Versos
Faço versos para namorar a Lua
Que ao deitar-se do dia,
Levanta-se majestosa,
Tão bela, distante e tão fria!
Eu sozinho, ela não me vê...
Intangível, vigilante nas alturas,
Acho que só as estrelas ama
Desinteressada de mim... tão blasé.
A meus olhos quase nada se mostra
Sabe-se por mim adorada,
Míngua, brinca de esconde-esconde
Como donzela recatada.
Fascinado, aguardo-te cheia,
preso em teu aranhol.
Lembra-te, altiva!Lembra-te!
Só brilhas por causa do sol!
Transição
É tempo de mudança,
Equinócio de outono,
O sol arrefece os dias,
O verão em fim descansa.
Ao desnudar-se na estação,
Em tranquilo desfolhar-se,
De dourados crepúsculos enfeitada,
Fica a árvore nua...
Em completo abandono.
Há beleza e há melancolia
No amarelado das folhas que caem,
E levadas pelo vento, ou não,
Apodrecem e nutrem a terra,
Depois de rendar o chão.
São mais longas as noites...
São mais curtos os dias...
Na inclemência do frio,
Aguarda, a árvore, paciente,
O equinócio da primavera
Que irá vesti-la lindamente
De flores,
Cores,
Com fartura de broto macio.
Ressurge a nua árvore,
Inda mais bela!
.E dos ninhos dos pássaros,
Das criaturas novas,
Ouvir-se-á o balbucio.
Odenilde Nogueira Martins
Pitanga
(para
Salvador Neto)
Por entre a vistosa ramagem
de brancas flores rendada,
via-se, em primeiro plano,
a fruta vermelha e carnosa.
Exalando aroma agridoce, exibia-se
a pitanga perfumosa.
Não que outras não houvesse,
nenhuma tão lindamente desenhada.
Eu, encantado, cobiçava-te,
desejoso de tua doçura.
Vi um bem-te-vi,
seduzido por tua
belezura
de tua polpa querendo provar,
em galho próximo, brejeiro:
- Bem-te-vi...bem-te-vi! – avisava.
Mas, pra minha sorte, foi a mim
que tu viste primeiro.
Bem te vi, mulher!
Que a mim, viste primeiro,
e teu sabor adocicado,
pude eu, provar por inteiro.
Retirante
Retirante de mim,
submersa em profundezas
e labirintos de limo escorregadio,
garimpando memórias na desordem do caos,
de pecados tantos já extintos!
Afogada em enxurradas de paixões,
angústias,
tormentos,
alegrias...
delicias em
chuviscos.
Noites frias,
noites escuras,
noites de lua,
airosas
madrugadas.
Retirante do mundo,
trajetórias feitas de alarido,
confusos rabiscos,
daquilo que foi e podia ter sido.
No cálice, de puro cristal, bebida doce,
na boca, o gosto do fel bebido.
Não existe tempo
Tempo não existe para regar a amizade,
Sem que o curto tempo a degrade.
É curto o tempo para viver,
Tudo tristemente liquefeito e fugaz,
Que a pressa impensada perfaz.
Melancolicamente, o sólido,
Em compras, trocas e vendas,
Freneticamente, se desfaz.
Tempo para a semeadura,
Não há!
Há tão somente a colheita rápida,
Desavisada...
Que ceifa o prazer de ver
A indefesa semente brotar.
Quase não há tempo,
Para a garimpagem de verdadeiros tesouros,
como as delicadezas do amor
Que não feito de vento,
Solidifica-se e torna-se duradouro.
Não há tempo para o cultivo
Neste tempo líquido em que vivemos,
Resta-nos, pois, assistir à morte perene
De todos os possíveis amores.
Seres caricatos, vítimas da solidão
do agora,
que impiedoso nos planta todas as dores.
Fujamos! Esta é a hora!
Antes que a fluidez nos condene.
Tiê-sangue
Em alvíssimos lençóis de seda,
Deita-me, belo, o tié-sangue.
Traz a noite em suas asas negras,
Promessas de paixão, o corpo, labareda.
Legislador de mim em frenesi,
Suplício nos inconciliáveis sentimentos,
Em êxtase e de amor bêbada,
Me toma o juízo ... e voa!
Amou-me o tié-sangue,
depois, partiu ligeiro.
Debruça-se, já, sobre outra fruta madura,
Olhar maroto, sorriso brejeiro.
Na alvura de outros lençóis,
Suga a doçura de uma amora,
Depois, lânguido, esparrama-se faceiro,
Inconstante, há pressa em partir,
Nele agora.
Leve
Leve é a fumaça do cigarro,
que em espiral azulado,
sobe aos céus e desaparece.
Leve é o copo de líquido gelado
que chega à boca,
desce sem curva,
em outros líquidos se mistura,
e lá se vai a razão,
descuidada, fica turva.
Leve é o voo da borboleta
que pouco pousa,
pois é de vida curta,
e por isso, talvez, se faça breve.
Leve é a dor alheia,
pois outrem senti-las,
não podem, mas é sabido,
sofrimento e alegria a vida permeia.
Tão leve é a mulher que passa,
de rosto bonito
e andar bamboleante,
de quem só vimos a graça,
dela só se diz da beleza estonteante.
Leve é o tempo ardiloso
que imperceptível,
por todos passa.
Ou será que somos nós
a passar por ele?
Leve é o vento de outono
de manhãs orvalhadas,
de folhas que caem,
silenciosas,
e, no chão, apodrecem.
Leve é a conversa sem compromisso,
que despreocupada, pouco, ou quase nada,
acrescenta,
e em mesa de bar acontece,
descontraída, frouxa é a risada.
Leve é o encontro impensado
e sem amanhã,
que se perde em poucas horas,
de
abraços esquecidos e beijos molhados.
Que as minhas, as tuas, as dores do mundo,
mesmo que não sejam leves,
não durem muito,
sejam breves,
e bom ventos que as soprem,
e para bem longe as levem.
Leves são estes versos?
Tomara não sejam breves!
Indomado
Coração disparado no peito,
Indomável! É dor de saudade não finda.
Preso esse grito medonho
É monstro a devorar.
- Deixa-me em paz!
Grita! Grita! Gritaaaaa!
Coração disparado no peito
Que dor o teu palpitar.
Explode, grito contido!
Explode! Grita!
Esta alma quer sossegar.
Pobre coração torturado,
Se bate, debate, arrebatado. Alívio?
Ai, coração! Ai... Ai... Ai...
Horizontal
Ah! Esta vida na horizontal,
Tão sem charme, tão tediosa, tão igual!
Na inércia do tempo que corre,
Melhor ser folha solta,
E o vento a chibata bondosa
Que de leve chega e açoita,
Faz rolar por entre as pedras,
Sobre o chão úmido,
Por terras tantas!
Folha se faz,
Encharcada pela chuva perfumosa.
