Amanhã - poema


De pérolas bordada, a madrugada orvalhada
Saúda o dia que chega, mansinho,
Encolhe-se aurora pelo Sol subjugada. 
É preciso ir! Já se ouve dos pássaros o burburinho.

Recolhem-se corujas e morcegos,
Um galo canta apressado,
Os picos se vê dos rochedos
Vem o sol, inda fraco,descorado.

Ouça o trinado dos pássaros ... 
Amanhece.
Vai-se a noite com seus segredos!
- Fica!- pede-lhe o poeta. – Mais um pouco, ainda é cedo!
- Não posso! Ouça! É o som do passaredo!

Vai-se a noite, vem o dia
Sofre o enamorado da Lua
- Vai-te, vadia! Vai-te! Minha agonia perpetuas!
- Não chores, poeta, não chores,
Amanhã, a Lua é só tua!
                                                                                                     Odenilde Nogueira Martins 

Professor não é educador / resenha


Este polêmico livro, escrito pelo filósofo Armindo Moreira, com graduação e mestrado feitos na Universidade Pontifícia de Salamanca na Espanha e com mais de 40 anos de professor – lecionando desde o ensino fundamental até ao ensino superior, pretende mostrar que educar e instruir são coisas muito diferentes.

Educar é promover, na pessoa, sentimentos e hábitos que lhe permitam adaptar-se e ser feliz no meio em que há de viver. Instruir é proporcionar conhecimentos e habilidades que permitam à pessoa ganhar seu pão e seu conforto com facilidade.

O professor não deve ser educador de seus alunos, pois a verdadeira função do professor é instruir. A missão de educar cabe à família.

Assim, cruzamos na vida com pessoas instruídas e mal educadas; e conhecemos analfabetos com esmerada educação. A instrução, por si mesma, não dá felicidade. Porém é difícil conceber que um homem bem educado venha a ser infeliz.

Sabemos que os jovens e as crianças podem sofrer motivações de várias pessoas. Porém só educa eficazmente quem ama o educando. Sendo assim, o professor teria de amar os educandos, para poder educá-los. E o que poderia motivar o professor a amar os seus alunos: o salário?...

Educar pelo exemplo não é processo que esteja ao alcance do professor. Um aluno, até seus 15 anos, terá tido, no mínimo, 20 professores. Entre esses, é natural que surjam: religiosos e ateus; fanáticos, moderados e indiferentes – para com Deus e para com a Pátria; preguiçosos e trabalhadores; competentes e incompetentes; disciplinados e revoltados. Qual exemplo o aluno seguiria? Será que um ser humano pode ser educado por uma turma tão contrastante e contraditória em hábitos e convicções? É evidente que não.

Sabemos que nem a profissão nem o salário, por si mesmos, geram amor. Exigir que o professor seja educador é exigir que ele ame o aluno. Ora, amor não é sentimento que se exija para exercer uma profissão; menos ainda, em troca de um salário.

Educar é missão própria dos pais. Tanto quanto o pão, os pais devem dar educação aos seus filhos.

Os frutos resultantes das campanhas em massa dizendo que o dever de educar cabe à escola e, ao mesmo tempo, desautorizando os pais e a família da responsabilidade de educar seus filhos, estão visíveis por aí: o aumento por todos os lados dos analfabetos funcionais, aumento do número de vagas de mão-de-obra pelas empresas e que não conseguem ser preenchidas por falta de capacitação dos candidatos, assim como inúmeras outras situações analisadas no decorrer deste livro.

Por se referir de muitos modos ao ensino, outros assuntos também são analisados neste livro, entre eles:
A indisciplina: exigir educação é educar?
A polêmica sobre a repetência e a evasão escolar.
Os currículos: devem ser duráveis ou efêmeros?
Como aprender a redigir com facilidade.
Sobre o hábito e gosto pela leitura e redação.
O professor deve ser simpático ou autoritário?
Violência e criminalidade.
Educação sexual.
Educação integral.
Ensino e política.
O que é ensino de qualidade?
Como melhorar o ensino.

O presente livro é polêmico por mostrar de maneira original e sucinta novas soluções para os problemas do ensino em nosso país. Esta é uma obra que pode ser amada ou detestada, mas que com certeza fará com que o leitor não saia a mesma pessoa após a sua leitura.

http://www.infoescola.com/educacao/professor-nao-e-educador/
Seja muito bem-vindo, Humberto Soares!

FRASES FAMOSAS E HISTÓRIA

Em 1994, Kenzaburō Ōe ganhou o prêmio Nobel de literatura. Segundo os jurados, suacapacidade de criar um retrato da condição humana misturando a vida ao mito em um universo fantástico foi o fator fundamental na hora de honrá-lo com a medalha.

A nossa Frase da Semana surgiu em uma entrevista que o escritor japonês cedeu em 1999, quando perguntado sobre como aconselharia jovens aspirantes a escritores. Além de responder à pergunta, Kenzaburō fez uma reflexão sobre a juventude em geral e sobre o que aprendeu com seu filho. Hikari Ōe tem problemas de desenvolvimento mental e visual e, por muito tempo, seus pais acharam que ele nunca se comunicaria.

O autismo do filho foi uma das grandes motivações de Kenzaburō ao escrever seus romances, pois ele acreditava que dava voz a Hikari por meio de suas palavras. Não é coincidência, então, que muitos de seus personagens sejam jovens baseados em seu filho. Mesmo assim, filho de peixe, peixinho é e Hikari encontrou um jeito brilhante de se expressar e comunicar: a música.Você pode encontrar suas composições para piano no YouTube e nas lojas de CDs.

A história de Kenzaburō e seu filho prova que mesmo na adversidade surgem oportunidades e descobertas incríveis.


Virginia Woolf viveu Londres na primeira metade do século XX, onde foi uma das figuras mais importantes da nova literatura que emergia após a primeira guerra. Parte de um grupo de intelectuais, Virginia foi fundamental no desenvolvimento do modernismo na escrita, tanto como escritora quanto como editora. A crítica literária também captou a atenção de Virgínia, que se dedicou ao estudo de obras de alguns de seus contemporâneos.

Em suas obras, é marcante a presença do fluxo de consciência, um recurso literário que mostra os caminhos (às vezes, sem volta) do pensamento do personagem. Suas personagens femininas tinham personalidades fortes, como é o caso da Sra. Dalloway, personagem-título de um dos livros mais famosos da autora.

