Eu creio... Conto

Sombras bruxuleantes, vindas não sei de onde, pairavam sobre a cama, executando movimentos convulsos, aproximando-se e afastando-se como se ensaiando um jeito de nos engolir.

Sombras negras... Negras sombras! Corpo trêmulo de pavor! Olhos presos em silhuetas de fumaça negra que ora pareciam morcegos, ora rostos desfigurados e ameaçadores, ora trapos flutuantes, encolhendo-se e espichando-se em voos rasantes quase nos tocando e, repentinamente, erguiam-se, altas, além do teto como se ele não existisse, além dele, um buraco negro. A única claridade que havia no quarto vinha da TV ligada.

Eu via, mamãe via... Acender a luz parecia ser o melhor a fazer, mas, para isso, era preciso sair da proteção da cama e das cobertas que só deixavam os olhos de fora. Faltava-me coragem! Mamãe me ordenou que o fizesse. Sua voz era tão assustada que me deram o impulso necessário.

Em meio a guinchados arrepiantes, as negras sombras em criaturas translúcidas se fizeram, enraivecidas, queriam a escuridão. Não sabia o que era mais aterrador, as sombras ou os seres translúcidos que ameaçavam nos tomar.

Olhei para minha mãe, um pedido mudo do que fazer. Seus olhos arregalados, os lábios mudos e o tremor de seu corpo, assustaram-me ainda mais! Precisava agir!

– Vamos sair daqui!

Fiz menção de levantar-me. E todas aquelas coisas juntaram-se, virando uma só e plaft! Cobriram-nos, da cabeça aos pés, de uma gelatina que fedia enxofre e nos mantinha presas à cama. Minha mãe segurou minha mão e, com voz firme, apelou para a arma que sempre usava em situações de desespero:

– Eu creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do Céu e da Terra
e em Jesus Cristo seu único filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria,
padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado,
desceu à mansão dos mortos,
ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus
está sentado à direita de Deus Pai, todo poderoso,
de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na comunhão dos Santos,
Na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna,
Amém.

Diante de meus olhos, a gelatina começou a esquentar, parecendo entrar em ebulição.

– Pegue uma vela, acenda e depois apague a luz! – gritou minha mãe.

No impulso, fiz o que pediu, surpresa com a coragem que tomara conta dela.

Luz apagada e vela acesa, lá estavam, pairando sobre nós, as sombras, espichando-se e encolhendo-se, raivosamente. Minha mãe continuava a reza com mais vigor.

– Eu creio em Deus Pai...

E quando o galo cantou pela primeira vez, senti um cutucão nas costelas do lado direito, era mamãe, acordando-me porque queria fazer xixi.


Odenilde nogueira Martins - Joinville

Sem mim - poema


Sem mim

Na composição de um cenário,
Estranha vivência sem fim,
De figurante, pano de fundo,
Vejo pelo vão de uma fresta,
A minha vida sem mim.

Aprisiona-me vira-mundo
Em uma história alheia,
Roteiro triste infecundo,
Inseto preso em uma teia.

Na vida de outra vida,
rica de engenhos tantos,
minhas horas cansadas, dissolvidas,
procuro em todos os cantos,
lembranças há tanto esquecidas!

Estranha vivência sem fim
De figurante, pano de fundo,
Vejo pelo vão de uma fresta,
Passando, a minha vida sem mim.

Odenilde Nogueira Martins
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Conto


Eu creio...

Sombras bruxuleantes, vindas não sei de onde, pairavam sobre a cama, executando movimentos convulsos, aproximando-se e afastando-se como se ensaiando um jeito de nos engolir. 

Sombras negras... Negras sombras! Corpo trêmulo de pavor! Olhos presos em silhuetas de fumaça negra que ora pareciam morcegos, ora rostos desfigurados e ameaçadores, ora trapos flutuantes, encolhendo-se e espichando-se em voos rasantes quase nos tocando e, repentinamente, erguiam-se, altas, além do teto como se ele não existisse, além dele, um buraco negro. A única claridade que havia no quarto vinha da TV ligada. 

Eu via, mamãe via... Acender a luz parecia ser o melhor a fazer, mas, para isso, era preciso sair da proteção da cama e das cobertas que só deixavam os olhos de fora. Faltava-me coragem! Mamãe me ordenou que o fizesse. Sua voz era tão assustada que me deram o impulso necessário. 

Em meio a guinchados arrepiantes, as negras sombras em criaturas translúcidas se fizeram, enraivecidas, queriam a escuridão. Não sabia o que era mais aterrador, as sombras ou os seres translúcidos que ameaçavam nos tomar. 

Olhei para minha mãe, um pedido mudo do que fazer. Seus olhos arregalados, os lábios mudos e o tremor de seu corpo, assustaram-me ainda mais! Precisava agir! 

– Vamos sair daqui! 

Fiz menção de levantar-me. E todas aquelas coisas juntaram-se, virando uma só e plaft! Cobriram-nos, da cabeça aos pés de uma gelatina que fedia enxofre e nos mantinha presas à cama. Minha mãe segurou minha mão e, com voz firme, apelou para a arma que sempre usava em situações de desespero: 

– Eu creio em Deus Pai, todo poderoso, criador do Céu e da Terra
e em Jesus Cristo seu único filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria,
padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado,
desceu à mansão dos mortos,
ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus
está sentado à direita de Deus Pai, todo poderoso,
de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na comunhão dos Santos,
Na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna
Amém. 

Diante de meus olhos, a gelatina começou a esquentar, parecendo entrar em ebulição. 

– Pegue uma vela, acenda e depois apague a luz! – gritou minha mãe. 

No impulso, fiz o que pediu, surpresa com a coragem que tomara conta dela. 

Luz apagada e vela acesa, lá estavam, pairando sobre nós, a sombras, espichando e encolhendo, raivosamente. Minha mãe continuava a reza com mais vigor. 

– Eu creio em Deus Pai... 

E quando o galo cantou pela primeira vez, senti um cutucão nas costelas do lado direito, era mamãe me acordando porque queria fazer xixi. 

Odenilde Nogueira Martins - 05/06/2018

  
  
  

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Finais - Nelson Bortolleto

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Morte - por José Fernandes



MORTE


Poema de José Fernandes - 
Saganossa. 2015.

Só tem alturas as dores da morte.
Apenas o silêncio das pedras explica
Esse doer de ave a escrever o espaço
Encomendado pelo infinito morrer.

Rascunho de pássaro, o homem voa
No tempo e se inscreve na eternidade
Enquanto areja minhocas na fantasia
Ou enquanto apodrece em caramujo.

De qualquer modo, o homem sempre
está verde para virar estrela e correr
Rios e palavra que rorejam lábios
E lobinham cabelos verdes de árvores.

Por isso, o poeta vive água e escorre
Pássaros de manhã nos menires dessa
Travessia de vero e caos em desenhos
De poemas que se leem na hera vestida
De muro e silêncio desde limo da terra.

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Hoje, 22/02/2018, nos deixou o escritor e amigo José Fernandes.