No correr das horas modorrentas,
Levada como um raminho,
sentindo o fim que se aproxima,
E antes que limo se crie,
Possa ter, finalmente!
O repouso... Em ninho de passarinho.
FELICIDADE PROIBIDA
VESTIDA DE ANSIEDADE, EM FELICIDADE PROIBIDA
NA FLOR, RUBRA
ROSA,SOU MULHER
SOU FÊMEA PERFUMOSA,
DE PUDORES E CULPAS
DESPIDA.
OS TOQUES DE TEUS
DEDOS SOALHEIROS,
VIAJANTES, INVADEM,
PASSEIAM
POR ENTRE PLANÍCIE , MONTANHAS, RETAS E CURVAS
HORA VAGAROSAMENTE DESLIZAM, HORA... PASSAM LIGEIROS.
ESCRAVO DE TUAS MÃOS TÃO GENTIS
DO AÇOITE DOCE DE
TEUS BEIJOS,
DE TUA BOCA SUMOSA,
ARDO INTEIRA, INTEIRA ARDO!
SUBMETO-ME, APRENDIZ.
SUBMETO-ME, APRENDIZ.
TEU CORPO
ARRUACEIRO, NO MEU, TRÊMULO, EM FOLGUEDO
COM DOÇURA E CARÍCIAS, RABISCA EM TODOS OS MOMENTOS,
COM FIRMES PINCELADAS, IRRESISTÍVEL ENREDO
BORDADO DE LOUCURAS, PROMESSAS E JURAMENTOS.
Lança
Mão firme, avança,
Lança a lança de paixão cortante,
Lança pedra,
Lança flor,
Lança o beijo,
Que me alcança.
Lanço-me em seu encalço,
Quanto mais corro,
Menos alcanço,
Avanço...
Lanço flor,
Lanço beijo.
Você ri,
Faz troça,
Lança a lança cortante,
Lança pedra,
Lança esta dor abrasante.
Justiça
Em rua curta e estreita... Sem saída,
Escandalizo com coisas tantas,
Engasgo, engulo e tudo vira ferida,
Que me rasga, a palavra na garganta.
O extremo da rua, saída fechada
queixume em
obstáculo esbarra
o eco fantasma, em triste caminhada,
Retorna na repetição de absurdos,
Justiça feita de fachada.
Infindo
Acordes lamuriosos da canção de dor
de amor,
Triste composição de tons incolores
Em notas mais que dolorosas,
de cantos vãos e de desencantos,
tão fortemente tingidos de minhas dores.
Reviram min’alma, choram meu olhos,
são notas compostas com meus dissabores
e de todo o canto, só o tempo é antigo
matizado de tão tristes cores,
da distância física, o desassossego,
do amor que inda trago
comigo.
Como na canção,
metamorfoseando-me,
boca outra, vivo o teu beijo,
outros braços, à
procura de abrigo,
corpo qualquer é a
ti que vejo.
Venha quando quiseres,
Com o querer liberto, bem-querer infindo,
sem pressa,
como se o
passado não houvera
o agora chegou, é o tempo certo,
canção alegre, findar-se-á a espera.
DESILUSÃO
VULTOS,
INSULTOS,
PLANGÊNCIA,
SUSPIROS E DOR.
DELÍRIOS E MÁGOAS,
DESENTENDIMENTOS,
ENGANOS,
ARREPENDIMENTOS.
O QUE MAIS?
NADA!
BASTA DE DESILUSÃO.
Deleite
O que riscou o caminho,
Não foi um gato preto
Nem raio de sol
Ou saudade...
Para deleite de meus olhos,
em gozo de orgia breve,
uma borboleta a
voar,
de flor em flor pousa,
leve.
Inconsciente do tempo...
e da morte,
brevíssima, em tudo se faz,
bate asas e leve voa,
lá vai a borboleta em paz.
O que riscou o caminho,
para deleite de meus olhos,
em voo de orgia breve,
indiferente aos espinhos,
uma borboleta,
de flor em flor pousa leve.
EU QUERO
BEBER!
EU QUERO BEBER DOS TEUS LÁBIOS,
QUERO BEBER DE TUA BOCA
PALAVRAS DE
AMOR? NÃO,
DE PAIXÃO!
DE PURA PAIXÃO !
LOUCURA!
DE CORPO
SUADO E MENDIGANTE,
A IMPLORAR: POSSUA-ME!
FACEIRA,
ESQUIVA... POSSUIR-TE?
SIM! PAIXÃO SIM, URGENTE
DO SEXO FORMIGANDO!
FORMIGANDO A DOER, ARDENTE.
MALTRATANDO!
AOS PÉS SUPLICANTE...AMA-ME!
AMANTE! E
SÓ!
ANTAGONISMO
TENHO ANGÚSTIAS QUE NEM CONFESSO
QUANTAS VONTADES QUE NÃO SEI DIZER
MUITOS SONHOS QUE SE DESMANCHAM
E UM MEDO, NEM SEI DE QUÊ.
TAL QUAL RIO EM TURBULÊNCIA
PROCURO...PROCURO... PROCURO
JOGADA PARA LÁ E PARA CÁ,SOU MARIA,
SOU MADALENA.
SOU VAZIO SEM BEM QUERER.
ÀS VEZES, SOU NOITE SEM LUA,
SOU SILÊNCIO, SOU DESESPERO,
SE SOU SOL, EM TI SOU PLENA,
DE TÃO ANTAGÔNICA ME SINTO,
QUE VIRO NOITE QUANDO É DIA,
SE AMANHEÇO TARDE ESCURA,
SOU TRISTEZA E MELANCOLIA.
TENHO SIDO TRANSMUTAÇÃO,
QUANDO DA NOITE VIRO DIA,
SOU PAZ, SOU TRANQUILIDADE,
SÓ CONHEÇO A EUFORIA.
E ASSIM SIGO... SÓ.
SENDO NOITE, SENDO DIA,
SENDO TRISTEZA E SILÊNCIO,
SENDO ESPERANÇA E ALEGRIA.
Delito
Na aspereza do engasgo, palavra não dita,
No cansaço da noite mal dormida,
De silêncios e ausências acumuladas,
No espanto do abraço negado,
És, tu, o que nos resta, oh! Solidão maldita.
Verdades negadas, fé maculada,
No delito cru das mentiras ditas,
Passeiam altivas palavras tortas,
Na boca doce, inverdades brotam,
No peito meu, esperança morta.
BREVIDADE
ARANHA NEGRA E BRILHANTE
QUE TECE EM UM VAIVÉM
ILUSÕES EM TEIAS CINTILANTES,
VOA O TEMPO E ... NADA SEI.
SEI DA BRISA QUE SOPRA SUAVE,
TRAZENDO O CHEIRO DA FLOR,
CONTANDO-ME TANTOS SEGREDOS
TAL QUAL VIOLA AO CANTADOR.