Assim como muitos gênios das artes, Virgínia tinha problemas psicológicos, que frequentemente resultavam em crises nervosas. Em um desses momentos, a escritora perdeu o controle e se atirou em um rio com os bolsos do casaco cheios de pedras. Seu corpo só foi encontrado quase um mês depois.

A frase da semana foi dita em uma palestra proferida por Virgínia e deixa claro o caráter marcante da escritora. Para saber mais, o filme As Horas, com Nicole Kidman, é uma boa introdução à mente peculiar de Virgínia.


Honoré de Balzac foi um dos escritores responsáveis pela criação do Realismo na literatura. Sua obra “A Comédia Humana“, dividida em quase uma centena de romances, é um retrato bastante fiel da sociedade burguesa da França na época napoleônica.

A nossa Frase da Semana saiu de um desses romances, “A Mulher de Trinta Anos“. Na obra, o autor descreve, em seis partes, uma faixa etária específica do gênero feminino e seus conflitos e conquistas na decorrência da ascensão da burguesia.

Uma dessas problematizações é justamente a maternidade. Afinal, a mulher começava a conquistar liberdades inéditas, mas ainda tinha o dever de cuidar da casa e dos filhos.

Apesar de ter sido escrito no século XIX, esse debate ainda é atual e a obra marcou tanto a sociedade ocidental que até hoje é comum ouvir as pessoas falando das “balzaquianas”, ou seja, as mulheres na faixa dos trinta anos.

Ascensão da burguesia à parte, uma coisa é certa: mãe realmente perdoa tudo que o filho faz, ou quase tudo, e isso não muda não importa o século em que a gente esteja.



Cecília Meireles é considerada por muitos uma das maiores poetas da língua portuguesa. Embora tenha escrito sua obra em um período de explosão do Modernismo – o primeiro livro, “Espectros“, saiu quando ela tinha apenas 18 anos em 1919 -, Cecília misturava várias influências em seus versos. A primeira publicação, por exemplo, é bastante ligada ao Simbolismo do século anterior. Já “Romanceiro da Inconfidência“, obra inspirada na Inconfidência Mineira e de onde saiu a nossa Frase da Semana, segue um gênero de poesia popular, tradicionalmente ibérico, conhecido como romanceiro. É também uma das obras principais da autora que, apesar de carioca descendente de açorianos, tinha um espírito que abrangia o Brasil inteiro.

Além da obra poética, que inclui diversos poemas infantis com musicalidade ímpar, Cecília atuou como jornalista, especialmente na área da educação. É dela, aliás, o crédito pela implementação da primeira biblioteca infantil no país, localizada no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro. Com arquitetura e decoração inspirados pelo livro “As Mil e Uma Noites”, o refúgio literário de Cecília durou apenas 4 anos, mas foi um marco do movimento pela alfabetização infantil.

Mas nem tudo era mágico na vida da escritora. Seu marido, um artista plástico, cometeu suicídio em 1935 e a deixou com 3 filhas. Ela se casou novamente, em 1940, com um engenheiro, mas não teve mais filhos. Quando mais velha, na década de 1950, Cecília se lançou em um longa viagem que abrangeu Europa e Ásia, visitando as colônias portuguesas e, pela primeira vez, a terra de seus antepassados: a ilha de São Miguel, nos Açores.

Após sua morte, a escritora foi homenageada com o Prêmio Machado de Assis, teve uma escola batizada com seu nome nos Açores e o Banco Central do Brasil imprimiu notas com sua efígie.


O escritor Carlos Drummond de Andrade faria 110 anos no último dia 31 de outubro. Apesar de ser famoso e reconhecido por suas poesias – quem presta vestibular conhece bem “A Rosa do Povo” e seus poemas de cunho social -, Drummond também se arriscou em outros gêneros literários.

Um desses desvios é o livro “O Avesso das Coisas”, em que o mineiro de Itabira cria uma espécie de dicionário. Só que, em vez de dar o significado das palavras, cada verbete as explica com aforismos.

E é dessa experiência que saiu nossa Frase da Semana. Especificamente sob o nome “felicidade”. Mestre das palavras, o modernista sempre conseguia transmitir muito dizendo pouco e é exatamente isso que vemos nas pequenas frases d’O Avesso e em todas as suas obras. Longe de usar palavras rebuscadas e metáforas hiperbólicas, Drummond tem apelo tanto às classes eruditas quanto ao povo, o que faz dele um autor bastante admirado.

O mundo está passando por tempos de protestos contra e a favor de leis relacionadas ao aborto, ao casamento gay, a prostituição e a outros assuntos polêmicos. Isso porque muitos países discutem a reformulação de suas constituições para abarcar o surgimento de direitos cada vez mais iguais entre todos os homens e mulheres.

É provável que Charles de Montesquieu nem imaginasse que um dia esses debates aconteceriam, mas no livro O Espírito das Leis, de 1748, o político e filósofo francês registrou teorias sobre a política e os sistemas de governo que cabem muito bem no contexto atual. Seus pensamentos, aliás, foram fundamentais para a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento-símbolo da Revolução Francesa de 1789. Montesquieu foi, também, pai da teoria da separação do Estado em três poderes que é usada ainda hoje em muitos países, inclusive no Brasil. Ou seja, ele não era pouca coisa.

Curiosamente, Montesquieu era nobre – barão, para ser mais exato -, mas isso não o impediu de criticar e satirizar a monarquia e o clero. Seu círculo de amizades incluía um pessoal bem distante da corte, como escritores e pensadores avessos às tradições em vigor: ele participou da Enciclopédia de Diderot e D’Alembert, por exemplo.

Quando morreu, em 1755, o iluminista tinha uma longa lista de obras que abordavam desde a fisiologia humana ao movimento das marés. Praticamente uma enciclopédia humana.

A frase aí de cima poderia ter sido dita por um grande filósofo ou, até, por um líder pacifista. Mas, como você já viu, ela é obra do Rei, sim, de Elvis Presley. Isso não quer dizer que ela não tenha sido registrada em um contexto espiritual: Elvis escreveu essas palavras na sua Bíblia particular, que havia ganhado de seus tios em 1956.

Como muitos dos grandes músicos do rock, Elvis foi bastante influenciado pela música gospel e pelos cânticos cristãos e sua família também era bastante ligada à religião. Só que, como a gente sabe, não foi esse caminho que Elvis The Pelvis seguiu. Com suas dancinhas sensuais – para a época, né -, o garoto de Memphis fazia as garotas suspirarem e desmaiarem.

É praticamente impossível falar de ficção científica sem mencionar o autor russo naturalizado americano Isaac Asimov. Se você já viu o filme Eu, Robô, com Will Smith no papel principal, por exemplo, saiba que a história é baseada em um livro dele, parte da trilogia Robôs.

