, mais pareço um bujão de gás...
    Joselito anunciou, requebrando:
    __ O Pastor vem aí!
    Madame Teresa se levantou.
    __ Lembrem do que eu disse! O homem está cheio de rezas, decorou página por página da bíblia, mas não presta. Eu sei quando um homem não presta. Nunca me engano!
     Logo um homenzarrão entrou na casa. Era ruivo e tinha uma cabeça quadrada. Segurava o chapéu de feltro nas mãos.
     __ Boa noite, princesas! Aqui está o seu príncipe!
    __ Só se for o príncipe das trevas... O Anjo negro - respondeu Madame Teresa, sem se levantar.
     __ Que dia! O calor está de rachar. Já é noite e o mormaço ainda perdura. Ainda bem que vocês têm esses ventiladores gigantes. Até parece que estou para levantar voo. Fazem um barulhão danado, mas pelo menos joga vento. Abençoado este motor a diesel! Não vejo a hora de ter um lá na igreja...
     __ Se não se acha contente, dê o fora. Não preciso de lambedor de bíblia. Nenhuma alma por aqui quer ser salva. Estamos no inferno. Aqui é o inferno. Eu sei disso.
     __ Que é isso, Madame Teresa? Nem coloquei os pés e você já vem destratando... Devia respeitar mais um apóstolo do Senhor!
    __ Apóstolo do Senhor? Essa é boa! Só se for do Senhor de chifres. Daqueles com chifres bem grandes.
      O Pastor, olhando para Joselito, que estava atrás do balcão:
     __ Bom menino, por que não me serve uma dose de uísque? Por acaso, também está bravo?
      Joselito começou a preparar a dose.
      __ O que há, princesas? Cadê os beijos?
      Dirigiu-se a Adelaide e beliscou o bumbum.
      __ Ai, que não gosto disso!
     __ Eu sei do que você gosta, espera aí. Joselito, traz um martine pra essa moça bonita.
       __ Assim, já me sinto melhor...
       __Comigo, só fartura. Não é, Madame Teresa? Não sou miserável. Dinheiro foi feito pra gastar.
     __ Eu quero receber o que me deve, seu panaca! -- vociferou Madame Teresa, inquieta, com vontade de esganá-lo. -- Aqui não é lugar pra fazer caridade. Conversa não paga a conta.
      __ Eu sempre pago as contas, sua puta velha.

CONTO: CASA DE MULHERES / DAVID GONÇALVES - PARTE I


CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES / PARTE 1
       A conversa desencontrada e em forma de alarido enchia a casa.
    __ Calem a boca! Calem-se! Que coisa! Parecem um bando de maitacas - gritou Madame Teresa, enfurecida.
    Passava das seis da tarde e as luzes do casario começavam a acender-se. Alguém ligara o motor a diesel. Luz elétrica só a diesel. Só quem podia. Os garimpeiros se contentavam com velas ou lamparinas a querosene. Os mais pobres, recém-chegados, tinham a lua e as estrelas para contemplar.
    Madame Teresa estava com uma blusa preta e anáguas cor de rosa, estirada no sofá de couro central da larga sala, com as pernas abertas, dirigindo o jantar, bem na frente do balcão do bar.
   Chamou a criada mulata, cabelos pixains, de lábios carnudos e ancas gordas, que já não servia para nenhum homem.
    __ Vá, Chiquinha, chamar todas essas raparigas. Logo chega gente e elas já deveriam estar por aqui. Elas falam até pelos cotovelos, arre! É preciso sempre estar chuchando essas mulheres como se chucham os bois.
   __ Paciência, Madame, elas são espevitadas, sem juízo. Pra elas, rir é um bom remédio...
    Duas moças entraram de meias, correndo.
   __ Mas que correria é esta? Fiquem quietas. Consuelo! Adelaide! Fiquem quietas. Se o Pastor vier, é bom tirar até a bíblia dele. Ele já nos deve uma boa grana. Ele não me passa a perna. Não nasci ontem. Joselito, pegue o caderno, veja quanto ele deve. Ou melhor, traga o caderno aqui.
   Joselito saiu detrás do balcão com o caderno velho nas mãos. Andava e sacudia as nádegas enchidas com pano e algodão, como as mulheres que não têm seios grandes fazem,
    __ Mas que droga, Joselito! Deixa de ser puto. Quando não está trabalhando, já disse, não precisa se sacudir tanto. Ande direito, como trabalhador. Rebole pros seus homens, pelo amor de Deus!
    Folheando o caderno, correu os dedos sobre as contas.
   __ Aqui está. Só da noite passada, o Pastor deve mais de mil reais. Hoje, meninas, ajam sem piedade. Empurre uísque goela abaixo do safado e saquem até a bíblia, se for necessário. Ele pensa que pode simplesmente ir pendurando a conta e paparicando minhas garotas. Está muito enganado. Com Madame Teresa, não há conversa. Eu quero dinheiro.
    Entregando o caderno a Joselito, novamente se escanchou no sofá velho, voltou a chamar pelas meninas.
    __ Suas maitacas! Venham já pro salão. As luzes já estão acesas. Andem, andem! Menos conversas e mais ação. Não quero ver ninguém com cara de tacho! Homens gostam de meninas alegres, faceiras.
    De fato, Joselito, o garção, já acendera as luzes verdes, azuis e rosas. Lá fora, aos poucos, a noite chegava. Mais seis mulheres entraram na sala. Estavam limpas e maquiadas. 
    __ Uma bíblia não vale tanto, nem que fosse de folha de ouro -comentou Adelaide, rindo, enquanto alisava o cabelo moreno. 
     __ Eu quero dar uma lição nesse safado! 
   Aos poucos, as mulheres ocuparam em silêncio os velhos divãs. Havia de todos os gostos e bolsos: altas, gordas, baixas, magras, jovens, adolescentes, loiras, ruivas, olhos pequenos, olhos grandes, brancas, morenas, pardas, negras. Todas se pareciam. Tinham quase sempre as mesmas histórias. Também se pareciam no cheiro: o perfume barato e enjoativo. As mocinhas, ainda adolescentes, tinham seios bonitos, erguidos, do tamanho de uma pera  As demais já tinham perdido o frescor: sentavam-se de qualquer jeito, desconjuntadas, mostrando as pernas gordas, magras, com varizes, sem varizes, com feridas, com cicatrizes