E TU, PASSAGEIRO INDIFERENTE,
QUE TACITURNO SÓ QUERES PASSAR,
DESPERTA! OLHA PRA VIDA,
TEU TEMPO NÃO TARDA A FINDAR.
Dança!
Espiando da janela a moça pálida,
Contempla a belezura da noite,
Da mansa brisa cálida que se espalha,
No rosto magro, a carícia do açoite.
No rodopiar de imaginária valsa,
Enamorado baila seu coração,
E nos braços do bem-amado,
A volúpia disfarçada,
Dão-se, os amantes, as mãos.
Dança, moça pálida, dança!
Dança que a noite é toda tua
E despudorada lua bela e cheia,
A ti, mostra-se nua!
VIDA MINHA
TENHO PAIXÃO PELA VIDA,
MINHA VIDA, VIDA ALHEIA
QUE FERVILHA POR TODOS OS LADOS
VIGOROSA EM MINHAS VEIAS.
SOU PEDAÇO DE QUASE NADA!
TÃO ÍNFIMO QUE QUASE SOME,
MAS ASSOCIADO A OUTRO PEDAÇO,
COMPLETA-SE EM TI, MEU HOMEM!
FRAÇÃO MÍSERA DE TEMPO
QUÃO PEQUENA É MINHA EXISTÊNCIA,
QUE PENA! NÃO DURA QUASE NADA
ESSA VIVÊNCIA TERRENA.
NESSE GIRA-GIRA DO MUNDO,
A VIDA É UM CARROSSEL
QUE FRÁGIL SEGUE GIRANDO
TAL QUAL FIO EM CARRETEL.
TRANSCENDER ESPAÇO E TEMPO,
AMBICIONA TODO MORTAL,
A ETERNIDADE, NEM QUE SEJA DO NOME,
É O QUE BUSCAMOS AFINAL.
COISAS...
HÁ COISAS QUE ME CAUSAM AGONIA:
ABRAÇO CONTIDO QUE NÃO CONFORTA,
MÃO FECHADA QUE NÃO ACARICIA,
LÁBIOS EMUDECIDOS, VERDADE MORTA.
HÁ COISAS QUE ME CAUSAM PESAR:
A MENTIRA QUE SÓ MACHUCA,
O AMOR QUE NÃO CRIA RAÍZES,
A SAUDADE QUE FAZES CALAR.
HÁ COISAS QUE ME CAUSAM ALEGRIA:
AMOR DITO E CORRESPONDIDO,
BOCA DISPOSTA A BEIJAR,
CORAÇÃO VIBRANDO NO PEITO
E A PAIXÃO ESPARGIDA NO AR.
ÂNSIA
DE ÂNSIA ENORME QUASE ME PERCO
EM FELICIDADE ESCONDIDA, VERDADE FUGAZ
ENFEITADA DE SONHOS, DE MIM ME ESQUEÇO,
CEGA DE AMAR, QUERO MAIS E... MAIS.
VIBRANTE DE PAIXÃO, NUNCA ME CONTENTO,
É VERDADE INADIÁVEL DE BUSCA URGENTE,
A VIDA É EFÊMERA, MONSTRO INVENCÍVEL!
QUE LIBERTO DA JAULA E DE CORRENTE,
SEGUE IMPLACÁVEL, O INIMIGO TEMPO.
E É ASSIM... EM CORRIDA DESABALADA
QUE ME FAÇO,
DESFAÇO,
DESÁGUO EM OCEANOS TURBULENTOS,
AÍ, EU ACONTEÇO.
Desamparo
Lambendo a rua
nua e crua,
pés quase descalços,
em chinelos gastos,
um arrasto,
sem abrigo,
ao relento,
ausentes os rastos.
Nos braços moles,
traz consigo triste fardo,
já condenado,
desnutrido rebento,
olhos turvos de tristezas,
secos, sem ornato,
na noturna solidão,
remexem o lixo ratazana e rato?
Rostos endurecidos,
a rua nua atravessam,
e passam
todos os entes,
não há estendida uma mão,
miséria n’alma e no corpo,
doente,
pela dor e sofrimento,
entorpecido.
O descanso sobre usado papelão,
lambendo a rua nua e crua,
pés quase descalços,
em chinelos gastos,
vida vazia de ornato,
da sorte só mais um desvalido,
remexe o lixo,
ratazana ou rato?
CORAÇÃO DE MENINO
DO ALTO DA COLINA O MENINO VÊ,
NÃO O CASARIO CINZENTO DO VILAREJO,
VÊ O AZULÁCEO DA CÚPULA
MAJESTOSA
E DAS FLORES DOS IPÊS,
O FESTEJO.
O MENINO VÊ NA MAGIA TRANSCENDENTE
DOS DESENHOS DE
ESBRANQUIÇADAS NUVENS
A BELEZA, DO CORCEL QUE GALOPA
DE ENCONTRO AO LARANJA DO SOL INCANDESCENTE
ALIADO , SEU AMIGO , O TEMPO,
EM PURO ÊXTASE, SONHA
O MENINO, EXPLODINDO EM SENTIMENTO
DERRAMA AMOR , NELE
SE BANHA.
O CHEIRO DE MUNDO, O
MENINO SENTE
NO VENTO SUAVE E
PERFUMOSO
ESPARGIDO NO AR, É ESPECIOSO,
INODORO AO CORAÇÃO INDOLENTE.
CHUVA MANSA
SINTO DA CHUVA MANSA A OLÊNCIA
NO BAFO QUENTE DA
TERRA SOFRIDA
QUE A CADA
GOTA,FESTEJA A CLEMÊNCIA
POR NELA PLANTAR , CERTEZA DE VIDA.
CORRENDO OBLÍQUA E LIVRE DE AMARRAS,
TUDO LAVA ... CAMINHOS ALARGA!
ÉS BENDITA,OH! CHUVA MANSA,
QUE POR ENTRE A RELVA QUE ESTREMECE
PASSA ALEGRE, FAZENDO ZANGUIZARRA.
ANSEIO EM SEU ABRAÇO
SER ENVOLVIDA
DE SEUS PINGOS FRESCOS ME NUTRIR
E DE TODOS OS MEDOS DESPIDA,
PEÇO-TE LICENÇA,
PRECISO FLORIR!
Descompasso
No descompasso de outros passos,
passo.
Passante, itinerante, passageira.
Pedaço de espaço,
abraço,
ardores enigmáticos de espanto e encanto,
urgências faço, cansaço.
Esparsos caminhos traço,
passo.
Enlaço-me, dou passos,
passante, itinerante, passageira.
Desilusão
Habitam a terra dos mortos as minhas ilusões
Cujas noites são tenebrosas e escuras
Onde esquecidas estão todas as paixões
E todos os dias são cobertos de agruras.
Um vazio de mundo que carcome
A alma dura de sentimento oca
Enfastiada de tudo não sente fome.