Mas não só foi só ficção que Asimov produziu. Como bioquímico e aficionado por astronomia, ele chegou a escrever 30 livros de apelo popular sobre os grandes mistérios. Somando a isso algumas dezenas de romances e obras de ficção científica, dá pra ver que o escritor não parava quieto.

Outra coisa que foi constante na vida de Asimov – assim como na de muitos cientistas – é o questionamento da existência de Deus. Ou nem isso, já que, como você leu acima, ele realmente acreditava que não há uma força superior. A frase, aliás, saiu de uma entrevista para a revista Free Inquiry, em 1982, em que os temas tratados eram Deus e a ciência.

Um outro fato marcante da vida de Asimov envolve sua saúde. Embora tenha morrido por falência dos rins e do coração, a grande doença que o afligia nos últimos anos de vida foi a AIDS, que ele contraiu em uma transfusão de sangue.

Quem acompanha a SUPER já sabe que Carl Sagan foi um dos maiores nomes da astronomia que o mundo já conheceu. Seus estudos abrangeram desde a astrofísica até a astrobiologia. Mas isso não quer dizer que ele era um desses gênios antissociais e reclusos. O astrônomo pop foi um dos responsáveis por colocar a ciência na boca do povo. Tipo o Sheldon Cooper. Só que de verdade.

Grande parte desse fenômeno veio com sua obra de ficção científica e, mais ainda, com Contato, lançado em 1985. O livro foi tão bem-sucedido que acabou indo para as telonas de Hollywood em 1997, com Jodie Foster no papel principal. O único porém é que Sagan não viveu para ver o filme: ele morreu em 1996. A frase da semana, aliás, saiu desse livro.

O autor e cientista deixou um legado fenomenal. Ele foi, por exemplo, professor de astronomia na Universidade de Cornell, em Nova York por muitos anos e também participou do programa espacial da NASA desde a década de 50, como consultor.

Em plena ascensão nazista, ser um pensador de esquerda na Alemanha não era a posição mais confortável do mundo. Se você fosse uma mulher de origem judaica, então, era mais complicado ainda. Foram esses obstáculos que Hannah Arendt enfrentou quando começou sua vida acadêmica, em 1924.

Em seus anos na Universidade de Marburg, Hannah conheceu um outro grande nome da Academia alemã: Martin Heidegger, que era seu professor. No entanto, ela concluiu seus estudos em filosofia na Universidade de Heidelberg. Sua primeira tese foi publicada em 1929 e falava sobre um tema ainda pouco politizado: o amor.

Já em 1933, quando o nazismo de Hitler começou a ganhar poder na Alemanha, Hannah mudou-se para Paris e teve contato com outro importante intelectual: Walter Benjamin. Na França, Hannah trabalhou como secretária e na preparação de jovens que iriam para os kibutz, Em 1941, o governo de Vichy, que apoiava o expansionismo nazista, a enviou para o campo de concentração em Gurs, para, eventualmente, deportá-la. Ela conseguiu escapar e fugiu para Nova York, dando início ao período mais frutífero de sua vida acadêmica.

Nos Estados Unidos, Hannah publicou obras sobre os regimes totalitários e sobre a perseguição nazista ao povo judeu. Um de seus textos mais famosos é “Eichmann de Jerusalém”, em que ela conclui que Adolf Eichmann, o grande responsável pela máquina de exterminação dos campos de concentração, não era um homem mau: ele era incapaz de um pensamento próprio que desafiasse ordens superiores. Nos EUA, ela também lecionou em universidades de prestígio, como Princeton e Berkeley.

É importante ressaltar que Hannah, embora filósofa de formação, renunciava a essa denominação porque, segundo ela, a filosofia fala “do homem” e ela falava “dos homens”. É dessa explicação que saiu a nossa frase da semana. Por causa de suas teses contrárias aos regimes opressores, seu posicionamento contra a Guerra do Vietnã e a favor da desobediência civil, Hannah Arendt é até hoje conhecida como “a pensadora da liberdade” e lutou por essa causa até sua morte, em 1975.

Entre tantos poemas e heterônimos, é complicado escolher apenas uma frase icônica de Fernando Pessoa. Optamos por esta que você acabou de ler, não só porque ela é uma das mais famosas, mas porque representa bem um dos mais aclamados autores de língua portuguesa. Extraídos do poema “Mar Português”, os versos podem ser interpretados no seu sentido restrito – ou seja, da expansão marítima lusitana – ou no mais abrangente, que você vai ver aqui.

Você já deve ter ouvido falar que o lisboeta poderia ser chamado de Fernando Pessoas. Seus heterônimos mais famosos – e que são cobrados no vestibular – são Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares e Ricardo Reis. Mas não foram os únicos. No poema “Passagem das Horas”, de Álvaro de Campos, surge uma explicação para essa esquizofrenia literária:

“Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.”

Curiosidade: apesar de ser um mestre da Língua Portuguesa, Pessoa foi alfabetizado em inglês, na África do Sul. Inclusive, três das quatro obras que ele publicou em vida são anglófonas. Ainda em Durban, Pessoa tentou ingressar na Universidade do Cabo da Boa Esperança, mas não deu muito certo – quem diria! -, a não ser por seu ensaio, que recebeu até uma medalha de tão bom que era. Mas, quando voltou a Lisboa, em 1905, Pessoa matriculou-se no curso de Letras, que abandonou antes do fim do primeiro ano.

Alternando trabalhos de tradução, crítica e edição, Pessoa conseguiu se manter financeiramente e cultivar o hábito de escrever. Foi assim até sua morte, em 1935. Literalmente, aliás. Dizem que ele escreveu na cama do hospital a frase “I know not what tomorrow will bring” (Não sei o que o amanhã trará).

Assim como os navegadores portugueses, Pessoa acreditava que se arriscar é viver. Por isso, mesmo que as coisas deem errado, elas valem a pena.

Heitor Villa-Lobos é provavelmente o maior compositor erudito que já surgiu no país e se destaca também na música internacional. Aqui no Brasil, Villa-Lobos fez parte do Movimento Modernista e se transformou num grande símbolo da arte ‘verdadeiramente brasileira’, como ele mesmo dizia. Ele, inclusive, apresentou algumas composições na famosa Semana de Arte Moderna de 22, que ocupou o Teatro Municipal, em São Paulo.

