Saudade dos meus natais - crônica - Odenilde Nogueira Martins

A vida era mais simples, sem muita correria e, especialmente, sem tanta ansiedade. Havia tempo para as brincadeiras de roda que tanto me encantavam. Havia tempo para longas conversas com os amigos sentados no meio-fio de uma rua qualquer. Havia disposição para tudo! Parece que, naquela época, o tempo era mais benevolente, corria diferente, sem provocar sobressaltos quando se olhava o calendário. 

Quando novembro chegava, começávamos uma espécie de contagem regressiva, logo seria dezembro. Mas como o mês natalino demorava! Cada dia desse mês que passava, era caprichosamente riscado, menos um! As pessoas mudavam, tornavam-se mais cordatas, as crianças mais comportadas, havia as advertências de que Papai Noel estava vendo cada desobediência, cada teimosia, a nota escolar e até o banho mal tomado. A mãe dizia que ele tinha uma caderneta em que anotava tudo. De diabinhos passávamos a anjinhos, não queríamos correr o risco de Papai Noel ficar zangado e nos deixar sem presente. 

Na semana que antecedia o Natal, o ar ficava impregnado de um adocicado aroma de baunilha, cravo, canela e noz moscada, sinal de que começara a produção de bolachas. Bolachas que ganhavam diferentes formas e, algumas, até recebiam olhinhos pretos feitos com grãos de feijão. Algumas vizinhas se reuniam, uma montanha de massa era feita, os fornos a lenha queimavam o dia inteiro e latas e mais latas enormes iam sendo cheias de bolachas cuidadosamente dividas em partes iguais. E nós por ali, rondando... Rondando, na esperança que algumas se partissem e que nossa gula fosse saciada.
No dia 23, era o dia das cucas! Nossa! Até hoje não conheço ninguém que as faça tão deliciosas. Minha mãe gastava o dia inteiro para fazê-las: “O segredo é bater a massa várias vezes e ir acrescentando canela, raspinha de limão, baunilha... – dizia sempre. E ela as fazia com amendoim torrado, frutas cristalizadas e só de massa: “- Tem quem não goste com amendoim ou com fruta” – explicava. Nunca aprendemos a fazê-las.

Não havia correria ao comércio. O presente, que ganhávamos, era comprado no pequeno empório do bairro e vinha acompanhado de uma muda de roupa nova. Lembro-me da alegria que senti quando, em um Natal, ganhei meu primeiro sutiã! Foi demais! Sinal de que eu já era uma mocinha e, quem sabe, já pudesse namorar!

Nos natais de minha infância, os perus não corriam perigo, as galinhas sim. Estas eram trancadas no galinheiro para engorda e eram servidas com um recheio que só minha mãe sabia fazer. ´”- Era assim que a avó de vocês fazia o recheio, bem italiano.” 

Não havia balada depois da ceia, saíamos à rua para mostrar uns aos outros os presentes recebidos. Todos comprados no mesmo empório e já vistos, revistos e admirados por todos. Não havia hora para nos recolhermos, já que os adultos também reuniam-se em animadas conversas e planejavam o churrasco do dia seguinte.

E assim lá se ia mais um Natal, com simplicidade. Sem a ressaca de preocupações com dívidas contraídas. Hoje sei que éramos verdadeiramente felizes! Que saudade dos natais de minha infância!


Odenilde Nogueira Martins.

O mito grego de Eros e Psiquê

Muitos são os mitos gregos repletos de beleza e ensinamento que, todavia, permanecem válidos até os dias atuais.

Joseph Campbell, o maior estudioso na área de mitos nos diz que os mitos não são uma mentira. Segundo Campbell, mitos são poesia e metafísica, o que conecta muitas verdades atemporais em diferentes histórias, de modo que chamamos de “mito” as religiões ou tradições dos outros, as quais não compreendemos, e nunca as nossas em questão.

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O Mito de Eros e Psiquê

Psiquê era filha de Mileto, um rei mortal, e a mais bela de suas três filhas. Ela era capaz de despertar a admiração de qualquer pessoa e vários viajantes de lugares longínquos vinham de longe para apreciar tamanha beleza, pois jamais tiveram visto alguém tão belo como ela era. Na Grécia Antiga, só era conhecida a beleza de Eros, o deus do Amor, e de sua mãe Afrodite, a deusa da Beleza, de forma que as pessoas se admiravam por nunca terem contemplado pessoalmente uma beleza tão peculiar.

As irmãs de Psiquê, que não eram tão belas, logo se casaram, porém a jovem não, pois nenhum homem, apesar de achá-la muito bonita, tinha coragem de casar-se com ela e assumir tamanha responsabilidade. Logo, o rumor de sua beleza chegou à Afrodite, o que de fato deixou-a muito zangada.

Afrodite, a fim de não perder sua autoridade como deusa da Beleza, convocou uma reunião com os outros deuses do Olimpo e todos eles concordaram com o plano de vingança que ela havia elaborado.

Assim sendo, o rei, preocupado com o destino da filha, resolveu consultar os oráculos e todos eles deram a mesma resposta: a de que Psiquê não havia encontrado ainda um pretendente por seu destino já ter sido traçado pelos deuses. Ela estava condenada a casar-se com um terrível monstro e nunca mais ver sua própria família. Os pais, muito tristes pelo destino da filha e temerosos de contrariar ordens superiores, foram mandados pelos deuses a vestirem-na com trajes de núpcias e colocarem-na num alto de um rochedo para ser desposada pelo monstro.

E assim fizeram: banharam-na e vestiram-na com os trajes, de maneira que a jovem foi deixada no alto do rochedo. Já cansada esperando o marido para desposá-la, ela resolveu se deitar e adormeceu, até que um vento muito forte, Zéfiro, soprou e a levou pelos ares e Psiquê foi transportada para um lindo vale. O local parecia um cenário de sonhos: havia um castelo enorme de mármore e ouro e vozes sussurradas que lhe informavam tudo o que precisava fazer. Ela foi guiada a um enorme banquete, com as mais diversas especiarias pela voz e depois para um quarto muito aconchegante para que pudesse descansar. Ao ir para o aposento, logo percebeu que alguém a acompanhava e a voz lhe disse “sou o seu marido”, de forma que ela descobrira então que era este o marido que lhe havia sido predestinado que, todavia, estava usando um manto e uma máscara.

Ele era extremamente carinhoso e a fazia sentir bastante amada, nunca deixando faltar nada para o seu bem-estar. Todavia, ele havia colocado uma condição: ela não poderia ver a sua face, dizendo: “Você precisa confiar em mim, pois um dia irá saber. Se vir minha face, me perderá para sempre. Apenas confie”. Psiquê concordou com a condição e permaneceu com ele, muito feliz por sinal.

O marido aparecia somente à noite, deixando tudo ao seu dispor, de forma que, quando amanhecia, ele desaparecia. Com o passar do tempo, mesmo se sentindo extremamente feliz porque seu marido era o melhor dos esposos e a fazia sentir o mais profundo amor, ela resolveu fazer-lhe um pedido arriscado: o de ir visitar seus pais e as irmãs, mesmo sabendo que era contra a regra do oráculo. O esposo, após muita insistência de Psiquê e contrariando a regra dos deuses, informou que algo terrível aconteceria. Psiquê continuou insistindo até que ele permitisse, por fim, que as irmãs a visitassem.

Ao chegarem, as irmãs se depararam com o grande e farto palácio e sentiram muita inveja de Psiquê, pois além de não serem tão bonitas quanto ela, seus maridos não detinham tantos bens. Elas encheram Psiquê de perguntas sobre o marido e sua aparência, de maneira que a jovem ela acabou revelando que nunca houvera visto seu rosto anteriormente. Elas especularam: “Psiquê, você já pensou na possibilidade de que seu marido seja um monstro? Você deve ver seu rosto para ter a certeza!”. Após irem embora, a dúvida foi então gerada na mente de Psiquê.

Dias se passaram e, em uma das noites, ela pediu para que o marido deixasse ver o seu rosto, o que foi prontamente negado. “Você deve confiar em mim, Psiquê” – Replicava o marido.

Num outro dia, a jovem ainda se sentindo sozinha, pediu ao marido que a deixasse pelo menos ver as irmãs pela última vez. Ela alegou que nada havia acontecido da última vez que se encontraram, convencendo por fim o marido a permitir a visita novamente, de forma que este a advertiu, mais uma vez, para que ela tivesse muito cuidado com as próprias irmãs.

As irmãs chegaram outra vez e retomaram o mesmo assunto sobre ela nunca ter visto o rosto do homem. Psiquê, vencida pela dúvida, pergunta para as irmãs como ela poderia então fazer para ver o rosto do homem. Uma delas respondeu: “leve consigo uma vela e uma faca. Ao anoitecer, quando ele adormecer você acende a vela e, no caso dele ser um terrível monstro, mate-o imediatamente antes que ele ataque.”

Nessa mesma noite, com o coração totalmente tomado pela curiosidade, após o homem adormecer, ela acendeu uma vela e procurou ver o rosto do marido. Para seu espanto, viu o próprio Eros, criatura de extrema beleza e ficou totalmente extasiada e encantada pela beleza estonteante do marido oculto, que teria feito esse pedido para que a esposa se apaixonasse pelo que é e não somente por sua beleza. Psiquê ficou tão deslumbrada pela visão do esposo que não percebeu que uma gota da cera da vela pingara no peito do amado e isso o fez acordar assustado. Ele, ao ver que ela tinha quebrado a promessa, prontamente desapareceu, como num passe de mágica, junto com o palácio e tudo o mais.

Sozinha e infeliz, Psiquê começou a vagar pelo mundo. Um dia, em extremo sofrimento e amargura, de tanto implorar aos deuses uma nova chance, ela foi levada para a presença da própria Afrodite.

“Você desobedeceu a ordem dos deuses, perdeu meu filho para sempre” – disse Afrodite. Psiquê, após tanto implorar dizendo que faria de tudo para ter o amado de volta, se submeteu aos desafios de Afrodite.

O primeiro deles foi o seguinte: Afrodite levou Psiquê a uma sala, onde havia uma enorme pilha de grãos, todos misturados. A jovem deveria separar a pilha em pequenos montes de feijão, ervilhas, milho, cevada, e outros grãos que ela mal conhecia antes do anoitecer. Incrédula diante de tamanho desafio, Psiquê se desanimou diante dessa primeira tarefa, até surgir um pequeno grupo de formigas que se encarregaram do trabalho, colocando cada grão em seu devido monte.

Não acreditando em como ela conseguiu realizar a tarefa, Afrodite colocou um segundo desafio: a tarefa de obter um punhado de lã dourada dos carneiros selvagens. Desta vez, Afrodite acompanhou Psiquê a um campo onde pastavam os carneiros, animais extremamente perigosos, mas dotados de algumas mechas de tal lã. Psiquê sabia que poderia ser morta ao chegar perto deles e, mais uma vez, não acreditou que conseguiria realizar sua missão. Quando deixou o desespero de lado e passou a observar os carneiros, percebeu que os animais se coçavam esfregando-se nas árvores. Psiquê esperou, então, o anoitecer e, quando os animais se afastaram, ela colheu calmamente os fios dourados que ficaram nas árvores.

Já era demais para Afrodite, que elaborou desafios impossíveis para que Psiquê entendesse o valor do “o perderá para sempre”. Assim, esta lhe atribuiu uma terceira tarefa: Afrodite entregou a Psiquê uma jarra de cristal que deveria ser cheia com a água negra que caía de uma cascata muito alta. Para chegar perto da água, Psiquê precisava caminhar pelo musgo, portanto poderia facilmente escorregar, cair e quebrar a jarra. Era praticamente impossível alcançar aquela distância toda e apanhar a água com segurança.

Eis que uma águia tornou-se o referencial para a solução: o animal apanhou em seu bico a jarra, encheu-a d’água e voltou, entregando-a com segurança nas mãos de Psiquê.