Desejo insatisfeito, doloroso bramido
Na lógica absurda da mente louca
Que procura na fúria da ventania
O gosto doce do céu de tua boca.
De todos os caminhos, perdida,
Deixa-se cair no vale dos mortos,
Inerte, e ali jaz, sem guarida.
FÚRIA
ENFURECIDO,
BATE A PORTA, RUGE O VENTO
TAL FERA DE IRA TOMADO.
DERRUBA,
TORCE,
E ESTRAÇALHA!
IMPIEDOSO!
CHEGA, CORRE,
VIRA, REVIRA.
FORÇA IMPERIOSA
QUE VEM E DEVASTA
TAL QUAL MALDIÇÃO ME CONSUMINDO
NA ÂNSIA DO BEIJO QUE ME ACALMA.
Curvas
Gosto das curvas!
Das curvas das estradas,
Dos rios,
Das árvores,
Das pessoas.
Gosto mesmo é das curvas!
De todas elas!
Ah! As curvas das palavras...
Tão belas! Tão enigmáticas!
A essas, me curvo!
Ainda gosto mais daquelas que tens em ti,
As curvas de tua boca, do teu olhar
Quando foge do eu, para nada revelar.
Curvas que não apontam caminho,
Misteriosas, inesperadas.
O inesperado!
Fascinante, por vezes, tortuoso.
É das curvas que gosto mais
Sinuosas, insinuam,
Aquelas que conhecidas,
Sempre surpresas reservam!
Pois mostram quase nada,
Não me tiram a vibrante descoberta.
Ah! Que pena sinto das retas!
TRANSFIGURAÇÃO
DÁ-ME A DOÇURAS QUE ESCONDES
FERIDA EM TEU PEITO.
EM TROCA,
DOU-TE A MINHA CRENÇA,
A MINHA CORAGEM,
A MINHA VONTADE DE VIVER
E DE AMAR SEM TEMOR,
POR INTEIRO.
DOU-TE O QUE TENHO DE MAIS INTENSO,
VERDADEIRO,
INABALADO,
DESTEMIDO.
DOU-TE O MEU AMOR
TRANSFIGURADO EM ZELO,
MIMO,
CUIDADO.
DÁ-ME O TEU TEMOR
TRANSFIGURADO,
TRANSFORMADO EM AMOR.
VERDADE
MESMO NO CACO DO ESPELHO
QUE SE PARTE,
VEJO-ME INTEIRA.
É NO CENTRO DA IMAGEM
QUE ME PERCEBO
NA VERDADE INCONTESTÁVEL
DA PESSOA
QUE DE PERFIL ENTRA.
MEIA VERDADE,
DISTORCIDA,
REMENDADA,
A SUA VERDADE,
METADE BELA DE ILUSÃO E UTOPIA,
EM QUANTAS VERDADES DIVIDIDAS?
Folhetim
Vou embora de mim,
Deixo para trás, sentimentos não sentidos,
Máscaras bizarras, caricaturas tristes
De tanto ser já fingido.
Cansei de dores inúteis,
sem fim,
De seu dedo em riste,
Deste amor de folhetim.
AUSÊNCIA
EM MINHA CAMA, CONCHA VAZIA
NAS AUSÊNCIAS,
NOS SUORES DE DESEJO,
NA FRUTA PARTIDA AO MEIO,
PROCURO-TE.
EM TEU SILÊNCIO,
NA ESPERANÇA VÃ,
NA SOLIDÃO TODA NUA,
PROCURO-TE.
GRITO SEM ECO,
LÁBIOS EMUDECIDOS,
CORPO VAZIO
DE SENTIMENTO PARADO
COMO UM LAGO DE ÁGUA MOFADA.
VENDAVAL
NÃO SOU
BRISA SUAVE
QUE DE LEVE TEU
CABELO ESVOAÇA.
SOU
VENTANIA, SOU VENDAVAL...DERRADEIRO
QUE TE ASSUSTA! CORRE SOLTO!
POSSUINDO-TE POR INTEIRO.
NÃO SOU SUAVE BRISA,
QUE COM SEU
FRESCO BAFEJO,
O CALOR DE
TUAS NOITES SUAVIZA
E PACIFICA TEU
CORAÇÃO ANDEJO.
SOU VENTANIA
QUE BATE TODAS AS PORTAS,
DERRUBA
BARREIRAS, DESLIZA...
PARA QUE TE
ABRAS PARA MIM,
NA
ETERNIDADE DAS HORAS MORTAS.
SOU
VENDAVAL, SOU TEMPESTADE,
BORRASCA EU
SOU! QUE NO ARRASTO
PÉTALAS
CARREGA, SÓ PARA ENFEITAR-TE,
MEU AMOR!
SOLIDÃO
GÉLIDAS NOITES DE INVERNO
DE FRIAS MONTANHAS MUDAS
E O MAR NEGRO MAIS ETERNO
MAIS TERRÍVEL, MAIS PROFUNDO.
ESTE RUGIDO DAS ÁGUAS
É UMA TRISTEZA SEM FORMA:
SOBE ROCHA, DESCE FRÁGUAS,
VEM PARA O MUNDO E RETORNA...
E A NÉVOA DESMANCHA OS ASTROS,
E O VENTO GIRA AS AREIAS,
NEM PELO CHÃO FICAM RASTROS,
NEM, PELO SILÊNCIO, ESTRELAS.
O TEMPO
O Tempo tudo tece,
costureiro implacável da vida,
remenda as
histórias de quem padece,
cura lágrimas de dores vertidas.
E sempre mais próximos da morte
o Tempo cavalo alado, indiferente,
por nós, segue e passa,
toma-nos o corpo, sem esquecer-se da mente.
Em seu incontrolável tropel,
longo prazo, curto se faz,
diante Dele a vida frágil, rasga-se feito papel.
O humano vaidoso, com Ele não há trapaça,
desnudado de tudo, à terra torna e... jaz,
desaparece do mundo, igual espiral de fumaça.
Amanhecer
Vultos,
Insultos,
Plangências
E suspiros de dor.
Delírios e mágoas,
Desentendimentos,
Enganos,
Arrependimentos.
O que mais? Nada!
Basta de ilusão! É preciso!
Noite afora, noite adentro,
Noite sem lua, nem nada
Na escuridão, a vã procura,
Dormita,
Dorida,
Dormente. E eu incauta, desprevenida.
Fabulador,
Farsante,
Feiticeiro.
Tu, de enganos feito,
Gira,
Graceja,
Galhofa. Embusteiro!
Falastrão,
Gabarola. Fim!
É preciso amanhecer!
Eus
Tenho eu tantos eus que me espanto!
Caras, sentimentos, quereres diversos,
Fragmentos inteiros, frutos de momentos,
em delícias,
delicadezas,
fúrias,
universos.
Trago n’alma marcas e ranhuras,
testemunhas deste eu tão controverso!