Apesar de ter feito composições no estilo europeu, o que o consolidou como gênio foram suas obras com cara de Brasil, destinadas a orquestras, conjuntos de câmara, óperas ou piano. Quase todas, aliás, levaram títulos bem típicos, como Amazonas, Uirapuru e Saudades das Selvas Brasileiras.

Com sua arte, Villa-Lobos pretendia exaltar a cultura brasileira que ele acreditava ser ímpar e inimitável. Naquela época, como a gente bem sabe, essa corrente em busca da identidade brasileira estava na moda. Não é à toa que o compositor proferiu nossa frase da semana.
Superinteressante
http://super.abril.com.br/blogs/superblog/category/frases/page/2/

MAÇÃ DO AMOR - CONTO/ODENILDE N. MARTINS

                     
De minha juventude, guardo muitas lembranças, especialmente da praça que ficava no centro da cidade, em frente à rodoviária. Muito democrática, era o point para todas as idades, abria-se para jovens, velhos, ricos e pobres, sem distinção.

Vinha gente das redondezas para admirar a fonte luminosa, em forma de nave espacial, que jorrava água com as cores do arco-íris. Era um espetáculo e tanto! Não me cansava de apreciá-la. Era bonita demais!

Embaixo da fonte luminosa, uma saleta, dali saía o som que podia ser ouvido de longe, chamando as pessoas para a praça. Pouco antes das dezoito horas, os bancos de cimento já estavam quase todos ocupados. Por ali, circulavam vendedores de pipoca, maçã do amor e outras guloseimas. Quantas vezes não sonhei com o momento em que ouviria meu nome através do alto-falante no exato instante em que recebia uma maçã do amor, oferecida pelo garoto que povoava meus sonhos mais românticos.

Brota de meus lábios um sorriso toda vez que me vêm à cabeça as lembranças daquele tempo. Como não sorrir?

- O que tem essa menina hoje? Tá com espinho nos pés que não para? Te aquieta! Vai cuidar de arrumar a casa. A louça tá na pia te esperando. Dô um jeito já, já nesse bicho-carpinteiro!

- Mãe, posso ir na praça hoje? Posso? Posso? Por favor, mãe! Todo mundo vai!

- Não sei, vá pedir pro teu pai.

- Teu irmão vai com você – responde meu pai, atendendo meu pedido.

Com essa eu não contava! Meu irmão como guarda-costas! Lá se iam meus planos! Logo agora que eu resolvera agir.

Corri para o quarto para verificar, em meu cofrinho, a quantas estavam minhas finanças. Teria que subornar meu irmão caçula. Mas como afastá-lo da praça? Era preciso planejar Nada de ficar com rabo preso, pois tudo seria usado por ele para obter o que quisesse de mim!

Por mais que pensasse, não me vinha uma ideia salvadora! Meus planos... eu os via indo por água abaixo. Pense! Pense! A cabeça não funcionava.

Às 18h, o locutor anunciava a Ave Maria, era assim que se enchia de sons a pequena praça. Todos acompanhavam, emocionados, a oração. Em seguida, vinham os anúncios do comércio local entre uma música e outra, que era oferecida por alguém a “alguém muito especial”.

Meus olhos ansiosos passeavam por todos os cantos, buscando, buscando e... nada! Se ele não viesse, ia demorar muito antes que meu pai permitisse que eu voltasse ali. “Venha, por favor, venha” – apelava para a força do pensamento positivo, mãos e pés suados, gelados, por conta da expectativa.

O tempo estava contra mim, algumas pessoas já se retiravam e nem sinal dele. Já havia gastado boa parte de minhas economias na compra de guloseimas para meu guarda-costas na tentativa de mantê-lo afastado. “Idiota!”- gritava-me uma voz interior –“ Vá pra casa ou quer gastar todo seu dinheirinho com esse pirralho?”

Levantei-me disposta a ir para casa para dar vazão a minha frustração e ira, socando o travesseiro. Há dias que tudo conspira contra a gente, até aquele moleque dos infernos havia sumido, de graça. À medida que o procurava, mais aumentava a irritação. Era só o que me faltava! Parecia que o fedelho tinha evaporado!

Em brevíssimo tempo, a irritação deu lugar ao pânico. Pensei que o melhor era ir para casa, quem sabe ele tivesse me procurado e, não encontrando, tivesse retornado. Esse pensamento me atingiu como um soco no estômago! Estava frita! Apressei o passo, a estas alturas, meu pai já devia estar em meu encalço. A frustração de meu encontro amoroso sumiu, tinha preocupações muito maiores, como arranjar uma boa desculpa para o fato de meu irmão não ter me encontrado. Era tanta a preocupação que não conseguia sequer organizar as ideias, “o que vou fazer?”

Uma colega de sala de aula me chamou, nem me virei, segui andando rapidamente, tinha ainda, para enfrentar, a escuridão da estrada. Confesso que nunca fui muito corajosa, sempre tive verdadeiro pavor de morcegos, e havia muitos voando por entre as várias árvores frutíferas que ladeavam a trilha que dava acesso a nossa casa.

Há dias que tudo dá errado. Parecia que um urubu tinha pousado em meu ombro. “É muito azar!- resmungava com meus botões, quando, subitamente, fui agarrada pela manga da blusa:

- Algum problema, Otávia? Por que você está correndo? – era minha colega de sala de aula.

- Não consigo encontrar meu irmão.

- Ele está ali, embaixo da mangueira, conversando com o Onofre.

Senti meu rosto queimar, devia estar feito um pimentão maduro! Ali estavam meu irmão e o garoto que eu amava num papo animado com outros rapazotes da turma.

- Preciso ir ao banheiro – disse a minha colega, como pretexto para afastar-me, pois o tempo urgia.

Vinte minutos depois, lá estava eu indo em direção ao grupo de meninos, o coração aos pulos, querendo sair pela boca. Distante deles uns poucos metros, chamei meu irmão.

- Pedro! Pedro!- chamei em vão, pois o som de minha voz foi abafado pelo som do alto-falante que anunciava:

“Em nome da panificadora Doce Beijo, a música a seguir é um oferecimento de “O” para “O” como prova de amor. É mais um coração apaixonado, minha gente!”

Puxei meu irmão pelo braço no exato momento em que a música começou a tocar:

Feche os olhos e sinta

Um beijinho agora

De alguém

Que não vive sem você

Que não pensa

Nem gosta...

Chegou,neste momento, o vendedor de maçã do amor e entregou uma a Onofre, dizendo:” De “O” para “O”.

Os olhares caíram sobre mim como um raio, e ouvi meu irmão dizendo:

- Foi você! De Otávia para Onofre!