MEIO AMIGO / CRÔNICA - JOSÉ FERNANDES / GOIÁS

A PROPÓSITO DAS RELAÇÕES FACEBOOKEANAS, ESSA CRÔNICA EXPLICA BEM O QUE SEJA O VERDADEIRO AMIGO:
MEIO AMIGO
José Fernandes 

    A conversa estava animada. Cada um defendia as virtudes de seu candidato com argumentos aparentemente irrefutáveis. Até aqueles candidatos que foram garis, engraxates, catadores de papel, e, hoje, são donos de mansões, castelos, bezerros de ouro, poderiam ser postos no altar, sem que o processo de canonização passasse pelos órgãos competentes. Os mais eloquentes diziam-se amigos desse ou daquele que, segundo seus valores, parecia ser o mais virtuoso. De repente, Empédocles se acorda de seu torpor schopenhaureano e vaticina:
     — Em política, não há amigos. O que há são pessoas interessadas em cargos e benesses do poder. Aliás, não conheço quem realmente tem amigos. Existem necessidades que, para serem satisfeitas, requerem certos fingimentos sociais que se assemelham à amizade. Uma vez satisfeitas, o amigo fingidor se afasta, e a amizade se desfaz. 
     — Desculpe-me, Empédocles, mas, como você mesmo o disse, isso não é amizade. Para mim, ela é um sentimento profundo que leva as pessoas a se admirarem e a se respeitarem em um nível tal que ultrapassa o meramente humano. Ela é uma concórdia que não repousa, obrigatoriamente, na identidade de opiniões, mas na harmonia do semelhante e, muitas vezes, do contrário. Acima da amizade, só há o amor, que implica uma complementação que se opera em nível metafísico. O amor verdadeiro aproxima o homem dos deuses, à medida que, no ato supremo, ocorre a ultrapassagem do físico, chamado pequeno êxtase, que, na realidade, se configura como transubstanciação, mistério e enigma do bem-querer. 
     — Ora, Filófilo, você está filosofando demais! A humanidade está tão podre que não merece esta ontologia da amizade e, muito menos, do amor, que é apenas uma forma de duas pessoas se fingirem humanas! 
    — Acredito que a humanidade está como está, porque não tem sido pensada, e pensada no amor. Os indivíduos têm agido como se fossem eternos, voltados para si mesmos. Quando se é egoísta, não há lugar para a amizade e, muito menos, para o amor. O egoísta é incapaz de enxergar o outro. Enxerga apenas e unicamente o próprio umbigo. O seu mundo termina na ponta do nariz ou nos números de sua conta bancária. Por isso, ele não pode ter amigos. O egoísta é amigo de si mesmo! É um narciso que ama a própria imagem! 
Creio que se não houver pessoas em quem pudermos confiar, a quem pudermos amar, a vida perde o sentido, porque todos os bens que a perfazem, são conservados mediante a participação do outro. Queiramos ou não, o outro, a despeito de Sartre havê-lo dito o inferno, é a razão da existência. Empédocles, você já se imaginou sozinho no universo, sem alguém que o ame, em quaisquer dos sentidos que os gregos atribuíam às relações humanas, ao ponto de haver cinco ou seis palavras para designar as diversas acepções do amor e da amizade? 
     — Eu não disse que os homens não necessitam uns dos outros! Disse que tudo não passa de jogos de interesses. Uma vez satisfeitos, não há mais razão para a amizade, uma vez que ela é inteira dependente da sinceridade, e homem, hipócrita como é, não calha com lealdade, com lhaneza. Caro Filófilo, Machado de Assis é que estava certo quando, em Memórias póstumas de Brás Cubas, no capítulo Das negativas, disse: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria, e um filósofo, de quem não me lembro o nome, disse que a humanidade é um mal incurável. Ora, se a humanidade não presta, essa história de amizade e amor, de fidelidade e gratidão, passa a ser história para boi dormir.
     — Empédocles, apesar de você ser inflexível, de meus argumentos lhe parecerem obsoletos, ou absurdos, para mim, o pior ato praticado por um ser humano é a ingratidão. Se alguém me tiver feito algum bem, seja ele qual for, serei sempre reconhecido. A amizade que se acaba, como já dissera Aristóteles, é aquela fundada na utilidade e no prazer. Aquela que tem por sustentáculo o bem, a gratidão e a fidelidade, dura sempre, porque traz em si um outro bem que manifesta a humanidade do homem: a verdade. 
     — Ora, Filófilo, você não tem de ser fiel a vida toda, só porque seu amigo lhe fez um favor! Você é ingênuo demais! Acredita em coisas que existem apenas em sua imaginação. Onde já se viu acreditar na humanidade?! Entre humanos só existem meias amizades! 
    — Caro Empédocles, na minha concepção, existe meio mamão, meio abacate, meio da rua, meio de campo, meio da ponte; mas meio amigo, não. Como não há meio gol, meio grávida, meio seguro, também não existe meio amigo. Ou se é amigo, ou não se é! Adjuva nos, Domine!