Mais uma vez, não acreditando na capacidade da jovem, Afrodite lançou o quarto e último desafio, o qual tinha certeza de que ela não passaria: a tarefa de Psiquê descer até o mundo subterrâneo para pegar uma caixa e devolvê-la à Afrodite. Além do medo do mundo subterrâneo, a moça sabia que no caminho encontraria diversos espíritos que lhe pediriam ajuda, tentariam dissuadi-la de realizar a tarefa ou simplesmente dificultariam seu trabalho.

O grande desafio de Psiquê era manter-se fiel ao seu objetivo. Algumas vezes, disse não às pessoas que a interpelaram, outras vezes, as atendeu, mas nunca deixou de priorizar suas metas. Assim, ela chegou ao mundo subterrâneo e pegou a caixa das mãos de Hades. Porém, no caminho de volta, Psiquê não podia conter sua curiosidade e abriu a caixa: prontamente ela caiu em um sono profundo com o pó de Morfeu que havia dentro do objeto.

Eros, consternado com a situação, implorou misericórdia a Zeus, que depois de muito declinar, acabou aceitando suas condições. Afinal das contas, foram atribuídos a ela desafios impossíveis, que todavia ela conseguiu realizar. Ele então a beijou e Psiquê e esta foi transformada numa deusa, de forma que jamais pudera voltar ao mundo dos humanos novamente. Eles então se casaram no plano dos deuses e a partir daí, Eros e Psiquê nunca mais se separaram e viveram felizes para sempre.

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Análise do mito
O mito de Eros e Psiquê possui muitos valores a serem ensinados. O primeiro deles, como podemos perceber, é a questão de que Psiquê desde cedo se mostrava diferente dos seres humanos comuns, possuindo um significado intrínseco que pode ser interpretado como as nossas virtudes. Todos nós admiramos a virtude e as pessoas virtuosas, porém assim como os homens que não tinham coragem de pedir Psiquê em casamento, nós não assumimos as virtudes para nós, permitindo que vivamos experiências que muitas vezes sabemos que serão infrutíferas para a nossa evolução.

Nosso tempo pode ser comparado com um arqueiro com um número de flechas limitado em uma floresta: este mesmo arqueiro não atirará suas setas a esmo e sim procurará analisar bem o seu alvo a fim de acertá-lo. O alvo é pequeno e exige conhecimento e uma boa pontaria, de forma que o espaço fora deste mesmo alvo é muito maior e nos dá inúmeras possibilidades de atirarmos, porém sem direcionamento algum. Nosso tempo, assim como as setas, é limitado e por isso precisamos selecionar melhor as nossas experiências.

Psiquê, sendo destinada a “casar-se com um monstro”, representaria a nossa união com a saída do processo de ignorância, pois quanto mais adquirimos conhecimento, mais percebemos que todo o universo é regido por leis, as quais devemos respeitar e estudar a fundo. Sair de uma posição de conforto proporcionado por uma crença é algo doloroso, pois neste processo percebemos que somos nós os responsáveis por nossas próprias tragédias e aquilo que permitimos que aconteça em nossas vidas. As guerras, crueldades e todos os desastres humanos são a soma dessa falta de conhecimento que temos, de modo que torna-se mais fácil atribuir a culpa de nossos sofrimentos em eventos, pessoas ou divindades externas do que a nós mesmos.

Psiquê se une a Eros, que não se revela prontamente. Como qualquer pessoa facilmente se uniria a um deus, Psiquê deveria provar seu amor verdadeiro através da confiança, pois caso soubesse que “o mostro” fosse o deus da beleza, assim como qualquer pessoa, prontamente aceitaria o casamento. Ela se deixou levar pela dúvida imposta pelas irmãs, ou seja, pelas forças externas que nos puxa para baixo, assim como nos faz a sociedade.

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Os desafios de Afrodite

Tendo se dado conta do erro, Psiquê voltara à sua condição anterior de solidão, o que a fez se sentir extremamente infeliz. Ela reconhece o seu erro e mesmo sabendo que perdera Eros para sempre, acaba persistindo e colocando suas forças em cumprir os desafios impostos por Afrodite.

No primeiro desafio Psiquê trabalharia o discernimento, já que tinha de selecionar os grãos e para isso deveria ter conhecimento – trata-se de um domínio físico da matéria, começando por sua organização. No segundo desafio, Psiquê trabalharia a virtude da percepção, a fim de bolar estratégias para apanhar a lã dos carneiros selvagens sem se prejudicar. Os animais selvagens em vários mitos representam nossos instintos e as questões de nossos corpos que deveríamos dominar para evoluirmos.

O terceiro simbolizado pela águia, uma imagem ícone do império Romano, faz alegoria com a Sabedoria, uma vez que este animal voa alto e pode enxergar a tudo. Neste desafio, Psiquê enfrentaria um processo de domínio emocional também simbolizado pela água, que se refere às emoções em mitos de várias culturas.

Por fim, desafio de fogo de Psiquê de descer até os infernos para apanhar a caixa de Hades parecia ser o mais fácil, sendo na verdade o mais enganoso. O fogo é sempre apontado como o intelecto, assim como no mito de Prometeu ao roubar o fogo do Olimpo e distribuir aos homens, dando a eles a capacidade de serem como os deuses também. Psiquê então desceu a um plano obscuro de sua mente e ali deixou-se vencer mais uma vez por aspectos não superados: a curiosidade de fazer algo que não lhe competia.

Podemos perceber que o mito nos mostra uma aptidão que o ser humano tem para não fazer coisas que lhe compete como também a aptidão para fazer aquelas coisas que não lhe compete.

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E o que temos a aprender com o mito?

Valores como superação, persistência e busca pelo aprimoramento pessoal são aprendidos no mito de Eros e Psiquê. Percebemos que mesmo que existam forças externas impostas pela sociedade que possam nos levar para baixo, devemos nos manter firmes aos nossos valores e àquilo que nos transforma em seres humanos melhores.

O domínio de nossas falhas são desafios impostos a nós todos os dias, de maneira que sempre estaremos, a cada instante, tendo de superar algo dentro de nós mesmos.

Também no mito a natureza sempre esteve presente, auxiliando Psiquê a chegar onde pretendia, o que significa que jamais estaremos sozinhos e que tudo, inclusive as piores experiências, acontece para nosso aprimoramento pessoal.


Texto por: Luciana Calogeras

http://universointeligente.org/veja-o-que-o-mito-grego-de-eros-e-psique-tem-a-nos-ensinar/


A professora Tarsila Baylão resolveu utilizar sua rede social para compartilhar um conteúdo incrível que muito tem ajudado seus alunos: uma esquematização visual dos conteúdos ensinados em aula.

Há seis anos graduada, Tarsila leciona Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Redação. Ela passou bastante tempo planejando a estrutura de seu novo método, consultando vídeos no Youtube e em outros sites para elaborar esquemas e publicar no Facebook as fotos tiradas de sua nova metodologia de ensino.

Rousseau

Para Rousseau, o Homem nascia livre e bom, a sociedade é que o corrompia. Suas ideias podem ser sintetizadas com a belíssima frase inicial de sua principal obra, O Contrato Social,: "“O homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhoado; o que julga ser senhor dos demais é, de todos, o maior escravo".