Lavro a palavra, bendita companheira,
das horas de alegria e isolamento,
que em tempos de obscuridão
em teias grudentas,
tecem tramas,
dramas,
dolorosos enfrentamentos,
tantos!
que só cabem em meus eus,
torvelinhos,
em tórridos
pensamentos.
Para a minha mãe
Amo as mãos. Não todas.
Amo a generosidade da mão aberta
Que, quando se fecha, recolhe destroços,
Na bondade incansável do gesto de oferta,
no ar, do nada,
traça esboços.
Amo as mãos fecundas que espargem
Na Terra, a bendita semente
E na colheita esperam ver brotar
O fruto de sua coragem tão somente.
Amo as mãos ingênuas da criança
Que ignorantes das verdades do mundo
Inda mais amo as mãos tremulantes,
Que fracas da velhice padecem,
Mudas de queixas, erguem-se vacilantes
mostrando força, inda amor oferecem.
Entre as tantas mãos que eu amo,
Benditas sois,Oh! Mãos maternas!
Que estendidas dão-se sempre,
Semeiam a paz, na oração
Semeiam o amor, na compaixão
Carregando dores suas e de seus entes
Pena, mãe querida, não sejam elas eternas!
TRISTEZA
RUGE ZANGADO O MAR,
CIUMENTO DE SUAS ONDAS ESPUMOSAS
QUE BATEM E REBATEM E LAMBEM ROCHEDOS,
PARA DEPOIS, SEMPRE CANTANTES
SOBRE AS AREIAS BRANCAS,
DERRAMAR-SE E ESPARRAMAR-SE DENGOSAS.
ENTÃO,BRANDAS E SILENCIOSAS
COMO EM CANTILENA, CARREGADAS DE SEGREDOS
NUM RASTRO DE ALVA RENDA,
ENCOLHEM-SE, RECOLHEM-SE SERENAS.
E NESSE VAIVÉM,
ENTRISTECIDAS FICAM AS AREIAS,
ENTRISTECIDOS FICAM OS ROCHEDOS.
Síntese
Aquele galho partido,
Partiu quem sabe o porquê?
Quebrou-se de tanto pesar,
Rachou de tanto sofrer.
Simplicidade
Singela é a branca margarida,
em longo pedúnculo unitária
que encimada em receptáculo cônico
ao sabor dos ventos dança solitária.
Tem a leveza da simplicidade
De rebuscamento inútil, se faz toda nua
Como minha palavra sem vaidade,
tão simples, tão bela... É minha e é tua.
Encantada
De cômodos poucos e minúsculos,
paredes por retratos e quadros de santos, enfeitadas,
janelas de madeira
rústica sem vidraças,
por cortinas de chita, ornadas.
Lá, porta uma só havia:
por onde se entrava,
também se saía.
À noite, no alto do morro,
listras luminosas espargidas,
lançadas em diferentes lados,
saíam das paredes fendidas.
Fachos pálidos de luz,
sumiam e apareciam.
Carregado pra lá e pra cá,
por mãos de sombras bruxuleantes,
que em seu interior perambulavam,
um lampião a querosene lá,
no alto do morro,
a escuridão da noite alumiava.
Paredes por retratos e quadros de santos enfeitadas,
janelas de madeira
rústica sem vidraças,
por cortinas de chita, ornadas.
E, fora, a noite geometricamente cerzida,
por luz em fachos retos
e pelos circulares piscares...
Intermitentes...
dos pirilampos.
Assim, era a casa encantada...
De muita vida contida,
nela pulsavam todos os cantos,
inspiravam incontáveis histórias...
Tão simples e de encantos tantos!
Sem purismo
Amo a simplicidade da tarde dadivosa
Que me traz o cheiro da flor,
A beleza da borboleta livre, mimosa
Da mansa brisa o frescor.
O meu verso também é livre
Simples, sem métrica, voa!
Explode em minha boca,
Do meu ser ele brota! Vibrante!
Em mim, grita, ecoa!
Com alma rebelde, insensata e louca
Escrevo meus versos com singeleza
Que me importa se a rima é duvidosa
E destoa dos
puristas na beleza.
Sem mim
Na composição de um cenário,
Estranha vivência sem fim,
De figurante, pano de fundo,
Vejo pelo vão de uma fresta,
A minha vida sem mim.
Aprisiona-me vira-mundo
Em uma história alheia,
Roteiro triste infecundo,
Inseto preso em uma teia.
Na vida de outra vida,
rica de engenhos tantos,
minhas horas cansadas, dissolvidas,
procuro em todos os cantos,
lembranças há tanto esquecidas!
Estranha vivência sem fim
De figurante, pano de fundo,
Vejo pelo vão de uma fresta,
Passando, a minha vida sem mim.
Arrebatamento
No arrebatamento de meus sentidos,
Ouvi alto, de minha carne, o clamor
Glorioso, insano, amor incontido,
De segredos fiz renunciamento,
Tamanho era em seus olhos o fulgor.
Olhou-me com tanta quentura,
Abrasou-me, me pôs desassossego,
Que se medos, eu os tivesse, porventura,
Esqueci-os, foram-se!
E para fazer-lhes companhia,
Foi-se também, a compostura.
Faça-me verbo!
Se ficares além de mim,
fale de tempestades,
tormentas e tormentos,
calmarias,
conte, sorria.
Cante,
fale amenidades,
diga os defeitos,
declare qualidades,
sem esquecer-te da alegria.
Conte que fui mais que imperfeita
furacão, ventania,
controversa,
fui noite e fui dia!
Fale de meu lado negro
sem olvidar-te da poesia.
Fale de tudo,
mas não te esqueça da flor.
Quero-a muito vermelha,
ainda em botão.
Quero teu pranto também,
Declare, amor,
uma saudade.
Não tem furte de palavras,
faça-me verbo!
Fale de mim só verdade.
Assim deve ser,
quando, para sempre, eu me for.
Silogismo
No
lume do espelho côncavo
A
corroboração do silogismo aristotélico,
Inegavelmente
triste, vi
na
nitidez imagética,
Na
face rugas,
Sou
mortal,
Envelheci.
No
lirismo de meus versos,
Na
singeleza das palavras,
contemplei-me,
vi!
Sou
imortal,
Rejuvenesci!
Aperto
Estreito
o abraço,
Que aperto!
A
mão estendida,
aperto.
Amizade,
estreito.
Em
amores me deito,
contrafeito,
desfeito!
Quimeras
Quem me dera, quem me dera
Que a vida quimera tão somente fosse
Híbrido monstro fabuloso,
Cabra, leão, serpente,
Que a possa tornar inda mais bela!
Encantamento em horas de espera
Esquecido do tempo que passa
Em múltiplos nortes vagueia o poeta
Embebedando-se de desatino,
interpondo graça
e desgraça.
Ah! A vida e suas quimeras!
De realidades e utopias imaginadas
Embrenhar-me em fantasia, quem dera!