A gargalhada foi geral e o meu amor, que também não passava de um menino, estava mais envergonhado do que eu.

- Não fui não! – a negativa saiu em tom de desespero e o rubor que tomou conta de meu rosto só serviu para confirmar o que todos haviam concluído.

Para meu desalento maior, Onofre jogou a maçã na lixeira e saiu, furioso, acompanhado por um coro de risadas. Maldita ideia! Havia estragado tudo e ainda tornara o rapaz motivo de chacotas.

O trajeto até em casa nunca me pareceu tão longo, meu irmão foi imitando o locutor e cantando a música o tempo todo e quanto mais eu me defendia, mais parecia culpada. Sabia que o pior ainda estava por vir.

Eu e Pedro dividíamos pequenos trabalhos domésticos, revezando-nos na limpeza do quintal, arrumação da cozinha e outras coisinhas mais. Meu tormento começou na manhã seguinte.

- Quero essa cozinha arrumada logo. Ouviu Pedro?-intimou minha mãe, pois sabia que era um trabalho fazer o pirralho se mexer.

O moleque limitou-se a dizer:

- De “O” para “O”- e começou a cantar:

“Feche os olhos e sinta

O meu beijinho agora...”

Pronto! Tinha começado a chantagem!

- Deixa que eu lavo a louça e arrumo a cozinha, mãe.

Ela olhou meio desconfiada, mas não disse nada. E assim foi-se o fim de semana, comigo fazendo o meu trabalho e o de meu irmão.

Na segunda-feira, no momento em que entrei na sala de aula, fui saudada por um coro:

“Feche os olhos e sinta

O meu beijinho agora...”

Um dos garotos levantou e dirigiu-se ao Onofre, imitando o vendedor de maçã do amor: “De “O” para “O”.” Queria que, naquele momento, o chão se abrisse e me tragasse. Fiquei feito estátua, parada no meio da sala, até que a professora ordenou que eu me sentasse. Que manhã longa! Fui a diversão da escola toda e ainda precisei suportar os olhares de raiva que me eram dirigidos por Onofre, que também se tornara alvo dos deboches.

Em casa, a escravidão que meu irmão me impunha, durou até o dia em que minha mãe me pegou fazendo as tarefas escolares dele.

- Não tem greguê pra dizer Gregório, agora vocês dois vão me contar tudo ou a cinta vai pegar parelho.

E Pedro contou o que tinha acontecido, sem poupar detalhes, inclusive as piadas na escola.

- Você vai fazer todo o serviço por dois meses, que é pra aprender que não deve se aproveitar do erro de ninguém – disse ela a Pedro, - E você, até o final do ano, não bota os pés fora de casa, a não ser pra ir pra escola.

Ambos até esboçamos um protesto que foi imediatamente calado pelo olhar ameaçador de nosso pai.

O garoto que eu amava passou a me detestar, por vários dias servi de capacho de meu irmão, o castigo foi bastante longo e ainda carreguei por muito tempo o apelido de “Maçã do amor”. Custou-me caro por demais aquela ousadia amorosa.








JOSÉ FERNANDES: PRESENÇA CONFIRMADA! AGENDE-SE!

Professor de Literatura Brasileira, crítico literário,poeta, cronista, contista, membro da Academia Goiana de Letras e União Brasileira de Escritores - Goiás.
Minha foto
O ESCRITOR JOSÉ FERNANDES TAMBÉM É PRESENÇA CONFIRMADA NO SEGUNDO ENCONTRO DE ESCRITORES PROMOVIDO PELA ASSOCIAÇÃO DE ESCRITORES CONFRARIA DAS LETRAS QUE ACONTECERÁ EM NOVEMBRO DE 2014.PARTICIPE!

CELESTINO SACHET: PRESENÇA CONFIRMADA. AGENDE-SE!

 Celestino Sachet:
Nascido em 1930, no município de Nova Veneza, sul de Santa Catarina, Celestino Sachet foi advogado e professor de literatura da Universidade Federal de Santa Catarina. Ao lado do irmão, comandou o programa de televisão Santa Catarina:100 Anos de História, exibido no final da década de 1990.
Titular da cadeira número 15 da Academia Catarinense de Letras e com mais de 20 livros publicados, é um dos maiores pesquisadores da literatura catarinense.
O PROFESSOR CELESTINO SACHET É PRESENÇA CONFIRMADA NO SEGUNDO ENCONTRO DE ESCRITORES QUE ACONTECERÁ EM JOINVILLE - SC, EM NOVEMBRO DE 2014. PARTICIPE!

CELESTINO SACHET - SAIBA MAIS

CELESTINO SACHET É PRESENÇA CONFIRMADA NO 2º ENCONTRO DE ESCRITORES PROMOVIDO PELA ASSOCIAÇÃO CONFRARIA DAS LETRAS EM JOINVILLE-SC, EM NOVEMBRO, 2014.

Celestino Sachet lança inventário da literatura catarinense de ficção

Pesquisa levou uma década para ser concluída e tem mais de 600 páginas na versão integral

Celestino Sachet lança inventário da literatura catarinense de ficção Unisul,Divulgação/Variedades
Celestino Sachet: autor lança mais completo painel da literatura catarinenseFoto: Unisul,Divulgação / Variedades
A Literatura dos Catarinenses - Espaços e Caminhos de uma Identidade, título da extensa pesquisa de Celestino Sachet, levou mais de uma década para ser concluída, contemplando prosa, poema e teatro de cerca de 1600 autores catarinenses. O estudo ganhou também uma versão reduzida, com ilustrações de Rodrigo de Haro.

Nascido em 1930, no município de Nova Veneza, sul de Santa Catarina, Celestino Sachet foi advogado e professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Ao lado do irmão, Sérgio Sachet, comandou o programa de televisivo Santa Catarina: 100 Anos de História, exibido no final da década de 1990. Hoje, aos 82 anos, titular da cadeira número 15 da Academia Catarinense de Letras e com mais de 20 livros publicados, Sachet tem uma certeza: ainda há muito o que fazer.