Dor - conto - Odenilde Nogueira Martins

Dor

            Parecia que lhe esmagavam o peito, tamanha era a dor que sentia.
            - Sua vaca! Você trouxe essas merdas aqui! Você vai me pagar! Te suma da minha frente e leve essas fedorentas daqui!
            Foi assim que a mãe gritou-lhe ao avistar, chegando ao portão, as duas fisioterapeutas, que a custa de muita economia, os filhos contrataram para reabilitá-la, fora vítima de um AVC isquêmico.
            Dona Leôncia fora encontrada caída no chão de seu quarto por um dos filhos. Ficara internada em uma unidade especializada em AVC agudo por vinte dias, depois, transferida para um hospital clínico por mais dez. Foram dias muito sombrios e, alguns deles, sem esperança de que teriam a mãe de volta.
            No entanto, lá estava dona Leôncia de volta a casa. O Natal foi comemorado com muita gratidão a Deus por permitir que ela voltasse. Tinham pela frente um caminho árduo, sabiam disso.
            - Mãe, por favor, se acalma. Elas estão aqui para te ajudar a deixar a cama, para que você volte a andar.
            - Cala a boca! Eu vou quebrar a tua cara! Eu não comando mais a minha vida? Já não disse que não quero? É você que decide na minha casa? Sua vaca! Cadela!
            - Mãe, por favor, é para o teu bem. Nós só queremos te ver andando novamente. Se você não fizer a fisioterapia, vai ficar entrevada na cama.
            A cena descrita já acontecera outras vezes desde que a reabilitação começara, e a dor também não era nova, mas sempre sentida com a mesma intensidade pela filha.
2
            - Nelson! Nelson! Onde se enfiou esse homem de Deus!
            - O Nelson tá no outro mundo, mulher!
            - Eu sei!
            - Então, por que tá chamando? Quem eu sou?
            - Não tô chamando! Você tá louco, Mauro! Onde é que você tava que demorou tanto? Atrás de mulher, seu sem-vergonha! Pensa que eu sou boba? Tô de olho aberto com você. Vou contar pro meu filho. Você vai ver! Vou te mandar embora! – gritava, dedo em riste.
            - Se me mandar embora, quem vai cuidar de ti?
            - Arrumo outro!
            Todas as noites, era Nelson, o falecido marido que dona Lia chamava. Parecia que Mauro, o marido atual, não existia em sua memória delirante. Sofrera um AVC no mesmo dia que dona Leôncia. Tem três filhos que não aparecem nunca! É o pobre Mauro, chamado nos delírios por Nelson, o falecido, quem ficava vinte e quatro horas, todos os dias, como acompanhante.
3
            - Então você vai viajar? Para onde?
            - Vou para a Europa.
            - Com quem?
            - Com três amigas.
            - Está cheio de “amigas”!
            - É verdade. Sempre estive cercado de muitas mulheres.
            - Por que veio aqui se tem tantas mulheres?
            - Vim te visitar. Você é minha amiga.
            - Que amiga! Não quero ser tua “amiga”!
            - Parece que está com ciúme! Não tenho culpa se as mulheres vivem me cercando! – tudo foi dito com voz e trejeitos efeminados pelo homem de cabelos brancos a uma senhora de noventa e dois anos! - Eu e você somos amigos. Só isso! Não quero nada mais com você.
            - Ele gosta muito de mim. Casa comigo na hora que eu quiser. Para a minha família, ele é meu noivo - dizia dona Valda a uma moça que se encontrava no quarto, depois que o assediado pretende saiu. – Eu é que não me decidi.
            Dona Valda se expressava muito bem, era pintora e contava que o filho construíra um atelier novo para que pudesse pintar em um espaço amplo, arejado e com boa iluminação.
            Mayara estranhou o filho ter se preocupado em construir-lhe um bom atelier, já que no dia em Valda chegou, ele a deixou dizendo que voltaria logo e nem sinal. A senhora passou a noite sozinha. Quando foi servido o lanche da noite, penalizada, a moça acordou a anciã:
            - Dona Valda, trouxeram um lanche. A senhora quer comer?
            - Ah! O meu filho trouxe? Onde ele foi? – perguntou ansiosa, os olhos correndo pelo quarto.
            - Não. O seu filho ainda não chegou. Quer que eu ajude a senhora a sentar-se?
            - Sim. Obrigada, minha filha. Eu não consigo comer deitada. Será que você pode me dar um copo de água? O meu filho disse que ia buscar um ventilador e que já voltava.
            - Então ele não vai demorar.
            Mayara nunca viu o tal filho. Quem passou a acompanhar a mulher, durante a noite, foi uma jovem estagiária de enfermagem, paga pela própria Valda. Durante o dia contava com a ajuda de outras pessoas que por ali passavam, enquanto se recuperava de uma pneumonia.
4
            - Essa balofa, aí do lado, roubou uma blusa minha! – gritava dona Leôncia, apontando para Lia.
            - Não, vó. Ninguém roubou nada – tentava acalmá-la, Silmara, a nora.
            - Roubou sim! Eu vi! Tá dentro da bolsa dela. Pegue a minha blusa!
            - Vó, não faz assim. Dona Lia vai se ofender.
            - Devolva já, sua ladrona!
            - Eu não roubei nada – defendia-se a mulher. – Pode olhar!
            - A senhora desculpe. Claro que a senhora não roubou. Dona Leôncia está confusa – explicava a nora, tentando desculpar a atitude da sogra.
            - Ela tá roubando todas as minhas coisas! Até os meus cremes e sabonete. Quero a minha blusa de volta! – gritava.
            Quando a filha chegou ao hospital, encontrou a mãe vestindo uma camiseta cor de abóbora, com os pés calçados e de fralda geriatra.  O olhar da cunhada dizia: O que fazer? Explicou que, com a permissão de dona Lia, mostrara a Leôncia as coisas de sua bolsa. A camiseta regata, segundo a sogra, fora roubada e para garantir que não mais seria furtada, fez com que a vestissem.  Mayara não sabia se ria ou se chorava, a cena era no mínimo tragicômica.
5
            Ainda não conseguia entender sua incapacidade de ver a fragilidade daquela mulher. Para ela, a velhice, a fraqueza muscular e óssea, a carência de atenção, eram insignificantes. Ela era uma mulher forte, altiva e independente.
            - Seis filhos e ninguém pra me socorrer! – foi o que disse, ainda de maneira clara.
            Era terça-feira, 11.30, quando entrou em casa, o celular, que havia deixado sobre a cama, estava tocando. Era um de seus irmãos, que sequer conseguia lembrar qual deles, dizia-lhe:
            - Nossa mãe está aqui no Hospital Santo Antônio. Ela está muito mal.
            O resto de que foi falado, também não se recorda. Se é que algo mais foi dito.  Incapaz de entender o que estava acontecendo, viu-se diante do hospital.
            “Minha mãe em um hospital!” – pensava incrédula. Aquela mulher, que sempre vira como uma rocha, em um hospital?
            “Deve ser um engano ou um afobamento de meu irmão que sempre foi muito medroso quando o assunto é saúde” – tranquilizava-se.
            Como atravessou a rua? Não sabe. Passando pelo portão, viu seus irmãos. Era claro o desespero no rosto de cada um. Santiago estava sentado sobre uma mureta com o rosto encravado entre as mãos, soluçando convulsivamente.
            “Meu Deus! O que era aquilo tudo? Minha mãe! Imagine! Eles devem estar dramatizando!” – tentava convencer-se.
            - O que aconteceu? Por que a mãe está aqui?
            - Ela teve um AVC – respondeu uma das irmãs. – Nós te ligamos muitas vezes, deixamos mensagens, mas você não atendia.
            “Eu e minha maldita mania de achar que não devia levar celular para a escola, já que é expressamente proibido o uso do aparelho pelos alunos. Amaldiçoou o meu senso de “certo” e “errado”, a obsessão em cumprir regras!”- maldizia-se.
            - Às cinco horas me levantei pra ir ao banheiro, vi a luz do quarto dela acesa e pensei: “A mãe tá se levantando agora, dá pra dormir mais um pouco. E voltei pra cama.” Às sete e pouco, levantei pra me arrumar pra trabalhar, olhei pela janela, vi que a porta estava fechada e a cuia de chimarrão estava em cima da mesa. Chamei:
            - Vó! Tá tudo bem? – ouvi ela resmungar e pensei: “Tá no banheiro escovando os dentes.” Fui no muro e chamei novamente e ela resmungou. Pensei que ela estava mesmo escovando os dentes. Entrei, terminei de me arrumar, peguei a moto e falei pra Miranda:
            -Venha junto. Vamos passar na mãe pra ver se está tudo bem. A Miranda entrou e eu fiquei no portão, em cima da moto. A Miranda olhou pela janela do quarto e ela estava caída no chão. Arrombei a porta, deixei a moto, peguei o carro e levei pro PA. É o mais perto. O médico examinou, botou na ambulância e veio acompanhando. Disse que ela teve um AVC e que o atendimento nas quatro primeiras horas era muito importante para a recuperação dela.  Quanto tempo ela estava caída? Por que eu não fui lá quando vi a luz acesa? Por quê? Meu Deus! Por que eu não fui lá antes! – lamentava-se, desesperado.
            - Estava na casa dela e fui dormir na casa da minha cunhada ao invés de ficar ali. Falei pra ela: “- Vó, eu vou dormir lá na Mari. Ela me ajuda a passar a limpar o terreno e depois venho limpar a tua casa. Ela me disse: “Pode ir”. Ela estava bem! Se eu tivesse ficado, ela tinha sido socorrida antes. Por que eu não fiquei! – dizia em pranto uma de minhas irmãs.
            Por que, por que... Por quê? As culpas começaram a ser confessadas, pensava que era a forma de se aliviar o desespero. Como não perceberam que a mãe estava vulnerável, que tinha envelhecido? Setenta e seis anos! E achavam que nada lhe aconteceria! Refletia, agora, que existe uma incapacidade de se perceber que os pais são mortais, assim como quando jovens, a mãe é um ser assexuado. Não se enxerga a mulher com necessidades de mulher. Acha-se que mãe sempre vai estar por perto para confortar e segurar a barra, inquebrável, forte, inatingível pelas mazelas, que no dia a dia atingem outras mães! A deles não! A deles viveria para sempre! Triste engano! E quando nos deparamos com a realidade, ficamos completamente desprotegidos e cheios de culpas. A mãe não mais estaria por perto para perder sono, por causa de um dos filhos, sofrer porque sofriam, sempre vigilante as suas falhas, aos seus problemas. A mulher que jamais se arcaria, está ali... Completamente indefesa e pode deixá-los em um segundo! Como lidar com essa verdade? Tirar forças de onde se é ela quem sempre fez isso?
            Ah! Dona Leôncia! Que vida a tua! As lembranças corriam por sua cabeça. Estava diante de Mayara, a mulher alta, forte, com uma vida de sofrimentos: seis filhos, marido alcoólatra que a espancava. Viveu com ele uma vida de tristezas. Seis filhos, tinha de aguentar! dizia ela quando perguntavam por que não o deixara! Viúva aos vinte nove anos! O marido morrera vítima de cirrose hepática. Não precisariam mais, no meio da noite, pedir socorro em casa do primeiro vizinho que lhes abrisse a porta.  Aquele tempo acabara finalmente! Vida nova! Nem conseguiu sentir verdadeiramente sua morte. O que sentiu foi certo alívio. Lembrava-se que, chegando a casa, após o enterro, sentou-me com três de seus irmãos e, aos doze anos, planejou como seriam suas vidas sem o pai. Não havia tristeza.
6
            Mayara e os irmãos têm visto a mãe, dia a dia, como uma pessoa diferente: já viram a mulher de setenta e sete anos ser uma mocinha apaixonada, querendo estar perfumada e maquiada, enfeitada com muitos badulaques para impressionar o cuidador- amor de sua vida-, a paixão pelo médico que a acompanha, as crises de ciúme por julgar estar sendo traída pelas filhas, ora a mãe amorosa ora violenta, por vezes, uma casca sem lembranças, por vezes, de uma lucidez dolorosa, consciente de sua completa dependência. Precisam saber lidar com os momentos terríveis em que a mãe não os reconhece e os chama incessantemente, implorando que a levem para a casa dela. São tantas as provações!
            Mayara, quando se sente perdida, pensa:
            “É isso que temos. E podemos suportar. Se, quase o tempo todo, ela não sabe quem somos, nós sabemos que é nossa mãe.”

           A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas sorrindo, pessoas sentadas, árvore e atividades ao ar livre
Odenilde Nogueira Martins

           
           
           

            

Unidade de resgate - conto - Odenilde Nogueira Martins -

– Pessoal, ocorrência próximo ao posto da Polícia Federal. Acidente entre dois veículos com vítimas presas às ferragens – a notificação era recebida via rádio.

O som das sirenes imediatamente se fizeram ouvir. Era preciso alertar motoristas e pedestres de que havia uma emergência para que abrissem espaço para a passagem das viaturas, já que cada segundo podia significar a diferença entre vida e morte. 

Os ponteiros do relógio de parede mostravam o adiantado da hora: 23:h45min.

– Vou na lanchonete do Alemão buscar um x-salada. Quer que te traga alguma coisa? – perguntou Gracindo ao companheiro.

Não era rotina duas pessoas permanecerem na unidade, mas Gracindo havia sofrido uma torção no joelho e, por conta disso, não sairia para atender a pedido de socorro.

– Não, companheiro. Trouxe um rango de casa e mais tarde preparo um café. Aqui tá tudo dentro do esperado para uma noite de sexta-feira. Não precisa se apressar.

O som de metal, riscando o piso áspero, doía não só nos ouvidos, doía nos nervos! Era meia-noite. Até, então, tudo estava tranquilo na unidade do corpo de bombeiros, que ficava próxima a uma rodovia federal. A presença de um corpo, vítima de acidente, que aguardava o rabecão do instituto médico legal, não era novidade. Fazia parte da rotina dos plantonistas. O saco preto em um canto não era motivo de desconforto. Ali, convivia-se com sacos pretos, diariamente.

Jucão era o atendente, naquela noite. Tinha como missão receber os chamados de socorro e repassar aos colegas que saíam para atender à ocorrência. Acabara de fazê-lo, os companheiros haviam saído há uns quinze minutos. Estava só. Não que isso o preocupasse. Dizia sempre que se sentia em segurança, pois os mortos não fazem mal a ninguém.

– Tenho medo é dos vivos! – respondia, quando perguntado, sobre o indigesto ofício de recolher cadáveres à beira da rodovia.

O local era famoso por conta das muitas histórias contadas. Padre Jucélio, a cada dois meses, ia ao local para dar uma benção:

– Reza e canja não fazem mal a ninguém. É bom estar de bem com o Todo Poderoso. Com tanta desgraça que vimos todos os dias, nosso espírito preciso se fortalecer na fé – dizia o comandante da corporação. 

Os pelos de Jucão, da cabeça aos pés, eriçaram. Um frio percorreu-lhe a espinha. Estava só! Que barulho era aquele? 

– Do lado de fora. Deve ser alguém do lado de fora! Deixa de bestagem, homem – falou consigo mesmo.

Relaxou. Tantos anos servindo, ali, nunca tivera medo! Voltou a concentrar-se na tela do computador. Dez minutos depois, já esquecido do som de metal riscando o piso áspero, tornou a ouvi-lo, ainda mais cortante. Parecia descer e subir a rampa que dava acesso a um depósito, que também servia de dormitório em noites calmas.

– Não é do lado de fora. É aqui dentro!

Levantou-se e espiou através do quadrado de vidro que havia na porta. Estava tudo quieto. Já estava dando as costas para a porta, quando ouviu:

– Jucãooo... Jucãooooo... 

Alguém estava querendo se divertir as suas custas.

– Quero ver quem é o engraçadinho – murmurou, tomando a direção da rampa de onde vinha o ruído de metal riscando o cimento áspero do piso, e de onde vinha o som da voz que o chamava. 

Do alto da rampa, viu o saco negro, que aguardava o rabecão, mover os braços. Em uma das mãos, um pedaço de ferro que usava para riscar o chão.

– Creio em Deus Pai todo poderoso, criador do céu e da Terra...

Enquanto rezava ia saindo de costas, olhos pregados na assombração. Quando tomou certa distância, empreendeu uma corrida para fora da unidade. Ouvia a voz:

– Jucãoooo, volte! Não me deixe aqui. Volteeeeeee!