Para no cristal da lágrima salgada,
Na esperança absurda do ilogismo,
Misturar meus sonhos à fera.
Rios
Rios que correm e escorrem,
descem e sobem e fazem curvas
perseverantes
batem, rebatem
com águas, por vezes, turvas.
No contornar de obstáculos
arremansam-se, seguem faceiros
do pequeno se fazem gigantes,
derribam
insignificantes argueiros.
Fazer-se!
Como era terra,
Fez-se barro,
Fez-se pó.
Como era água,
Fez-se nuvem,
Fez-se chuva.
Como era da terra,
Fez-se raiz,
Fez-se árvore.
Como era água,
Fez-se mar,
Fez-se onda.
Como era terra e era água,
Fez-se pássaro,
Fez-se flor,
Fez-se homem,
Fez-se mulher,
Fez-se cachoeira,
Fez-se de tudo...
Fez-se mundo!
A olho nu
Não sonhar a olho nu,
Não ser embarcação aportada
Em mar que ronca feio
Feito voz fraturada
Não deslizar em onda partida,
Que em soluços entrecortados
Só faz lamentar e mais nada.
Quero ser barco ancorado
Em enseada bem distante
Onde o marulho seja cântico
De pássaro cantando dobrado.
PÁSSARO MAROTO
DE FALSO PUDOR, COBRE-SE , FINGIDA,
POR PENSAMENTO LOUCO, INSANO DESEJO
CORPO SEQUIOSO DE PAIXÃO E VIDA,
SONHA O PROIBIDO, CORAÇÃO ANDEJO!
ASSIM, NUA DE CERTO OU DE ERRADO,
VESTIR-SE-Á DE RUBRA ROSA
PARA NAS PÉTALAS QUENTES
DO PECADO
SACIAR DE VEZ, A FOME INDECOROSA.
LIBERTA A ALMA DE TODO O PEJO
BEBE DO CORPO, O SUOR
SALGADO
SATISFEITA DE TUDO, RECUSA-TE UM BEIJO
JÁ VÊ EM TI, O HERÓI TOMBADO.
CHEIA DE TUDO, QUERER SATISFEITO,
MIRA ANSIOSA, CAMINHOS OUTROS,
PROMESSAS INSINUADAS, CONVITE AO LEITO,
VOA LIGEIRA, PÁSSARO
MAROTO!
Barulhos
Em múltiplos barulhos
Desordem, tumultos, alardes
Na multiplicidade, fundo é o mergulho
Vem o clamor tresloucado,
pedindo que o silêncio se retarde.
No faço e desfaço, perfaço
Ora penedo ora pedregulho,
Ora inteiro ora despedaço,
No fragor da noite enluarada,
Mar, lua, madrugada.
A vida turbilhão, deleites imaginados,
Nela, amor, sem pressa te deites,
Imensurável é o gozo sonhado,
Os reveses da vida aceites,
Esse odor do mundo putrefato
que invade sem pudor emporcalha olfato.
Arremansada
Rios que correm e escorrem
Descem, sobem e fazem curvas
perseverantes, batem, rebatem
com águas, por vezes, turvas.
No contornar de obstáculos
arremansam-se, seguem faceiros
do pequeno fazem-se gigantes
ignorando
insignificantes argueiros.
Assim quisera ser,
Arremansada,
Seguir faceira,
descendo, subindo,
fazendo curvas,
Imperceptível, me agigantando
Em águas, muitas vezes turvas.
Volátil
Desprezo a gélida
ação pragmática
que tira o
gosto do pulso acelerado,
enfadonha...
sistemática.
Encanta-me o
volátil,
maravilhosamente
instável. Que voa!
Nascida de um
impulso,
a palavra
imperfeita e bêbada,
vomitada em
versos convulsos.
Enfada-me a
palavra unívoca e fria
das verdades
absurdamente dogmáticas,
trazida em
certeza inequívoca
ostensiva,
enfadonha e vazia.
Seduz-me a
palavra enigmática,
que maior do
que eu,
mostra-me
toda,
mostra-me
nada!
Em disfarces
e fingimentos
Permite
alegorias mil,
Dos múltiplos
e secretos sentimentos.
Feiura
Fazer o que da melancolia
Que funda em um coração se planta
E da alma faz noite fria,
Fumaças densas, desespero acalanta.
Fazer o que dessa melancolia
Que vem e onipotente se instala,
Tornando escuros todos os dias,
Funda e pungente o peito embala.
Fazer o que com o pranto sufocado,
Na garganta preso e nos olhos secos
Tão tristemente em
degradê rebuçado,
Pelas nuances de sombrios becos.
Pensar-te
Pensei-te amor.
Vinhas machucado demais.
Pensei-te amante.
Vinhas dividido demais.
Pensei-te companheiro.
Vinhas egoísta demais.
Pensei-te amigo.
Vinhas desinteressado demais.
De repente, deixei de pensar-te.
NOITE CLARA
Órfã de sombras, é a noite clara
que da inquietude de
minh´alma destoa
provocante , deita-se
preguiçosa
e no tempo, dolorosamente,
escoa.
Diante de meus olhos
insones,
Como a galhofar de
toda agonia
Bela, demora-se, silenciosa
Sem pressa, olvida-se
do raiar do dia.
Vestida em nuvem de branca
renda
Deitada bela, voluptuosa e faceira
Órfã de sombras, noite clara,
Em oferenda, aos amantes, dá-se inteira.
Acaso
Acaso
Se por acaso,
o acaso nos juntar,
livremo-nos
do mal amado,
das verdades
estereotipadas,
desilusões
ornadas do pode não pode puritano,
nascente de
todos os desenganos,
inventadas
nem sabemos por quem!
Se por acaso,
o acaso nos tramar,
existamos!
E de lado
fiquem as reticências...
Que o tempo é
nosso, mintamos!
Regidos pelo
princípio do prazer,
das emoções
do inconsciente,
que prevaleça
o id freudiano,
olvidemo-nos
da castradora prudência.
Ouça!Lá fora
o tempo passeia!
Vale a
vontade transparente,
corpo,
matéria, alma, sentimento
e com arte, use-se os engenhos,
ditados pela
saudade urgente!
Beijo
sôfrego, abraço ansioso,
dimensão
única...
à razão
alheia toda a paixão,
dor
esquecida, acaso auspicioso.
Roupas pelo
chão espalhadas
Na pressa,
dos corpos sequiosos.
Se por acaso,
o acaso traiçoeiro
em nós,
amantes, plantar a despedida,
sigamos! Sem
prevenção!
Esqueçamos de
quaisquer ofícios,
antes que
eles nos matem,
que se calem!
Depois! Só
depois, haverá o adeus,
a saudade,
a ausência
dolorida.
Partida
O não dito maldito
Na dureza da palavra abrandada,
Na solidão dura escorrida,
Na face de lágrimas e rímel marcada.