Confira entrevista com o autor:

DC - Por que uma literatura dos catarinenses?Celestino Sachet - Quando eu estava fazendo a pesquisa para o livro atual, nesses mais de dez anos, me dei conta de que muita gente, inclusive aqui em Santa Catarina, nega a existência de uma literatura catarinense. Ou seja, negam que tenha uma literatura, com uma marca específica, que se se diferencie ostensivamente das demais, de cada Estado. Eu, então, pensando mais a fundo, achei que, na realidade, quem escreve o livro aqui em Santa Catarina não é a cultura catarinense, mas o homem, o indivíduo. Então, quem é catarinense? Segundo o critério que todo mundo adota, é catarinense quem nasce em Santa Catarina, quem mora em Santa Catarina e também, eu diria, quem esteve em Santa Catarina e que, em determinado momento, foi catarinense. Ou seja, eu de certa forma me livrei do problema da literatura de Santa Catarina e da literatura catarinense, porque, quando eu digo "dos catarineses", nem Jesus Cristo pode negar que seja.
DC - Além do fato de serem catarinenses, há uma identidade possível entre esses textos e autores?Sachet - Eu diria que há uma identidade em caminho, uma personalidade em caminho. Embora não se possa insistir, o fato é que um livro escrito aqui na região do Litoral, por um pescador, é bastante diferente, por exemplo, de um livro que recebi agora, ali de Orleans, sobre a imigração no século passado. O problema, agora, é daqui para o futuro descobrir o que há por trás dessa literatura que está sendo publicada, já que cada região do estado tem características próprias, pelo menos na questão do conteúdo do que é escrito. Então, eu diria que há alguma coisa em andamento, não se pode negar.
DC - Como foi organizada a pesquisa?Sachet - Foram dez rápidos anos, durante os quais consultei as publicações das editoras, frequentei sebos e, claro, comprei muitos livros. Hoje estou praticamente dormindo no meio de livros. Também foi preciso coletar jornais e andar por cidades do interior de Santa Catarina. Eu gostaria de ter colocado todos os autores catarinenses nessa pesquisa, mas tenho consciência absoluta de que não consegui. Em geral, peguei os autores que têm no mínimo dois livros publicados. Como eu falo que é uma literatura dos indivíduos catarinenses, foi preciso dar uma pequena biografia de cada um. Então, foi dessa forma: localizar o autor, localizar o livro e fazer algumas observações rápidas sobre o livro.
DC - O que o manteve motivado durante mais de uma década?Sachet - O meu namoro com a literatura e a minha paixão pelo livro. Sempre gostei muito de ler. Não tenho outro hobby, não jogo futebol, não tenho o hábito de ir à praia, embora até faça algumas caminhadas,  mas meu prazer e minha convivência maior sempre foram com o livro. Até porque fui professor de literatura brasileira, então eu tinha a obrigação, para ensinar na universidade, de ter a informação a mais ampla possível.
DC - Quais os próximos planos?Sachet - Estou finalizando a pesquisa sobre a literatura de não ficção. São ensaios de autores catarinenses sobre História, Economia, Filosofia, Direito etc. Devo ficar envolvido com isso até o final do próximo ano. Depois, então, estou pensando em reunir os textos que escrevi ao longo dessa vida. São análises literárias. Adoro ler e tirar conclusões sobre o que os outros escreveram, é o papel do crítico. Aliás, particularmente, não gosto do termo crítico. Prefiro a palavra analista. Crítico parece uma autoridade. Analista é descompromissado, eu faço uma análise, outro pode fazer uma diferente. Mas isso é um projeto para daqui quatro ou cinco anos...
http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/variedades/noticia/2012/10/celestino-sachet-lanca-inventario-da-literatura-catarinense-de-ficcao-3929779.html

Sangue em cinzas da ópera "O Bambúrrio" - por Celestino Sachet a respeito do romance "Sangue Verde" de David Gonçalves



             SANGUE EM CINZAS DA ÓPERA “O BAMBÚRRIO”

       CELESTINO SACHET – DOUTOR EM LETRAS E CRÍTICO LITERÁRIO
Autor de duas dezenas de obras de ficção – conto, novela e romance, testadas pelo público leitor em meia centena de edições, entre 1972 e 2014 –, David Gonçalves é um escritor vitorioso.

Mal entrado nos 20 anos, ele decidiu acampar, literariamente, nos sertões da geografia e nas veredas humanas da sociedade. Nas duas primeiras obras, batizadas Procissão de demônios e Bagaços de gente, o escritor de Jandaia do Sul/PR, há muitos anos instalado em Joinville, alimenta história-estória com personagens movendo-se com demônios transformados em bagaços de uma tragédia grega.

É o que se deduz da leitura, entre outras, das obras Terra braba, 1982; O sol dos trópicos, 1991; Acima do chão, 1992; Os caçadores de aranhas, 1996; O homem que só tinha segunda-feira, 1998; Até sangrar, 2001; Adorável Margarida e outras histórias de bichos, 2002; A princesa e o anjo negro, 2010, todas elas, prenúncio do corajoso romance amazônico Sangue verde, publicado em 2014.

Ao festejar o décimo aniversário de sua atividade no campo da ficção, 1982, portanto, o Autor fecha o Terra Braba com esta devota confissão:

"Nasci em Jandaia, cidade onde há trabalhadores rurais abandonando as terras ou sendo expulsos pela tecnologia. Vivi no meio dos peões, dos boias-frias, aprendendo os difíceis caminhos da vida. Suei juntamente com os trabalhadores, aprendi que a servidão está nos homens de todas as partes. Ainda gosto das modas caipiras, do folclore, da terra que vira homem, do homem que vira terra, sofrendo e amando. A terra dos homens de suor é minha força literária."

Sobre Sangue verde, David não esconde que a obra ficou grande demais. A temática assim exigiu. E o leitor está de acordo. De fato: são 399 páginas, sem espaços em branco entre elas, ou dentro delas, distribuídas em quatro partes, sem títulos, que é para o leitor perceber está dentro da Amazônia. Cada uma das partes carrega pedaços de texto como se fossem as cenas de uma ópera em quatro atos. O emaranhado da floresta, do livro, dos desejos e dos comportamentos humanos em longas fatias do tempo.

Dezenas e dezenas de personagens alimentam uma “ópera do bambúrrio”, significando esta última palavra, na linguagem amazônica, “a descoberta casual do ouro ou de uma pedra preciosa”.

Cheios de esperança-desespero, autores dessa ópera mergulham no garimpo, fugido de um Sul sem horizontes ou escapados de um Nordeste sem água. E, que cada nome um leva às costas: Marcão, Antônio Russo, Zeca Maranhão, Tio Nico, Djalmão, Zé das Trilhas, Gabiroba, Zé Coquinho, peão-capataz de Seu Bambico, senador em Brasília, que decide aplicar terrível castigo ao filho, com o doce nome de Juquinha, só porque o garotão ama a quem não podia amar! E tem mais o Doca, o Genuíno, a mulher Pássaro Azul. Enfim, o imenso coro de uma ópera que se preza.