Só parou de correr quando chegou às margens da rodovia.

Ainda ouvia alguém chamando:

– Juca, venha cá! Sou eu, o Gracindo! 

Não teve conversa. Ninguém conseguiu convencê-lo a voltar. Pelo sim, pelo não, padre Jucélio continua visitando a unidade regularmente.



Odenilde Nogueira Martins


POBREZA POLÍTICA - Pedro Demo


Em tempos, politicamente, tão bicudos, leitura mais do que recomendada. Após ler atentamente, sugiro a leitura de "O príncipe" - Maquiavel e, se por ventura, o governo que você apoia estiver seguindo os conselhos dados por Maquiavel ao príncipe, há que se repensar seu apoio. Antes que se discuta política partidária, que se entenda política.


POBREZA POLÍTICA (POBREZA HUMANA)

Pedro Demo

Pobreza política não é outra pobreza, mas o mesmo fenômeno considerado em sua complexidade não linear. A realidade social não se restringe à sua face empírica mensurável, mas inclui outras dimensões metodologicamente mais difíceis de reconstruir, mas, nem por isso, menos relevantes para a vida das sociedades e pessoas. Estamos habituados a ver pobreza como carência material, no plano do ter: é pobre quem não tem renda, emprego, habitação, alimentos, etc. Esta dimensão é crucial e não poderia, em momento algum, ser secundarizada. Mas a dinâmica da pobreza não se restringe à esfera material do ter. Avança na esfera do ser e, possivelmente, alcança aí intensidades ainda mais comprometedoras. Mais drástico do que não ter mínimos materiais para sobreviver é não ser nada na vida. O PNUD, desde o RDH de 1997, maneja o conceito de pobreza humana, para indicar – por mais incipiente que a discussão ainda seja – que, ao lado da pobreza material, existem outras dimensões importantes, sinalizadas na noção de pobreza humana. O aspecto mais desenvolvido até ao momento é o da democracia e regimes democráticos, mas espera-se que este conceito possa desdobrar-se em análises mais pertinentes da complexidade não linear da pobreza e tornar-se referência ainda mais explicativa desta realidade tão desafiadora hoje.

Sugere-se que pobreza tem seu fulcro mais renitente na dinâmica política que a envolve, por mais que, à primeira vista, pareça reduzir-se a carências materiais já bem conhecidas nos estudos recorrentes. Cada vez mais se aceita que pobreza tem, por trás, o problema da desigualdade social, o que implica reconhecer que se trata substancialmente de dinâmica política. Ser desigual quer dizer várias coisas, mas o centro mais duro da questão estaria no confronto entre minorias que comandam a cena e maiorias que sustentam os privilégios dessas minorias. Este jargão é, em poucas palavras, o resumo mais consistente da história humana conhecida. Em sociedade não disputamos apenas bens materiais escassos. Disputamos talvez ainda mais poder, prestígio, vantagens, liderança, oportunidades, não só porque somos, biologicamente falando, “score keepers”, mas sobretudo porque historicamente falando nos organizamos em espaços dialéticos de poder. É por isso que muitos abandonam a pretensão de igualdade social, a não ser como utopia crítica negativa, preferindo a noção de igualitarismo. Aquela é exageradamente linear, como se fosse possível alinhar a todos em padrões reversíveis, enquanto este é mais realista, à medida que aceita a unidade de contrários: as pessoas querem ser, simultaneamente, iguais e diferentes. Carência material, em si, não implica necessariamente desigualdade, se for a mesma para todos. Quando há seca, temos carência de chuva, mas não necessariamente desigualdade, a menos que surja a “indústria da seca”, ou seja, a transformação política de uma carência material em fonte de privilégios para minorias. Para resolver este problema, sequer bastaria “fazer chover”, porque, mesmo havendo água para todos, alguns saberiam tornar seu acesso um privilégio social. Teríamos que mudar também e, possivelmente, sobretudo, as relações de acesso a poder. Assim, não existe propriamente desigualdade econômica, porque bens materiais não são agentes históricos – desigualdade somente aflora entre agentes históricos que disputam poder e outras dimensões correlatas, como prestígio, oportunidade, vantagens, liderança.

Em educação, Paulo Freire cunhou o termo “politicidade”, para designar que aí se trava confronto substancialmente político entre incluídos e excluídos, não se restringindo a disputa a coisas materiais, mas implicando principalmente a habilidade de conduzir com autonomia seu próprio destino. Enquanto o oprimido esperar sua libertação do opressor, não será o construtor e gestor de sua própria vida, já que oprimido não é apenas quem não tem bens materiais, é principalmente quem não é capaz de se governar. O oprimido não pode, assim, ser apenas objeto de distribuição de bens na condição de simples beneficiário, porque isto não desfaz o nó mais duro desta dinâmica: ser massa de manobra. Por isso, toda estratégia de combate à pobreza supõe que o pobre se torne sujeito crucial da alternativa. Enquanto for apenas objeto, está à mercê de forças políticas que não domina e, muitas vezes, sequer tem ideia delas. O conceito de “desenvolvimento como oportunidade” já acena para esta dimensão e, não por acaso, o indicador primeiro é educação. A guinada mais efetiva desta conceituação foi mudar a perspectiva de análise para dimensões políticas, mais do que para dimensões materiais. Ao fundo da dinâmica da pobreza não existem apenas carências, mas principalmente rugem confrontos desiguais entre minorias privilegiadas e maiorias subordinadas. Aceitando-se esta politicidade da realidade social, segue que as sociedades poderão ser mais igualitárias, mas não propriamente iguais, o que, aliás, sempre foi a pretensão das democracias: instaurar sociedades que sabem negociar as oportunidades dentro de regras de jogo de um Estado de direito. Isto supõe que toda democracia gerencia conflitos, não harmonias, mas os gerencia de maneira democrática, ou seja, dentro de perspectivas igualitárias. “Igualdade de oportunidades” é, no fundo, algo contraditório, porque desfaz-se a noção de “oportunidade” que sempre está imersa em expectativas de vantagens relativas. Talvez fosse mais realista, na história conhecida, falar de igualitarismo de oportunidades: todos têm direito às mesmas chances, mas, mesmo que estas fossem as mesmas, os disputantes e suas condições sociais e pessoais nunca são os mesmos, do que segue que o resultado da disputa sempre é diverso e também desigual. Isto também pode fundamentar o multiculturalismo, à medida que se consagra tanto o direito a ser igual, quanto a ser diferente. O termo “igualitário” poderia enfeixar esta ideia democrática: a sociedade na qual as pessoas podem ser, ao mesmo tempo, iguais e diferentes. Evidentemente, trata-se de obra da mais refinada arte conseguir este tipo de negociação, que supõe a autoridade do argumento, nunca o argumento de autoridade. Pode-se convencer sem vencer.

Politicidade é, entre as razões humanas, talvez a mais humana, porque sinaliza que a história pode ser relativamente própria, à medida que for possível conquistar autonomia crescente. Nunca somos totalmente autônomos, porque nossa autonomia invariavelmente se choca com a autonomia dos outros, sendo este um dos traços mais relevantes desta complexidade não linear. O eurocentrismo sempre pretendeu autonomia exagerada, predatória, às custas da autonomia dos outros. Entretanto, é possível alargar a autonomia humana, por mais dúbia que seja esta trajetória histórica, através principalmente da capacidade de aprender e conhecer, ao lado de se organizar politicamente para construir e impor alternativas. Conhecemos principalmente a tecnologia como tática de dominação da natureza, porque é inegável o quanto soubemos mudar as condições de vida em sociedade em tão pequeno espaço de tempo: há 40 mil anos habitávamos cavernas; hoje habitamos Nova York. A autonomia cresceu astronomicamente, mas não para desfrute de todos. Aí está sua ambiguidade, porque está fundada, vastamente, na dinâmica do conhecimento disruptivo e não menos ambíguo: quem sabe pensar, geralmente não aprecia que outros também saibam pensar. A habilidade de mudar sempre foi disputada ferozmente, porque não estão em jogo propriamente a mudança, mas os privilégios da mudança. Saber pensar é, possivelmente, o “recurso” mais escasso e disputado na história da humanidade e que determinou, mais que outros fatores, as desigualdades hoje persistentes no planeta. Por isso, para combater a pobreza, possivelmente, política social do conhecimento será estratégia das mais agudas, porque é principalmente neste patamar que se condicionam as oportunidades. A dimensão material não se torna secundária, apenas se toma em consideração a dinâmica das desigualdades em sua complexidade não linear. O lado mais alvissareiro desta noção é que, tendo sido pobreza forjada na história, o que é histórico pode ser mudado. Mesmo que não possamos, tomando-se em conta a história conhecida, fundar sociedades iguais, podemos negociar sociedades igualitárias, democráticas, desde que todos os seus membros possam participar da disputa por oportunidades dentro de regras de jogo que tomam o bem comum como fulcro central, não o mercado. Este é essencial, mas é meio.

Pobreza política começa, geralmente, com a ignorância. Não se trata de ignorância cultural, pois esta não existe, já que todos estamos incluídos em contextos de patrimônios culturais, possuímos língua própria e saberes compartilhados. Trata-se da ignorância historicamente cultivada, através da qual se mantêm grandes maiorias como massa de manobra, cujo destino está lavrado na sustentação dos privilégios de minorias cada vez mais minoritárias. Assim, pobreza pode ser mais bem definida, não como apenas carência material, mas como repressão do acesso a oportunidades disponíveis em cada sociedade. É, pois, causada, mantida, cultivada historicamente, fazendo parte de legados passados e dinâmicas presentes, através dos quais se manieta a população na condição de objeto de manipulação política. Politicamente pobre é o escravo que se vangloria da riqueza de seu patrão, não atinando que esta riqueza lhe é devida, pelo menos em parte; é o oprimido que espera sua libertação do opressor; é o ser humano reduzido a objeto e que mendiga direitos; é quem faz a história do outro, a riqueza do outro, os privilégios do outro e, com isso, é coibido de história própria. Não só é destituído de ter, é principalmente destituído de ser, ainda que não seja o caso interpor qualquer dicotomia entre ter e ser. Presume-se, porém, que a esfera do ser é mais profunda e comprometedora, donde segue que o conceito de pobreza política certamente é mais explicativo desta complexidade. O contrário de pobreza política é “qualidade política”, designando em especial a dinâmica da cidadania individual e sobretudo coletiva. Entende-se a capacidade de construir consciência crítica histórica, organizar-se politicamente de modo a emergir sujeito capaz de história própria, e arquitetar e impor projeto alternativo de sociedade. Esses três passos nutrem-se, em grande parte, da habilidade de saber pensar, compreendido tanto como capacidade crítica, quanto como capacidade prática: conceber e realizar alternativas e oportunidades. Mas, para a construção de adequada qualidade política existem outras dimensões fundamentais, ao lado do papel da educação e do associativismo, como acesso à informação, à comunicação social, cultivo de identidades e oportunidades culturais e de esfera pública de discussão e negociação democrática, sem falar no papel do Estado, não como promotor e menos ainda condutor da cidadania, mas como instância delegada de serviço público, cuja qualidade depende, antes de tudo, do controle democrático. A sociedade que é minimamente capaz de controle democrático pode privilegiar o bem comum acima do mercado e do Estado. Este foi também o feito maior no início do welfare state, a par do boom econômico provocado pelo Plano Marshall, quando foi relativamente possível, em particular pela organização sindical efetiva e ampla dos trabalhadores, colocar Estado e em particular mercado como meios, não como fins da sociedade.