Vinha as mãos estreladas
Trazia na alma, mistério tantos,
Pôs em minha boca doçura amargada,
Em meu peito, lonjuras e desencantos.
Partiu de mim, se foi,
Como versos ditos ao vento,
Rabiscos mais que perversos
Em tristes traçados cinzentos.
Beijo
Beijo no cangote é assim:
Feitiço antigo
Que arrepia,
Tira o fôlego,
Provoca arritmia.
Beijo no cangote é assim:
Provocação!
Calor, rosto em brasa,
Desassossego, sedução!
Mão gélida,
Suada.
Luta vencida! Rendição!
Almas solitárias
Soluçam na noite as almas solitárias,
Errando pra lá e pra cá,
Vão e vêm teimosamente
Sem nunca outra alma encontrar.
Soluçam as almas solitárias
Em gemidos e lamentos de dor
E delas escorrem sumarentas,
Palavras mendicantes de amor.
Canção na noite surda
A canção na noite surda
Melodia triste de uma nota só,
Em cujo tempo a hora absurda,
Repete impiedosa dó... dó... dó.
A noite surda de lamentos silenciosos,
Na branca agonia o choro de dor,
Na calada noite sofrimentos ciciosos
Sentimentos sufocados, cala-se o trovador.
Enquanto, tu dormes na noite surda,
Viro e reviro-me louca de amor,
Madrugada insone de ausência feita,
Brasa queimando, desejo avassalador.
.
Indiferente, tu passas, Hora Vadia,
Surda às notas, sobre meu peito aspergiste
Solidão perene na constante melodia
Do dó... dó... na noite surda...
Canção triste de uma nota só, dize-me,
Por onde andas, perdida Alegria?
Despido
Os sapatos, descalce-os, já na entrada,
Com eles, pisaste tantos caminhos!
Não macule o agora com pó da estrada,
Olvida-te do dia todos os espinhos.
Deixe o relógio sobre a cômoda.
O tempo guardá-lo, não é possível,
Esquece-te a agonia da hora incômoda,
Lá fora, vive só o risível.
Jogue o paletó em qualquer canto.
Desnuda-te do desnecessário,
Não quebre do momento o encanto,
Vale o improviso, não há itinerário.
Solte o colarinho, desabotoe a camisa,
A hora é curta, a noite ardente,
Deixe que envolva teu corpo a brisa
Liberta a paixão, desejo fremente.
Dispa-se de pensamentos alheios,
Tudo fenece! Vale
o aqui! Nada mais!
Faça um hiato do mundo lá fora,
De poucas alegrias, durezas e ais!
O
VISCONDE PARTIDO AO MEIO*
ESTA É UMA
HISTÓRIA FANTÁSTICA ENTRE O BONITO E O FEIO,
CONTA A
AVENTURA VIVIDA PELO VISCONDE PARTIDO AO MEIO.
O QUE EU
NARRO AQUI, É SÓ PARTE DAQUILO QUE LEIO.
ERA UM JOVEM
AUDACIOSO, DE ALEGRIA TRANSBORDANTE,
QUE NO AUGE DE
FEROZ COMBATE, JULGAVA-SE TRIUNFANTE.
POSTADO COMO
DEMENTE, DIANTE DE UM TAL CANHÃO,
É ATINGIDO
POR UMA BALA E CAI... PARTIDO NO CHÃO.
FRACIONADO
PELA METADE, EM DUAS PARTES DISTINTAS ,
PASMEM,
SENHORES! QUE SAEM AMBAS MUNDO AFORA,
DE ACORDO
COM SUA NATUREZA, CUMPRINDO CADA QUAL SUA SINA.
O MAL
DEVASTANDO TUDO, SEM FAZER NENHUM RODEIO,
A OUTRA
METADE, POBREZINHA, DEMOROU, MAS TAMBÉM VEIO.
DIANTE DE
TANTO MAL, TODA A GENTE FICA APÁTICA,
E QUANDO A
BONDADE CHEGA, NOSSA! QUE REBORDEIO!
POIS DE
BONDADE EM DEMASIA, O POVO TAMBÉM FICA CHEIO.
ENTRE
MALDADE E BONDADE, ENTRE CLARO E ESCURO,
ESTAVA
INCOMPLETO O RAPAZ, ERA INCERTO SEU FUTURO.
MAS EIS QUE
SURGE A DONZELA! UMA GORDUCHA PASTORA
E
APAIXONADAS POR ELA, AS DUAS METADES DUELAM.
A MOÇA
SIMPLES, DESCALÇA, VÊ FERIDAS AS DUAS PARTES,
AUXILIADA POR UM TAL DOUTOR, COSTURA-AS,
CINGIDAS AS
DUAS METADES, ESTAVA MEDARDO* FELIZ?
ACABARAM-SE
SUAS LUTAS ENTRE O ESCURO E O CLARO?
QUE NADA! UM
HOMEM SÓ É INTEIRO, SE CARREGA OS DOIS FARDOS.
O QUE DIZER
DE NÓS MESMOS, VISCONDES PARTIDOS AO MEIO?
TEMOS UM
LADO QUE É BELO, MAS TEMOS OUTRO, QUE É FEIO.
*Visconde
partido ao meio” título do livro de Ìtalo Calvino
*Medardo –
visconde partido ao meio, personagem de Ítalo Calvino
Liberta
Liberta a alma de todo pejo,
não seja o pudor invencível estorvo,
no garimpo da palavra bem dita,
na expressão do mundo que vejo.
Não seja a mente triste sarcófago,
da palavra ansiosa e aflita,
trancafiada pelo acanhamento,
mas, mesmo sombria, seja ela dita,
Inefável não seja o sentimento.
Liberta a alma corajosa,
vislumbre em tudo a contida graça,
até em tempestades
e redemoinhos,
em vales sombrios, onde a tristeza é ameaça
da flor veja-se a beleza,
sem esquecer-se de ver seus espinhos.
Sendo, pois, a vida um sopro
e o medo senhor que nos devora,
liberta a alma, sem mordaça,
Saiba-se, como o tempo, tudo passa,
entenda-se que a felicidade é o agora.
Fiapos de noite
Esgueiram-se por entre a janela aberta,
Fiapos indiscretos de noite que espiam,
Desenhados em sombras bruxuleantes, todos os cantos,
Em ângulos esquisitos, apesar do luar plano.
Fazer o quê? Sobram os recônditos do quarto
Que insistente, na penumbra busca o repouso
Esquivo da beleza noturna e do fulgor das estrelas
Que em delicadíssimos arabescos bordam o infinito.
O som estridente dos grilos, o pó lamuriento da coruja,
O latido irritante do cão malhado... Nada!
Nada Provoca o teu recuo, oh! Indiscretos fiapos de noite
Que descaradamente miram, esparramam-se
E cobrem teu corpo nu,
Adormecido,
Insensível à volúpia de suaves lambidas,
Sonha...