O Djalmão! Que personagem fantástico!

Quem nada no garimpo? Deixa de besteira, homem! Todos sabem que é o Djalmão. O Nego Djalmão. Pois não sabe? Doca sabe. E muito bem. Aquilo não é homem. É um brutamontes. Um selvagem. Um belzebu. Um capeta. Mas quem manda no Djalmão? Ah, isso todo mundo sabe também. É o Pastor, o ruivo grandalhão, que segura numa mão a Bíblia ensebada e na outra o revólver. Djalmão é o diabo mandado. Quem resolve as coisas complicadas no garimpo? A polícia? O Delegado? O padre? O Pastor? Que nada! É o ferrabrás do Djalmão. Alguém duvida? Ora, ninguém é besta. Lá está o homem. Ele não garimpa. Anda de um lado para outro, gingando o corpão. Para que garimpar? Não é seu ofício. Ele ganha para resolver casos complicados.

Ao longo da ópera, David entra na pele de cada um dos personagens, para convencer o leitor a tornar-se um deles e sentir-se incorporado à fauna humana de um paraíso-inferno, movimentando garimpeiros, fazendeiros, grileiros, pastores, todos devorando a Amazônia, para evitar que ela os devore. Terra onde cada árvore é um cifrão e cada buraco aberto no garimpo, um sonho arrancado com sangue em cinzas.

Doca, autor central da tragédia Greco-amazônica, encontra a pepita de ouro sonhada – e como era grande! Para não vendê-la ou para não ser morto pela inveja dos concorrentes, resolve esconder-se num pedaço da floresta que parece disposta a protegê-lo.

O dono da fortuna e David, o autor do enredo, apresentam ao leitor sua amiga vegetal que ampara os dois:

Por onde mirava, a selva se estendia compacta. Tudo se resumia num aglomerado exuberante, arbitrário e confuso, de troncos e hastes, entremeios de ramaria multiforme, serpenteando em curvas imprevistas, em laçadas largas, em anéis repetidos, fortes e fatais, toda uma vegetação de cipós e parasitas verdes, que deixava intransponível algum trecho.

A Amazônia de David Gonçalves está perdendo muito sangue. Mas ela sobrevive com o pequeno sangue que se mistura com as cinzas das árvores queimadas, com a poeira que se levanta das covas dos garimpos, com o desespero de enriquecer de um povaredo em trânsito!

As matas, os homens e os bichos vivendo para o benefício de ninguém: o garimpo termina – almas, coração e murros explodem. E o pior: Sul e Nordeste rejeitam os filhos que fugiram em busca de pepitas que alimentam a dor, enquanto não são descobertas. E que dobram os problemas, depois de estarem guardadas nas mochilas que se escondem nos restos de floresta adentro.

– Até onde? Até quando?

Na última cena do quarto ato, Doca, o garimpeiro que praticamente abriu a ópera, rói terrível situação: para onde ir, agora que está rico e quando a floresta se desnudar por completo? Agora está rico com a venda da pepita. E se não achar outra? Meu Deus!

Procurando ajustar-se, canta a última ária da ópera:

– Para onde vamos? – pergunta-lhe a mulher que o acompanha.

– Do lado que o vento vai. É a resposta.

Sim, ao sabor do vento, ao encontro da vida. Há coisas que não têm explicação. Do lado que o vento vai, nós estamos indo!

Terminados os versos da ária, os dois embarcam naquele último ônibus que retorna a Cuiabá.

E David Gonçalves, depois que degusta a ária, faz correr as cortinas que fecham a ópera, com esse último aviso:

– Havia na paisagem inóspita, enegrecida pela noite, prenúncios de primavera.

[Última frase de Sangue verde! E, porque não, a primeira frase do próximo romance!]



PELA ANTÍTESE
Desfaça-te da tua lucidez,
Envereda pela loucura!
Se quiseres enganar, jura.
Se quiseres conservar, minta.
Não te importa com o que sinta,
Finja sempre ter aquilo que te pedem
E adia...
Que eles mudarão de ideia, certamente,
Um dia.

-Nelson Bortoletto- Publicado em " Conspiração do Lyrio"

Maçã do amor - Conto / Odenilde N. Martins


De minha juventude, guardo muitas lembranças, especialmente da praça que ficava no centro da cidade, em frente à rodoviária. Muito democrática, era o point para todas as idades, abria-se para jovens, velhos, ricos e pobres, sem distinção. 

Vinha gente das redondezas para admirar a fonte luminosa, em forma de nave espacial, que jorrava água com as cores do arco-íris. Era um espetáculo e tanto! Não me cansava de apreciá-la. Era bonita demais!

Embaixo da fonte luminosa, uma saleta, dali saía o som que podia ser ouvido de longe, chamando as pessoas para a praça. Pouco antes das dezoito horas, os bancos de cimento já estavam quase todos ocupados. Por ali, circulavam vendedores de pipoca, maçã do amor e outras guloseimas. Quantas vezes não sonhei com o momento em que ouviria meu nome através do alto-falante no exato instante em que recebia uma maçã do amor, oferecida pelo garoto que povoava meus sonhos mais românticos.

Brota de meus lábios um sorriso toda vez que me vêm à cabeça as lembranças daquele tempo. Como não sorrir?

- O que tem essa menina hoje? Tá com espinho nos pés que não para? Te aquieta! Vai cuidar de arrumar a casa. A louça tá na pia te esperando. Dô um jeito já, já nesse bicho-carpin­teiro!

- Mãe, posso ir na praça hoje? Posso? Posso? Por favor, mãe! Todo mundo vai!

- Não sei, vá pedir pro teu pai.

- Teu irmão vai com você – responde meu pai, atendendo meu pedido.

Com essa eu não contava! Meu irmão como guarda-costas! Lá se iam meus planos! Logo agora que eu resolvera agir.

Corri para o quarto para verificar, em meu cofrinho, a quantas estavam minhas finanças. Teria que subornar meu irmão caçula. Mas como afastá-lo da praça? Era preciso planejar! Nada de ficar com rabo preso, pois tudo seria usado por ele para obter o que quisesse de mim!

Por mais que pensasse, não me vinha uma ideia salvadora! Meus planos... eu os via indo por água abaixo. Pense! Pense! A cabeça não funcionava.

Às 18h, o locutor anunciava a Ave Maria, era assim que se enchia de sons a pequena praça. Todos acompanhavam, emocionados, a oração. Em seguida, vinham os anúncios do comércio local entre uma música e outra, que era oferecida por alguém a “alguém muito especial”. 