Para definir mais concretamente pobreza política, destacam-se algumas dimensões mais proeminentes:

a) quem é politicamente pobre não sabe que é pobre e é coibido de saber que é pobre; está submetido a processo histórico de ignorância cultivada e que tem como resultado mais palpável uma população imbecilizada, marginalizada e manipulada; a população não é imbecil, mas é imbecilizada, geralmente através de políticas sociais assistencialistas que conseguem, em troca de migalhas materiais, comprar a adesão política do pobre; surge aí o fenômeno esdrúxulo de minorias majoritárias, quando se definem como “minoria” populações como negros, mulheres e outros; esta condição de ignorância permite políticas pobres para os pobres, bem como aceitação de rendas mínimas quase invisíveis, sem falar na tendência de esperar a libertação do próprio algoz; esta ignorância é cultivada de várias maneiras, desde a opressão do professor básico em sistemas educacionais corruptos e ineficientes, passando pela falta de informação e comunicação, restrições e manipulações do associativismo, até destruição de identidades culturais; 

b) quem é politicamente pobre é massa de manobra, objeto de manipulação; isto reflete a tendência histórica de minorias privilegiadas conseguirem colocar grandes maiorias a serviço de privilégios concentrados, por vezes sob o sarcasmo dos “direitos adquiridos”; não raro o pobre vê a concentração de riqueza como mérito, sabedoria, superioridade, sem atinar para a parte que lhe deveria tocar, por conta de seu trabalho; a condição de massa de manobra faculta o surgimento e manutenção de “famílias reais” na esfera política, à medida que tendencialmente os mesmos se elegem e reelegem, comandam presente, passado e futuro da sociedade, à revelia de processos pretensamente democráticos de acesso ao poder; faculta também “ilhas da fantasia” em termos de condições de trabalho e acesso orçamentário, como são os casos notórios das remunerações de deputados, senadores, juízes e seus funcionários elevados; faculta a corrupção generalizada dos recursos públicos, porque torna-se impraticável mínimo controle democrático debaixo para cima; faculta que política vire, vastamente, politicagem, como é uso na maioria das sociedades em desenvolvimento;

c) quem é politicamente pobre não é cidadão, porque não se organiza politicamente para poder impor mudanças; primeiro, não constrói consciência crítica adequada, porque, em geral, não sabe pensar; segundo, não chega a perceber a importância do associativismo, para potencializar as forças e conseguir volume de pressão; terceiro, não concebe, nem impõe alternativas, porque ainda não se constituiu sujeito capaz de história própria; tal condição leva o oprimido a esperar a libertação do opressor ou pelo menos a esperar a solução de um “bom príncipe”, que vê como salvador da pátria; trabalha para os outros, sem contar com os frutos de seu trabalho; sustenta privilégios alheios, sem capacidade de reivindicar os mesmos direitos; o déficit de cidadania espelha-se facilmente em políticas sociais de cima para baixo, de tendência avassaladoramente assistencialista, reservando para os pobres sobras orçamentárias, enquanto se cuida assídua e subservientemente do mercado; meios viram fins e fins viram meios, porque o não cidadão, por falta de saber pensar, é literalmente pensado por outros; 

d) quem é politicamente pobre é massacrado como sujeito, restando-lhe a condição de objeto, por vezes como maioria residual; comparece assim a maior indignidade social imaginável, quando não se permite que as sociedades e pessoas tenham história própria, disputem oportunidades, organizem-se como sujeitos; a inclusão se dá na margem, dentro do processo dialético da necessidade de tantos pobres para tão poucos ricos; o pobre emerge como beneficiário apenas, na artimanha clássica de induzir que ele aceite ser “cuidado” pelo Estado e governos, e mesmo pela elite; faz parte desta mesma artimanha manipular estatísticas de tal sorte que o número de pobres e sobretudo sua condição marginalizada sejam escamoteados, colocar Estado e governos como patronos da cidadania popular, em particular colocar a elite econômica e política como garante da equidade, brincar de transferência de renda, como se renda estivesse alegremente disponível, oferecer coisa pobre para o pobre, formular políticas sociais que se destinam acima de tudo a domesticar os pobres; como resultado, o pobre agradece e vota, no mais escancarado pão e circo;

e) quem é pobre politicamente não descobre que tem direitos, porque continua esmoler; por vezes, esta condição é tão drástica, que o pobre parece pedir permissão para ter direitos, pois considera natural sua exclusão e até mesmo, por razões religiosas tortas, merecida; tende a ver pobreza como sina, destino, vontade de Deus, ordem natural das coisas; facilmente se resigna, mostrando docilidade histórica assustadora; tem a história do outro, nela sobrevive e por vezes parasita, sem chance de história própria; por força dos meios de comunicação, é frequente que o pobre tenha escutado sobre direitos e ouvido de “politiqueiros” usuais, mas não sabe de que se trata efetivamente, sobretudo aguarda que os direitos lhe sejam doados; não constrói a noção essencial de que sua libertação só pode ser obra sua, embora isto não descarte outras estratégias, nas quais se inclui o papel do Estado democrático em primeiro lugar; o pobre não reivindica, pressiona, toma iniciativa, mas espera que tudo se resolva de cima para baixo, caindo na armadilha mais indigna da sociedade: imbecilizar o marginalizado a ponto de o convencer que seu lugar é na margem; 

f) quem é politicamente pobre vive de cidadania tutelada, no máximo assistida; cidadania tutelada é, em si, sua própria negação, quando o pobre se submete à tutela de elites que conservam sua propensão escravocrata quase intacta na história; cidadania assistida pode representar ganho histórico de causa, porque assistência é política social necessária para enfrentar riscos de sobrevivência; mas, ao restringir-se a este gesto assistencial, torna-se assistencialista, porque oblitera as expectativas de auto-sustentação (inserção no mercado) e autogestão (cidadania); resultado principal deste processo histórico de tutela e assistência é o refreamento do controle democrático e, em particular, o escamoteamento do confronto social, indispensável para se combater a pobreza política; enquanto Estado e mercado não são controlados, subsiste impávida a sempre mesma elite, com ares de mérito histórico intocável.

Embora seja visível a recenticidade e incipiência desta discussão, cabe assinalar que poderia desvendar horizontes mais promissores de enfrentamento da pobreza. Em primeiro lugar, torna-se claro que, para enfrentar a pobreza, é mister acertar seu fulcro político e isto quer dizer, sem tirar nem por, que não é possível fugir do confronto. Este termo parece excessivamente agressivo, mas quer apenas denotar sua dialética intrínseca política. Se o pobre não souber confrontar-se, entra no cenário como massa de manobra e disto não sai mais. Confrontar-se é a habilidade da cidadania democrática, feita dentro de regras de jogo do Estado de direito, mas plantada na capacidade do pobre de fazer história própria. Não se combate a pobreza sem o pobre no comando deste processo. Em segundo lugar, não basta distribuir, é imprescindível redistribuir renda, tocando decisivamente no espectro das desigualdades vigentes. Os pobres não são pobres apenas porque produzem pouco, são desqualificados, heterogêneos, mas principalmente porque são “desiguais”, ou seja, espoliados, marginalizados, imbecilizados. É preciso tocar nesta chaga e virar o sentido histórico do acesso às oportunidades. Redistribuir renda implica necessariamente retirar de quem tem demais, equalizar oportunidades, privilegiar os desprivilegiados, o que coloca outro sentido ao debate sobre focalização das políticas sociais. Quando feita de cima, a focalização acaba em coisa pobre para o pobre, inapelavelmente. Quando o pobre é figura central e comanda a focalização, pode ter como resultado iniciativas redistributivas de renda e poder.

Sobre este pano de fundo, o combate à pobreza poderia ser organizado em três dimensões hierárquicas e essenciais: a) primeiro, é mister haver assistência social, porque o direito à sobrevivência é um direito radical; sem ele, não há nada depois; todavia, o mais imediato nem sempre é mais importante; b) segundo, é mister haver inserção no mercado, para que o pobre se auto-sustente, ande com pernas próprias, tenha projeto de vida; c) terceiro, é mister haver cidadania, para que o pobre assuma seu destino com devida autonomia. Todos os três componentes são essenciais, mas há uma hierarquia entre eles: o mais decisivo é a cidadania, seguindo-se a inserção no mercado, e, por fim, assistência. No cenário atual, política social tende a reduzir-se a assistência, se tanto. Esta capitulação perante o neoliberalismo está na raiz da incapacidade de confronto.





MARIAS - Odenilde Nogueira Martins

Todas eram Maria: Maria Flor, a mais velha, Maria Conceição, a do meio e Maria Angélica, a caçula e a mais bela. Do casamento de dona Constância com seu Agenor ainda nasceram Teobaldo e Anacleto. Cinco irmãos.


Teobaldo e Anacleto, junto com o pai e empregados, tocavam a próspera fazenda da família, enquanto, sob a supervisão de dona Constância, Maria Flor, Maria Conceição, mais as esposas dos empregados, cuidavam do gado leiteiro, galinhas, porcos e da horta; ainda havia a casa, a comida e a roupa para lavar. Apesar de haver muitas pessoas trabalhando ali, a rotina era exaustiva. E ficava mais puxada no tempo da colheita. Já Maria Angélica não gostava daquela vida de quase isolamento e preferiu ir, com a aprovação dos pais e irmãos, à cidade para estudar. Seria bom, para os negócios, que alguém da família se formasse em administração, pois além da propriedade rural, havia outros negócios que careciam de atenção. E como é o olho do dono que engorda o gado... As duas irmãs mais velhas e os dois irmãos completaram o ensino médio em uma cidadezinha próxima e não quiseram sair da fazenda.

Flor e Anacleto estavam em idade de casar; aliás, a filha mais velha já estava passando e, se não aparecesse pretendente, logo seria solteirona. 

– Mulher, no mês que vem, o aniversário da Flor. Vamos fazer um churrasco e convidar os vizinhos. Quem sabe, algum moço se interesse pela nossa filha e ela também. Aqui na fazenda, sem ver ninguém, além de nós, não vai arranjar marido.

– Sim, um churrasco. Vou prender umas galinhas.

– Vamos botar um boizinho no confinamento. Dois dias de festa, sábado e domingo! – completou seu Agenor.
A ideia da festa agradou. Todos precisavam de um pouco de diversão. Anacleto era o mais animado.

– Pai, vou trazer a minha namorada. Boa hora de ela conhecer a nossa família. 

– Convide a família dela também. Saber quem é a família é importante. Só assim a gente sabe se tudo está de acordo. E você, Teobaldo, não vai trazer a namorada? 

– Não, pai. Ainda é cedo.

– Não quero filho solteirão – brincava dona Constância. 

– Não se preocupe, mãe. Sou o filho mais bonito. Interessadas é que não faltam.

Conversa alegre. Sempre acontecia quando estavam almoçando ou jantando.

– Pai, posso comprar um vestido pra festa, já que é meu aniversário?

– Pode. Anacleto te leva na cidade.

O dia da festa se aproximava. Os vizinhos já haviam sido convidados. Até uma dupla de sanfoneiros foi contratada. Se a filha não desencalhasse depois dessa festança... Quem sabe Maria Conceição também se arranjasse.
No dia 20 de maio, a família saiu da cama logo que o galo cantou.  Havia muito por fazer, antes que os convidados começassem a chegar.

Às dez horas, muitas famílias já haviam chegado e, enquanto os homens rodeavam a vala que serviria de churrasqueira, as mulheres cuidavam das saladas. Os primeiros a chegar foram os Silveira. Junto com a família, veio Patrício, sobrinho do casal, viúvo há pouco mais de um ano, que morava em uma cidade vizinha e trabalhava em um cartório. Boa pinta, prosa boa, moderninho, logo encantou as duas irmãs, Flor e Conceição. Maria Angélica só chegaria no domingo. 

Patrício desfilava pra lá e pra cá, mas sempre à vista das irmãs. Um pavão se exibindo. O patriarca, Agenor, atento, percebia que o rapaz estava arrastando asa para o lado das duas filhas. Não lhe agradava essa atitude, no entanto, fazia-se de cego. Anacleto e Teobaldo também estavam atentos.