Sabe-se lá com o quê.
Ao toque de mansa brisa, agita-se a fina cortina,
Em sutis convulsões, agradecida levita,
Por assim perceber-te em diferentes perfis,
Sonhando... Sabe-se lá com o quê.
CONCEITO
CRIANDO E IGNORANDO CONCEITOS,
VIVENDO FEITOS E DESFEITOS,
AOS TROPEÇOS LEVO A VIDA
COMO POSSO, LUTANDO DO MEU JEITO.
AMO O AMOR, QUE FAZER?
PERDOA SE NÃO TE AMO DIREITO
SÓ POSSO AMAR-TE,
ASSIM,
PELA METADE , AMA-ME
ESSE É O MEU JEITO
A DESPEITO DE TODOS OS MALES,
EMENDO E REMENDO,
PONTAS AMARRO,
NÓS, DESAMARRO?
NÓS, EU E VOCÊ, COM “ NÓS”...
EU ME ATRAPALHO.
ENTRE ESCOLHAS E CONSEQUÊNCIAS
NO EQUILÍBRIO, DESEQUILIBRO-ME,
IR E VIR,
VOLTA, REVOLTA.
PARTIR OU FICAR?
NÃO SEI... NÃO SEI.
CRIANDO E IGNORANDO CONCEITOS,
VIVENDO FEITOS E DESFEITOS,
AOS TROPEÇOS LEVO A VIDA,
COMO POSSO, PORFIANDO DO MEU
JEITO.
Tim-tim!
Bebamos do
copo da alegria
Até a
derradeira gota.
Aspiremos o
cheiro noturno da flor,
Até nossos
pulmões quase explodirem.
Cantemos o
amor em todas as suas formas,
Silencioso,
buliçoso, arrebatador.
Choremos
nossas dores
Até
esgotá-las. Completamente!
Mas não nos
esqueçamos, de gritar nossas alegrias.
Celebremos!
Tim-tim! À vida!
Não chore
De pérolas bordada, a madrugada orvalhada
Saúda o dia que chega mansinho,
Encolhe-se aurora pelo Sol subjugada.
É preciso ir! Já se ouve, dos pássaros, o burburinho.
Recolhem-se corujas e morcegos,
Um galo canta apressado,
Os picos se veem dos rochedos
Vem o sol, fraco, quase descorado.
Ouça o trinado dos pássaros... Amanhece.
Vai-se a noite com seus segredos!
- Fica!- pede-lhe o poeta. – Mais um pouco, ainda é cedo!
- Não posso! Ouça! É o som do passaredo!
Vai-se a noite, vem o dia
Sofre o enamorado da Lua
- Vai-te, Vadia!
Vai-te! Minha agonia perpetuas!
- Não chores, Poeta, não chores!
Amanhã, a Lua é só tua!
Doação
Alumiava no varandão o candieiro a querosene,
embalando canção de ninar, o som do regato,
a paz da noite sentimento perene,
perfumava o ar, um doce cheiro de mato.
Pirilampos cortavam lá fora a escuridão,
de voos tão esquisitos povoada,
de horas soltas e morna lassidão,
Lua branca de beleza inchada.
Morcegos, aves da noite, mordiscam
as ameixas maduras da árvore generosa,
braços abertos, dá sem reservas
o doce néctar de sua fruta saborosa.
Mão sonhadora
Adormecido, minha mão busca teu corpo
E não encontra o teu desejo.
Recua assustada,
Infeliz,
E, antes, ávida de paixão,
Se encolhe por inteiro.
Teimosa és, mão sonhadora!
Que não se cansa de viver melancolia,
Traduzida em suspiros
Na esperança se deita,
E perdida anda...
Na ilusão de sonhos feitos.
Não se acanha de tanto amor pedir
Busca partilha naquele
Que adormecido não a percebe.
Não te sacies na compaixão de ti mesma,
Segue sonhando! Fazendo castelos,
Deslumbrando-se a cada momento,
Negue-se a fenecer, para ressurgir sempre
Ainda
mais, muito mais amante!
Liquidez
Ah! Me consome um cansaço destas gentes
Tão desfeitas na liquidez dos desafetos
E dos afetos que somem, magicamente,
Escorrendo em um diluir-se perverso,
Perdidas dos amores, dementes
Desencontradas na solidão do universo.
Transmutadas criaturas vazias, úteis objetos!
Esquecido de valores o homem
No emaranhado de transações,
Triste numerário despido,
Pelas batalhas do ter deflagradas
Tal qual espectro disforme
Dissipa-se do ser, vira nada!
Fingimento
Eu caminho sozinha
Nada espero de ninguém,
Tu finges que me queres,
Eu finjo que me tens.
Eu caminho sozinha,
A esmo neste universo,
Mas a estrela é toda minha
Com ela faço meus versos.
Eu caminho sozinha,
Feita de sonhos e fantasia,
Danço na luz da lua,
Viajo na poesia.
Eu caminho sozinha,
Aprendi o me convém,
Tu finges que me queres,
Eu finjo que me tens.
Versos de vento
Ah! Essa vontade que consome
de voar solto ao sabor do vento,
sem pouso fixo, sem norte,
desnudo de tudo, saciar a fome
em redemoinhos, incontáveis fragmentos,
ao léu... ao sabor da sorte.
Licenciosa, pois, a alma,
faz do corpo completo banimento,
do ego inflado o desterro,
restando apenas,
ausente o desespero,
o querer libertino, puro e sedento.
Impulsionado pelo instinto,
encontra, inda que por pouco tempo,
a desejada liberdade que acalma,
composta em versos feitos de vento.
Dorme
(Para a minha mãe)
Noite alta cheia de fantasmas,
arrasta triste madrugada
pelos olhos secos e insones,
fixos, a mirar o nada.
Facho de luz adentra o
quarto
silencioso,
em recorte traça o corpo
inerte
e a face serena, tão
amada.
Agora na madrugada
triste,
a dor não a consome.
Dorme, mãe querida!
A querida mãe dorme!
Na noite alta, criaturas
caçam,
amam,
comem,
morrem.
Mas tu, guardada por
anjos,
em paz,
na madrugada dorme.
Angústia
Noite fechada,
Calor,
Vira, revira,
Cobre, descobre,
Calor,
Chuveiro,
Cansaço.
Calor,
Vira, revira,
Cobre, descobre,
Chuveiro,
Espasmos,
Desejo,
Cansaço,
É dia.
Viver
Ser errante entre certezas
Desmanteladas...
Esquartejadas.
Dúvidas...
Um desejo inefável de partir
e... partir-se.
Andante embrenhado em jardins,
precipícios,
veredas,
subúrbios e becos sem fim.
O corpo cansado,
a alma em labareda,
tenho o mundo vivendo em mim.
Poemas autoria de Odenilde Nogueira Martins
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