Meus olhos ansiosos passeavam por todos os cantos, buscando, buscando e... nada! Se ele não viesse, ia demorar muito antes que meu pai permitisse que eu voltasse ali. “Venha, por favor, venha” – apelava para a força do pensamento positivo, mãos e pés suados, gelados, por conta da expectativa.

O tempo estava contra mim, algumas pessoas já se retiravam e nem sinal dele. Já havia gastado boa parte de minhas economias na compra de guloseimas para meu guarda-costas na tentativa de mantê-lo afastado. “Idiota!”- gritava-me uma voz interior –“ Vá pra casa ou quer gastar todo seu dinheirinho com esse pirralho?”

Levantei-me disposta a ir para casa para dar vazão a minha frustração e ira, socando o travesseiro. Há dias que tudo conspira contra a gente, até aquele moleque dos infernos havia sumido, de graça. À medida que o procurava, mais aumentava a irritação. Era só o que me faltava! Parecia que o fedelho tinha evaporado! 

Em brevíssimo tempo, a irritação deu lugar ao pânico. Pensei que o melhor era ir para casa, quem sabe ele tivesse me procurado e, não encontrando, tivesse retornado. Esse pensamento me atingiu como um soco no estômago! Estava frita! Apressei o passo, a estas alturas, meu pai já devia estar em meu encalço. A frustração de meu encontro amoroso sumiu, tinha preocupações muito maiores, como arranjar uma boa desculpa para o fato de meu irmão não ter me encontrado. Era tanta a preocupação que não conseguia sequer organizar as ideias, “o que vou fazer?”

Uma colega de sala de aula me chamou, nem me virei, segui andando rapidamente, tinha ainda, para enfrentar, a escuridão da estrada. Confesso que nunca fui muito corajosa, sempre tive verdadeiro pavor de morcegos, e havia muitos voando por entre as várias árvores frutíferas que ladeavam a trilha que dava acesso a nossa casa.

Há dias que tudo dá errado. Parecia que um urubu tinha pousado em meu ombro. “É muito azar!- resmungava com meus botões, quando, subitamente, fui agarrada pela manga da blusa:

- Algum problema, Otávia? Por que você está correndo? – era minha colega de sala de aula.

- Não consigo encontrar meu irmão.

- Ele está ali, embaixo da mangueira, conversando com o Onofre.

Senti meu rosto queimar, devia estar feito um pimentão maduro! Ali estavam meu irmão e o garoto que eu amava num papo animado com outros rapazotes da turma.

- Preciso ir ao banheiro – disse a minha colega, como pretexto para afastar-me, pois o tempo urgia.

Vinte minutos depois, lá estava eu indo em direção ao grupo de meninos, o coração aos pulos, querendo sair pela boca. Distante deles uns poucos metros, chamei meu irmão.

- Pedro! Pedro!- chamei em vão, pois o som de minha voz foi abafado pelo som do alto-falante que anunciava:

“Em nome da panificadora Doce Beijo, a música a seguir é um oferecimento de “O” para “O” como prova de amor. É mais um coração apaixonado, minha gente!”

Puxei meu irmão pelo braço no exato momento em que a música começou a tocar:

Feche os olhos e sinta
Um beijinho agora
De alguém
Que não vive sem você
Que não pensa
Nem gosta...

Chegou,neste momento, o vendedor de maçã do amor e entregou uma a Onofre, dizendo:” De “O” para “O”.

Os olhares caíram sobre mim como um raio, e ouvi meu irmão dizendo:

- Foi você! De Otávia para Onofre! 

A gargalhada foi geral e o meu amor, que também não passava de um menino, estava mais envergonhado do que eu.

- Não fui não! – a negativa saiu em tom de desespero e o rubor que tomou conta de meu rosto só serviu para confirmar o que todos haviam concluído.

Para meu desalento maior, Onofre jogou a maçã na lixeira e saiu, furioso, acompanhado por um coro de risadas. Maldita ideia! Havia estragado tudo e ainda tornara o rapaz motivo de chacotas.

O trajeto até em casa nunca me pareceu tão longo, meu irmão foi imitando o locutor e cantando a música o tempo todo e quanto mais eu me defendia, mais parecia culpada. Sabia que o pior ainda estava por vir.

Eu e Pedro dividíamos pequenos trabalhos domésticos, revezando-nos na limpeza do quintal, arrumação da cozinha e outras coisinhas mais. Meu tormento começou na manhã seguinte.

- Quero essa cozinha arrumada logo. Ouviu Pedro?-intimou minha mãe, pois sabia que era um trabalho fazer o pirralho se mexer.

O moleque limitou-se a dizer:

- De “O” para “O”- e começou a cantar:

“Feche os olhos e sinta
O meu beijinho agora...”

Pronto! Tinha começado a chantagem!

- Deixa que eu lavo a louça e arrumo a cozinha, mãe.

Ela olhou meio desconfiada, mas não disse nada. E assim foi-se o fim de semana, comigo fazendo o meu trabalho e o de meu irmão.

Na segunda-feira, no momento em que entrei na sala de aula, fui saudada por um coro:

“Feche os olhos e sinta
O meu beijinho agora...”

Um dos garotos levantou e dirigiu-se ao Onofre, imitando o vendedor de maçã do amor: “De “O” para “O”.” Queria que, naquele momento, o chão se abrisse e me tragasse. Fiquei feito estátua, parada no meio da sala, até que a professora ordenou que eu me sentasse. Que manhã longa! Fui a diversão da escola toda e ainda precisei suportar os olhares de raiva que me eram dirigidos por Onofre, que também se tornara alvo dos deboches.

Em casa, a escravidão que meu irmão me impunha, durou até o dia em que minha mãe me pegou fazendo as tarefas escolares dele. 

- Não tem greguê pra dizer Gregório, agora vocês dois vão me contar tudo ou a cinta vai pegar parelho.

E Pedro contou o que tinha acontecido, sem poupar detalhes, inclusive as piadas na escola.

- Você vai fazer todo o serviço por dois meses, que é pra aprender que não deve se aproveitar do erro de ninguém – disse ela a Pedro, - E você, até o final do ano, não bota os pés fora de casa, a não ser pra ir pra escola.

Ambos até esboçamos um protesto que foi imediatamente calado pelo olhar ameaçador de nosso pai.

O garoto que eu amava passou a me detestar, por vários dias servi de capacho de meu irmão, o castigo foi bastante longo e ainda carreguei por muito tempo o apelido de “Maçã do amor”. Custou-me caro por demais aquela ousadia amorosa.


Odenilde N. Martins