Lá pelo meio da tarde, o anfitrião viu Flor, sob uma laranjeira, desmanchando-se em sorrisos para Patrício. Não demorou, Anacleto se aproximou do par.

– Flor, tá na hora de servir a sobremesa. Vá ajudar a mãe.

Com ar contrafeito, Flor se afastou em direção à cozinha, e Conceição, que observava da varanda, dirigiu-se para o local. O sorriso sedutor de Patrício deixava transparecer sua satisfação. 

– Que honra! A moça mais bonita da festa me fazer companhia! – disse o rapaz, fazendo Conceição corar de orgulho.

– O que esse almofadinha tá querendo? – comentava Agenor com o filho Teobaldo. – Deve tá procurando encrenca.

– E vai achar! – completou o filho de dona Constância.

– Calma, filho! Vamos deixar correr pra ver no que vai dar! Vamos fazer de conta que não vimos nada. Só deixando a corda solta pra saber das intenções.

A festa estava animada. Lá pelas cinco horas, seu Silveira e a mulher se despediam, garantindo que voltariam no dia seguinte. Queriam rever Maria Angélica que chegaria.

– Parece que nosso sobrinho se interessou por vossa filha Maria Flor. Quem sabe não sai casamento, vizinho? – dizia Silveira, empolgado.

– Quem sabe! – respondeu o dono da casa em tom duvidoso, olhando em direção às filhas, que se derretiam para o lado do sujeito. O instinto lhe avisava que poderia ter problemas.

No domingo, perto das nove horas, chegou Maria Angélica. Foi uma alegria só!

– Filha, você está cada dia mais bonita! – dizia a mãe, cheia de orgulho, envolvendo a moça em um abraço. 

– Estudar na cidade tá te fazendo bem! Tomara que não tenha ficado luxenta – emendou o irmão Teobaldo.

– Que nada! Sou a mesma caipira! Sinto muita falta daqui e de vocês. Não via a hora de vir.

No domingo, os convidados chegaram mais tarde. O único a chegar cedo foi Patrício, veio antes dos tios.

– Vim antes pra ajudar a preparar o fogo e o churrasco – dizia, apertando a mão do dono da casa e de seus filhos.

As três Marias aproximaram-se. Flor parecia encabulada, Conceição não cabia em si de contentamento, e Angélica, curiosa.

– Esta deve ser a Maria Angélica! – adiantou-se o sobrinho dos Silveira, indo em direção à moça. – Sou Patrício, sobrinho do seu Silveira. Muito gosto em conhecer essa flor – falou com um olhar que brilhava mais do que punhal feito de aço inoxidável. 

– Essa é Maria Angélica, nossa caçula. Maria Flor é a mais velha e Maria Conceição, a do meio – arrematou, secamente, seu Agenor como a deixar claro qual era a hierarquia. 

Maria Flor é quem está em idade de se casar. Será que o visitante não percebia?
– Se esse sujeitinho mostrar as garras pro lado da Angélica também, quebro ele de pau – falava Anacleto para o irmão.

– Pode contar comigo! Tô, desde ontem, querendo dar uns sopapos nesse filho da mãe, metido a conquistador. Ele vai aprender a respeitar a família dos outros.

Patrício, que não era nem um pouquinho bobo, entendeu o recado dado por Agenor quando falou qual das filhas era a mais velha.

– O senhor tem três Marias, todas igualmente belas, seu Agenor! Pretendentes não hão de faltar. Se prepare! – disse, desviando o olhar que dirigia à filha caçula e fixando em Flor. 

Tinha entendido: somente a mais velha estava pronta para o casamento. Precisava agir com cautela ou seus planos iam por água abaixo.

O domingo seguiu tranquilo, menos animado do que o sábado, todos precisavam maneirar, pois o dia seguinte seria de trabalho puxado. Limitavam-se a conversas em pequenos grupos. As irmãs circulavam entre as pessoas, procurando conversar com todos. Patrício não as perdia de vista e também não era esquecido por Agenor e os filhos. E o dia terminou sem incidentes.


2

Quinze dias depois, à saída da pequena igreja, Agenor e a família foram interpelados por Silveira e a esposa.

– Seu Agenor! Eu ia mesmo até a sua casa para fazer um convite. No mês que vem, eu e a mulher vamos fazer bodas de ouro. Os meus filhos e a parentada vem toda. Dois dias de festa e vocês, desde já, estão convidados.

– Nós vamos. A família toda.

Flor e Conceição tentavam esconder o contentamento, nem olhavam uma para a outra, temerosas de que a satisfação estivesse muito estampada no rosto de cada uma. Afinal, a oportunidade de rever Patrício. Desde a festa de Maria Flor, as irmãs se interrogavam mutuamente e desmentiam, uma para a outra, o interesse pelo rapaz. No peito de cada uma, o coração pulava ansioso e os olhos brilhavam.

No dia das bodas do casal Silveira, quem recebeu, na entrada do portão, Agenor e família, foi o sobrinho. Arrastou-os para apresentá-los aos pais, antes mesmo que cumprimentassem os donos da casa.

– Sujeito abusado! Cadê a educação? Onde já se viu não cumprimentar, antes, os donos da casa? – resmungava Agenor para Constância, que assentia com a cabeça. 

Os irmãos iam colados às irmãs, que pareciam estar gostando muito daquela situação.

– Pai, mãe, quero apresentar Maria Flor e Maria Conceição – falava afobado, esquecido dos pais e irmãos das moças. Percebendo o olhar de reprovação da mãe, tentou consertar. – Esse é o senhor Agenor e dona Constância, pais de Flor e Conceição. E estes são os irmãos – sequer se recordava do nome de Teobaldo e Anacleto, cujos olhos chispavam de fúria.

Jonas Silveira, percebendo o clima que se criara, tentava cativar pelo elogio. Patrício tinha a quem puxar.

– Que moças bonitas! Flor, esse nome em nenhuma outra moça soaria tão bem. Dizer que lhe cai como uma luva não lhe faria jus, cai-lhe como uma pétala – falava, enquanto estendia a mão para dona Constância e seu Agenor. – Senhora, meu filho não exagerou quando falou da beleza de suas filhas.
Anacleto e Teobaldo já haviam se afastado e iam em direção ao casal, dono da casa. Não estavam dispostos a encompridar conversa com o metidinho a galã; tampouco, a ouvir o seu pai, homem de fala ensaiada.

No final do dia, Jonas Silveira aproximou-se de Agenor e segredou-lhe ao ouvido:

– Acho que meu filho tá caidinho de amor pela vossa bela Flor.

Agenor fechou a cara. Não lhe agradava aquele sujeito rodeando a filha. Queria que ela se casasse sim, mas alguma coisa lhe dizia que devia manter Patrício longe de Flor. A moça, por sua vez, não cabia em si de contentamento com aquele zangão a tiracolo o tempo todo. Maria Conceição não disfarçava a desolação.

– Mulher, melhor a gente ir-se embora. Não tô gostando nada do que tô vendo.

– Vamos sim, pai. Estou com muita dor de cabeça. Acho que é gripe chegando – apressou-se em assentir, a decepcionada Conceição, que esperava ser o alvo da atenção de Patrício, pois ele lhe havia dito, em casa de seu pai, que ia contar os minutos para revê-la e, agora, estava todo derretido para o lado da irmã. 
Estava furiosa. Não suportava o olhar de felicidade e triunfo de Flor. 


3

Duas semanas depois, sábado à tarde, entrava na propriedade de Agenor um carro de luxo e, dele, desciam Jonas Silveira e o filho Patrício para espanto e desagrado da família, exceto de Flor, que correu para o quarto para se pôr apresentável.

– O senhor me desculpe vir assim, sem avisar. Mas meu filho insistiu muito – desculpava-se Jonas, estendendo a mão.
– O homem é mais falso que nota de duzentos – dizia Teobaldo ao irmão. – Acho que não vamos gostar do que esse sujeito veio falar.

Sete meses depois, casava-se Maria Flor, contrariando a vontade da família. Estava radiante! Haveriam de ser felizes para sempre! 
Maria Conceição mal disfarçava o desgosto. Desgosto bem diferente daquele sentido pelos pais e irmãos. Era desgosto de mulher preterida. Sentimento que cresceu como ferida que não tem cura, que vai cavando buraco na carne. Por conta dessa consumição, emagrecera a olhos vistos, tomada de amargura e ódio. Maria Angélica foi a única que não se manifestou, nem a favor nem contra o casamento da irmã.

“Queria que os dois morressem! Não! Queria que Flor morresse! Seca!” – resmungava toda vez que ouvia o riso abafado da irmã no quarto ao lado.

Patrício parava muito pouco em casa, saía na segunda-feira, logo após o almoço, e só retornava na sexta-feira, à tardinha. A mulher reclamava. Mas o marido tinha razão para se ausentar.

– Minha Flor, tenho que ir pro cartório. Você não quer que eu viva às custas do teu pai, não é?

– Você pode trabalhar aqui, com o pai e meus irmãos. Até agora não sei do teu salário. Você não traz nenhum dinheiro.

– Tenho de fazer um pé de meia, Flor. Quem sabe, dia desses, resolvo largar o cartório – dizia para acalmar a mulher, que ficava cada vez mais impaciente com a ausência do marido. E lá se ia mais de meio ano! 

– Hoje vou com você! Está na hora de saber como o meu marido tá vivendo, já que passa a semana inteira em outra cidade – dizia Maria Flor, enciumada, em tom que não permitia réplica.

– Também acho que você deve ir – disse o pai. – Não é bom a mulher passar tanto tempo longe do marido.

– Meu amor, moro num quartinho. Não tem como te acomodar! Nem cama de casal há! – tentava dissuadir a esposa.

– Vou assim mesmo! – disse em tom firme.

– Onde já se viu a mulher ir atrás do marido, que vai trabalhar! Pai, você não pode concordar com uma coisa dessas! – gritava Maria Conceição, com os olhos soltando faíscas. 

– Por que não? Acho que deve se interessar pela vida do marido! Quem sabe não venha um neto depois disso. E ,você, trate de se preocupar contigo e não com o que tua irmã vai fazer! – falou categórico o pai.

Os irmãos se entreolharam intrigados. Conceição correu para o quarto e, de lá, só saiu quando o pai ordenou que ajudasse a mãe com os afazeres. No rosto, expressão pensativa, lábios contraídos.

Nos últimos dois meses, Maria Conceição perdera o ar desolado e raivoso que nutria desde o casamento da irmã mais velha.

– Maria Conceição anda estranha desde o dia que foi pra cidade às escondidas. Voltou diferente. Tá alegre, cantarolando, nem olha mais torto pra Flor! – comentava Anacleto com o irmão. – E essa novidade de ir pra cidade uma vez por semana pra fazer curso?

– A mãe gostou da ideia, assim não se perde mais frutas e legumes. Ela tá aprendendo a fazer doces e conservas. As mulheres dos empregados vão ter uma renda a mais com a produção e não teremos desperdício. Acho que isso é uma coisa boa – dizia Teobaldo.

– Sei não. Até agora não vi ensinando nada! Por mim, ia conferir esse tal de curso – completava Anacleto, olhando desconfiado para a irmã.

– Deixa disso! A mana tava precisando de outra ocupação. Ficar presa aqui, dia após dia, não é fácil! E depois, só dois dias por semana. Quem sabe arranja um namorado e se casa? 

– O pai não parece muito satisfeito. Me disse que, assim que terminar a colheita, vai pra cidade averiguar.

– Vocês são muito desconfiados. Que mal pode haver? – Anacleto finalizava a conversa, afastando-se em direção ao banheiro. Estava cansado e um bom banho era do que precisava.

Logo depois do almoço, partiam Maria Flor e o marido sob o olhar furioso de Conceição.
“Me aguarde, Maria Flor! Vou pôr tudo em pratos limpos, amanhã mesmo!” – pensava Maria Conceição.

4


– Não estou entendo por que você disse que morava em um quartinho, que nem uma cama de casal tinha. Isso não é um quartinho de pensão. É um apartamento, pequeno, mas longe de ser um quartinho de pensão.

– Mudei pra cá na semana passada. Queria te trazer e fazer uma surpresa, mas você estragou tudo – disse Patrício sem conseguir esconder a irritação. – Vamos dormir que preciso acordar cedo.

No dia seguinte, à mesa, no café da manhã:

– Vou pro cartório, Não me demoro. Resolvo as coisas e tiro o resto do dia de folga para te levar conhecer a cidade. Enquanto isso, vá se ajeitando.

– Não posso ir com você? Assim fico conhecendo o lugar em que você trabalha e os seus amigos.

– Era só o que faltava! Querer ir ao meu local de trabalho! Já disse que não vou demorar! – retrucou e saiu batendo a porta, furioso.

“Por que ficou tão brabo? Parece que tá escondendo alguma coisa” – pensou Flor, já de posse de sua bolsa e saindo ao encalço do marido. Manteve uma distância prudente, apesar de julgar que o marido não pensaria que ela fosse capaz de segui-lo. Dois quarteirões depois, viu-o parar em um telefone público. Falou rapidamente, em seguida, dirigiu-se a uma pequena praça que havia do outro lado da rua. E, a julgar pela impaciência com que olhava o relógio, esperava por alguém. Vinte minutos após, uma mulher, a passos rápidos, aproximava-se do marido. A distância não lhe permitia vislumbrar com clareza, mas aquele perfil parecia-lhe conhecido. Beijaram-se rapidamente. O chão parecia sumir sob os pés de Maria Flor que, paralisada pela surpresa, no momento em que a mulher olhava ao redor, viu tratar-se de Maria Angélica. Estava vendo coisa.

– Não pode ser! Estou delirando!

Uma freada brusca fez com que Patrício e Maria Angélica se virassem. Lá estava Flor em frente a um carro.

– Sua doida! Quer morrer? – esbravejava o motorista. 

– Essa não! E agora, Patrício, o que vamos fazer?

– Vá pra casa. Vou resolver.

– Por onde você andou? – gritava furioso, sacudindo a mulher pelos braços, à porta do pequeno edifício onde morava. – Não te disse pra me esperar? Me fazer andar pela cidade feito bobo! O que você está pensando? Nem bem chegou e já está me dando trabalho!

– Eu vi você na praça – balbuciou.

– Viu o quê, sua doida?

– Você e Maria Angélica – a voz era um fiapo quase inaudível. 

Com um safanão, desvencilhou-se do marido e correu em direção ao apartamento, desnorteada, sem ouvir os guinchos de pneus e sons de buzina. 

– O que aconteceu, Flor?

Estava tão transtornada que sequer se deu conta da presença de Maria Conceição, sentada no sofá da sala, como se estivesse a esperá-los. Atrás entrou Patrício.

– O que está acontecendo, Patrício?

Patrício, com ar apalermado, olhava para Maria Conceição. Demorou alguns segundos para recuperar o sangue frio. Um brilho passou por seus olhos. Jogar com a natureza passional daquela mulher poderia ser a solução.

– Flor sabe a nosso respeito! Você sabe que tua família não vai permitir que fiquemos juntos. Vão nos separar, meu amor! 

– Eu não vou suportar ficar sem você! – soluçava Conceição, agarrada em Patrício.

Patrício afastou, suavemente, a moça e sentou-se no sofá com a cabeça enterrada entre as mãos, feito a imagem do desespero.

– Eu não sei o que fazer. Também não posso te perder. Cometi o erro de casar com Flor e se eu deixá-la, perco você. O que vou fazer pra não te perder? O que, meu Deus? O quê?

– Calma, meu amor. Vamos arranjar uma saída.

– Não temos saída, Conceição! Se eu abandonar Flor pra me casar com você, teus irmãos me matam. Nunca permitirão! Você sabe que eles me odeiam.

Flor permanecia no quarto. Enquanto na sala, Patrício e Conceição buscavam uma saída.

– Vamos nos livrar de Flor, Patrício!

– Como assim? – mal conseguia disfarçar a satisfação, tudo estava dando certo. 

– Eu odeio Flor! – murmurava Conceição entre dentes. – Não vou deixar que tire você novamente. Ela não vai me impedir de ser feliz.

– Não estou te entendendo, Conceição. O que você está planejando?

– Vamos matar Maria Flor! 

– Não! Ela é tua irmã!

– Eu a odeio com toda a força do meu coração. Eu quero que ela morra! Essa maldita! Quanto sofri ouvindo as risadas dela, no quarto, com você!

– Eu não posso fazer isso, amor!

– Pode sim! E vai dar certo! Basta que faça o que digo. Ninguém saberá! E poderemos ficar juntos! Pra sempre, sem Flor em nosso caminho. Chega de encontros às escondidas. É minha vez de ser feliz! – falava com firmeza.

No meio da manhã do dia seguinte, seu Agenor e a família receberam a notícia, Flor estava em coma, convulsionara várias vezes e dera entrada no pequeno hospital inconsciente. Antes que o dia acabasse, morreu, de parada cardíaca. 

 “Como era possível? A filha nunca tivera qualquer problema de saúde!” – perguntava-se o pai.

Patrício estava inconsolável! Os cunhados chegaram a sentir pena, tão grande era a dor daquele homem. Parecia ser maior do que a dor dos pais e irmãos. Não saiu de perto do caixão um minuto!

– Vá descansar um pouco, Patrício.

– Não. Preciso ficar perto da minha Flor até o último segundo – dizia, com a mão sobre o peito da mulher, morta, a cada um que se aproximava.

A súbita morte de Flor abalou a todos. Maria Conceição e Maria Angélica mantinham-se longe do caixão da irmã, até mesmo na hora do enterro. Nenhuma das duas pronunciou uma palavra sequer, cada qual imersa em pensamentos.

Dois meses após, Patrício ficava vinte dias ou mais sem aparecer na fazenda.

– Deve ser tristeza de vir e não encontrar Maria Flor – dizia dona Constância diante do sumiço do genro.

– Sei não... Acho estranho – falava Anacleto, descrente.

Quando foi um belo dia, Maria Conceição, que fora à cidade para o tal curso, não voltou para casa. Preocupados, o pai e os irmãos foram procurá-la. Resolveram ir ao apartamento de Patrício, pois ele conhecia o lugar e poderia ajudá-los. 

– O que houve? – perguntou Patrício, lívido.  – O que estão fazendo aqui?

– Quem é, meu amor? – perguntava uma voz feminina, vinda de um dos cômodos.

– Maria Conceição? O que ela está fazendo aqui, seu canalha! – gritou Teobaldo, segurando o cunhado pela garganta, no momento em que a irmã chegava à sala.

– Pare! – gritou a moça. – Eu e Patrício nos amamos e vamos casar. Não adianta armar confusão! Daqui, eu só saio morta! E agora, vão embora e nos deixem em paz!

Anacleto conseguiu acertar um murro em Patrício, que caiu. Conceição investiu contra o irmão e foi segurada pelo pai.

– Vamos embora daqui – disse Teobaldo. – Tomara que você não se arrependa, minha irmã!

 –Você não é mais minha filha! Não espere um tostão de herança!

Saíram os três sem conseguir articular uma palavra. Por essa não esperavam!

– Sua imbecil! Você estragou tudo! Te disse pra voltar pra casa! Pôs tudo a perder!  – gritava, enlouquecido, o viúvo.

– Como estraguei tudo? Você disse que íamos nos casar, Patrício! Não estou entendendo! O que você está dizendo?

– Tanto esforço jogado no lixo! Do que vamos viver, sua idiota!
Conceição tinha, no rosto, uma expressão apalermada, não entendia a atitude de Patrício.

– Tenho que pensar num jeito de amolecer o velho – murmurava entre dentes.


5


– Perdoa a nossa Conceição – pedia Constância. – Não quero ficar sem outra filha. É muita tristeza.

Agenor nada dizia, cabisbaixo, sofria a mesma dor.

Quatro meses depois, quando a tarde caía, dona Constância escutou alguém batendo palmas. Saiu à porta intrigada. Quem poderia ser? Não era hábito das pessoas dali não estarem em suas propriedades envolvidas em afazeres de final de dia. Ela sabia, por experiência, que havia muito a ser feito antes que a noite chegasse. 

– Maria Conceição, minha filha! O que aconteceu? Você está bem? Entre! Entre!

– Mãe, que saudade! – disse a moça, abraçando a mãe, em prantos.

– Vem, minha filha! Vou fazer um café. Tem aquele bolo de fubá que você tanto gosta!

– Melhor esperar que o pai chegue, aqui na varanda. Ele pode não querer que eu entre.

– Que bobagem, minha filha! O teu pai que não se atreva a te expulsar!

– Prefiro esperar na varanda. Quero conversar com vocês e com meus irmãos. Depois, a gente vê como fica. Me conta, mãe, como estão todos? Ainda muito sentidos comigo?

– O teu pai sofre muito, Conceição. Os teus irmãos também, mas ninguém fala nada. Acho que preferem não cutucar a ferida. Você entende, não é, minha filha?

– Eu amo Patrício demais. Amo mais do que a mim mesma. Não consegui evitar o sentimento. Foi mais forte do que eu. Rezo, todos os dias, pedindo a Deus que vocês me perdoem. 

– Eu te perdoei. Acho que teu pai e teus irmãos também. Ainda estão muito magoados, mas não têm raiva de ti. Vai passar! O tempo cura tudo!

– Deus queira, minha mãe! É muito triste ficar longe...

Não demorou muito, mãe e filha viram chegando os três homens. Maria Conceição retesou-se na cadeira. Não sabia como seria recebida por eles. Se o pai insistisse em não recebê-la, estaria em maus lençóis, pois não teria como retornar à cidade. Mas Patrício insistira tanto para que chegasse naquele horário!

 – Teu pai não vai ter coragem de te deixar ao relento – dissera.

Os três homens desviaram da entrada principal e se dirigiram para os fundos da casa, sem que um erguesse a cabeça. A mãe, apressada, foi atrás dos homens. Estava aflita. Não sabia como receberiam Maria Conceição.

– O que Conceição veio fazer aqui, mãe? – perguntou Anacleto.

– Não sei. Quer conversar com a família. Por favor, Agenor, não mande nossa filha embora – disse e voltou, rapidamente, à varanda, onde a filha esperava, torcendo as mãos, visivelmente nervosa.

Agenor estava de cabeça baixa e assim ficou, sem pronunciar uma palavra sequer. 

 –Vem, filha, vamos fazer a janta.

Todos estavam silenciosos à mesa, cabeça baixa. Só se ouvia, da cozinha, o cacarejo das galinhas à procura de pouso.

– Pai, mãe, estou grávida. Quero pedir perdão pelo desgosto que causei. O bebê não tem culpa de nada. Por favor, deixem que ele conheça a alegria de conviver com os avós e tios – tudo foi dito de um fôlego só, depois o silêncio, que parecia não ter fim.

Os olhos dos pais marejados e, no rosto dos irmãos, o espanto. A fala em todos engasgara. A mãe foi a primeira a sair do mutismo:

– Um neto! Que alegria, minha filha! Uma criança para alegrar a nossa casa – dizia dona Constância, buscando apoio no marido e nos filhos.
Agenor levantou-se da mesa, olhos marejados. Um neto! Quanto sonhara com isso!

– Amanhã conversamos, Conceição – disse o pai, indo em direção ao quarto, no que foi seguido pelos dois filhos.

– Viu, minha filha, teu pai ficou emocionado. Agora vamos dormir. Amanhã tudo se resolverá e você poderá voltar a esta casa, que é tua também, na hora que quiser. Um neto!  – abraçou a filha.

– Preciso avisar meu marido que estou bem e que passo a noite aqui.

– Sim, avise. Vou me deitar. O teu quarto está arrumado. 

– Eu sabia que tua família não te rejeitaria com um filho na barriga. Quero ver se teu pai vai ter a coragem de te deserdar! – falava Patrício, triunfante, à mulher no telefone. – Viu como deu certo? Agora nossa felicidade será completa!

– A porta de nossa casa tá aberta pra você e meu neto. Quanto aquele sujeito, é melhor que fique longe. Anacleto vai te levar – falava Agenor, despedindo-se da filha.

Tudo saíra conforme o planejado, a herança estava garantida.

– E teus irmãos, como reagiram?

– Não falaram comigo. Anacleto não disse nenhuma palavra durante o trajeto. Mas eu tenho um plano pra dobrar os dois.


6


Apesar de, duas ou três vezes por semana, Patrício chegar tarde em casa por conta do excesso de trabalho no cartório, a vida seguia mansa. A cada quinze dias, Conceição visitava a família. Era importante que acompanhassem a gravidez para fortalecer os laços, principalmente, com o bebê que ia nascer.

Certa tarde, Maria Conceição foi acordada da soneca, pós-almoço, pelo interfone, que tocava. Era o porteiro.

– Dona Maria, tem um moço aqui com uma encomenda.

– Deixe subir.

Era uma pequena caixa, envolta em papel de presente. Abriu-a. O olhar de Maria Conceição endureceu.

À mesa, na hora do jantar, Patrício observou o olhar distraído da mulher que, com o garfo, revirava a comida no prato sem que nada fosse levado à boca.

– O que foi, Conceição? Você está bem?

– Estou, meu amor. Um pouco preocupada. Nosso menino está chegando.

– Teus irmãos continuam arredios. Qual é o teu plano?

– Quando nosso filho nascer, meu pai e minha mãe me visitarão, certamente. Nem que seja só na maternidade. Lá, direi que nosso menino se chamará Anacleto e que Teobaldo será o padrinho – o plano foi confessado com indiferença.

– Excelente! Você é um gênio, minha querida.

Conceição sorriu.

– Nada nem ninguém vai me atrapalhar. Meus planos só serão mudados se eu permitir – completou, mirando, com determinação, o marido nos olhos.

10 de agosto. Nascia o pequeno Anacleto.

– Mãe, pai, olhem como é lindo o neto de vocês! Meus irmãos não vieram. Não conseguem me perdoar – dizia à mamãe, entristecida.

– Não se preocupe, minha filha. Faz mal pro leite. Eles vão se derreter com nosso Anacleto – Constância tentava acalmá-la.

Patrício se mantinha afastado. Não seria bom forçar uma aproximação. Ainda mais com a mulher tratando-o muitas vezes, nos últimos dias, com frieza. O bebê faria as coisas acontecerem.


7


– Teobaldo, vim para te fazer um convite.

Teobaldo dirigiu, à irmã, um olhar de pouco interesse. Já sabia da intenção dela. 

– Não se pode recusar convite pra batizar. Quando o batizado vai acontecer? E a madrinha?

– Vou convidar Angélica. Assim fica em família. O pequeno vai crescer convivendo com os padrinhos também. O que você acha?

– Pra mim, pode ser – respondeu e retirou-se. 

O instinto lhe dizia que nem tudo o que, ali, brilhava, era ouro. Havia algo estranho, ainda indecifrável, na conversa e movimentos da irmã.

Marcada a data do batizado, a cerimônia e a festa aconteceriam na fazenda.

– Faço questão de que meu neto seja batizado aqui, na fazenda, que é dele também – dizia o avô, cheio de orgulho, sem esconder o ar de felicidade.

Anacleto aproximou-se do sobrinho, que estava no colo da avó, tomou-o nos braços e, carinhosamente, beijou-lhe a testa.

– Você é bem-vindo, garoto! E tua mãe, também.

A conversa aconteceu quando Cletinho estava com dois meses de vida. A paz estava selada! Logo, Teobaldo também haveria de esquecer as mágoas.

No dia seguinte, à tarde, Patrício entrava nas terras do sogro pela primeira vez desde o incidente em seu apartamento. Não foi convidado a entrar, mas também não foi expulso. Não tinha pressa, ia comendo pelas bordas, sem correr o risco de se queimar.

– Então, Conceição. Como teu irmão reagiu?

– Está cauteloso. Mas vai se render, meu amor. O tempo faz milagres. Logo vai estar todo derretido com o afilhado no colo.

– E você ainda tinha dúvida de que um bebê faria com que teu pai esquecesse o propósito de te deserdar. Viu, minha querida! Teu marido é cheio de grandes ideias! E você soube dar o retoque final no plano. Convidar Angélica pra ser a madrinha foi sensacional!

– É mesmo, Patrício! Não tenho medo de tomar atitudes pra ter o que quero! Não hesito em tirar os obstáculos do caminho. Flor que o diga! Ela me tirou você e me vinguei por não ter sido eu a usar aquele vestido de noiva. O gosto da vingança é, incrivelmente, doce, meu querido! Mais doce do que o gosto do amor! 
O entusiasmado marido sentiu desconforto com o tom das palavras da mulher, aquilo parecia ter sido dito para ele. E o olhar de Conceição? Gelado! Mas devia estar vendo coisas que não existiam. Conceição era meio esquisita, no entanto, apesar da frieza, com que o tratava em alguns momentos, era louca de amor! Capaz de tudo por ele!

– Minha querida! O batizado na fazenda... O que eu precisava para voltar a entrar naquela casa. Todos vão ver o quanto sou apaixonado por você! Teu pai vai reconhecer que errou, quando me forçou a casar com Flor porque era a mais velha. Era você que eu amava. Casei com Flor pra não ficar longe de você.

– Claro que você é apaixonado por mim! Eu tenho certeza! Que mais eles poderiam querer pra mim? Tenho um marido amoroso e, acima de tudo, fiel! 

– Tem, sim! E agora, também sou um pai zeloso.

Um mês depois, o batizado aconteceu. Todos estavam felizes, inclusive os padrinhos. Angélica não largava o sobrinho afilhado. Seu Agenor até pediu ao genro que recebesse os convidados! Só dona Constância parecia melancólica, devia se lembrar da filha morta e pensar que aquele batizado seria ainda mais feliz se o filho fosse da sua Maria Flor. Maria Conceição tentava distraí-la, puxando conversa.

– Estou muito preocupada com Patrício, mamãe. Tem passado mal. Esta semana, fui chamada no cartório porque ele desmaiou. Um amigo dele me falou que tem visto meu marido ir ao banheiro para vomitar.

– Não deve ser nada além de muito trabalho, filha. 

– Não sei, não. Todo dia se queixa de dor forte, não tem comido direito, vomita com frequência. Já disse pra consultar um médico, mas ele diz que não pode faltar no serviço. 

– Teu pai me pediu pra receber o pessoal que ia chegando. Logo, logo, vai me chamar de meu genro e me convidar para uma cerveja – comentava o vivaldino, esfregando o estômago, no caminho de volta para casa. – Não dou três meses para que ele nos convide a morar na fazenda. Não vai querer ficar longe do moleque. Três meses! E vamos estar morando lá! Quer apostar?

– Três meses é um prazo bom para se corrigir o que precisa. A paciência é amiga da perfeição. Tudo precisa ser bem planejado para que nada dê errado. Três meses, Patrício! – assentiu Conceição.

– Viu só! Caíram como mosca no mel. Eu sou um vencedor! – gabava-se.

– É um vencedor, sim! Mas o jogo ainda não acabou. Tem muita água pra correr por debaixo da ponte, meu esperto marido!

– Como assim? Você está me escondendo alguma coisa? Nestes últimos meses, tenho te achado um pouco estranha. Às vezes, você me trata de um jeito que me assusta. Parece que está com raiva. O que está acontecendo, meu amor?

– Não está acontecendo nada. Este bebê me consome. Nem dormi uma boa noite. Estou cabeceando. Me desculpe, meu amor, se tenho descuidado de ti. Logo, tudo acaba.

Um mês depois dessa conversa, Maria Conceição preparava a mudança para a fazenda. “Quero meu neto aqui! Tá resolvido! Vocês vêm morar na fazenda. Meu neto vai aprender a gostar dessa vida” – dissera-lhe o pai. Patrício exultava! Teria que continuar na cidade por causa do trabalho, mas esse era um detalhe sem importância. Iria para junto da mulher e do filho todos os finais de semana. 

“Em três dias, Conceição vai pra fazenda, e eu fico livre dela e desse monstrengo chorão, ainda de quebra, tenho o futuro garantido” – pensava.

– Conceição, prepara só uma salada pro jantar. Essa dor de estômago não me larga.

– São as porcarias que você come no escritório nas noites em que fica trabalhando. Vai ver já está com uma baita úlcera! Vou fazer uma salada verde e, antes de dormir, você toma um chá de raiz amarga. Vai melhorar.


8


– Conceição, Conceição! Me ajude! Me leva pro hospital. Onde você está, mulher?

– Já vou, meu amor. Preciso trocar a fralda do Cletinho.

Maria Conceição, há quase uma hora, do quarto do bebê, assistia à agonia do marido.“Pobre, Patrício! Quantas vezes te falei que essa tua mania de comer coisas picantes, apimentadas ia te matar?” – pensava.

– Conceição! Conceição! Socorro!

– Meu amor! O que você está sentindo? – perguntava da porta do quarto sem, no entanto, se aproximar.

– Um médico. Chama um médico. Água! – mal conseguia articular as palavras.

– Água? Vou buscar, mas antes, quero que você veja o presente que recebi pouco antes do Anacleto nascer – falou, estendendo a caixinha que recebera. – Acho que você não vai conseguir abrir. Abro pra você, meu amor. E ler, será que você consegue? Hum! Acho que não.

Patrício, olhos esbugalhados, pupilas dilatadas, suplicava:

– Rápido! Um médico.

– Calma, querido! Você não vai querer estragar esse momento – retirou da caixa um bilhete e leu: “Teu marido anda fazendo muitas horas extras. Abra os olhos.” – Querido, tenho me divertido com tudo. Angélica te chutando e você enlouquecido de paixão e ciúme! Rapaz vigoroso o teu concorrente. Ah! É danada essa minha irmã! Flor descobriu sobre você e Angélica, não é? Você me usou para fazer o serviço sujo. Narciso! Que lindas flores. Lembra? Sabe a salada de folhas verdes que você comeu? E o chá de raiz amarga depois do jantar? Belladona! Que planta espetacular! Deu trabalho para conseguir. Mas você merece algo mais sofisticado! Sabe que teus amigos do cartório estão preocupados com tua saúde? Comentaram comigo que você tem passado mal durante o trabalho. Sabe de quem é a culpa? Daqueles sanduíches naturais que eu preparava para você levar.  Você não devia fazer tantas horas extras! Acabou com tua saúde.

Na mesma noite, nem bem deu entrada no pronto socorro, morreu Patrício. Era de partir o coração de ver o desespero de Conceição, que se jogava no chão e arrancava os cabelos. Sequer recebera atendimento. O plantonista havia faltado. A viúva jurava que ia colocar o médico na cadeia, pois era o culpado pela morte do marido.

No dia do enterro, Maria Angélica se aproximou e abraçou-a, tentando confortá-la. Conceição se jogou nos braços da irmã, olhando, por cima do ombro, a causa da discórdia entre Patrício e Angélica.

“É um belo homem! Visto assim, de perto, é ainda mais interessante. Valerá a pena!” – pensou Conceição, fixando o olhar brilhante de cobiça no rapaz. 


Marias. In: Elas contam. Contos e crônicas. 1ed. Joinville: Sucesso Pocket, 2016.