Da observação Não te irrites, por mais que te fizerem... Estuda, a frio, o coração alheio. Farás, assim, do mal que eles te querem, Teu mais amável e sutil recreio... (Espelho Mágico) Eu escrevi um poema triste Eu escrevi um poema triste E belo, apenas da sua tristeza. Não vem de ti essa tristeza Mas das mudanças do Tempo, Que ora nos traz esperanças Ora nos dá incerteza... Nem importa, ao velho Tempo, Que sejas fiel ou infiel... Eu fico, junto à correnteza, Olhando as horas tão breves... E das cartas que me escreves Faço barcos de papel! (A Cor do Invisível) O auto-retrato No retrato que me faço - traço a traço - às vezes me pinto nuvem, às vezes me pinto árvore... às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança... ou coisas que não existem mas que um dia existirão... e, desta lida, em que busco - pouco a pouco - minha eterna semelhança, no final, que restará? Um desenho de criança... Corrigido por um louco! (Apontamentos de História Sobrenatural) A canção da vida A vida é louca a vida é uma sarabanda é um corrupio... A vida múltipla dá-se as mãos como um bando de raparigas em flor e está cantando em torno a ti: Como eu sou bela amor! Entra em mim, como em uma tela de Renoir enquanto é primavera, enquanto o mundo não poluir o azul do ar! Não vás ficar não vás ficar aí... como um salso chorando na beira do rio... (Como a vida é bela! como a vida é louca!) (Esconderijos do Tempo) Os degraus Não desças os degraus do sonho Para não despertar os monstros. Não subas aos sótãos - onde Os deuses, por trás das suas máscaras, Ocultam o próprio enigma. Não desças, não subas, fica. O mistério está é na tua vida! E é um sonho louco este nosso mundo... (Baú de Espantos) Ah! Os relógios Amigos, não consultem os relógios quando um dia eu me for de vossas vidas em seus fúteis problemas tão perdidas que até parecem mais uns necrológios... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira. Inteira, sim, porque essa vida eterna somente por si mesma é dividida: não cabe, a cada qual, uma porção. E os Anjos entreolham-se espantados quando alguém - ao voltar a si da vida - acaso lhes indaga que horas são... (A Cor do Invisível) Os arroios Os arroios são rios guris... Vão pulando e cantando dentre as pedras. Fazem borbulhas d'água no caminho: bonito! Dão vau aos burricos, às belas morenas, curiosos das pernas das belas morenas. E às vezes vão tão devagar que conhecem o cheiro e a cor das flores que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam e onde parece quererem sestear. Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção como a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrão de um Anjo... Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso. Os rios tresandam óleo e alcatrão e refletem, em vez de estrelas, os letreiros das firmas que transportam utilidades. Que pena me dão os arroios, os inocentes arroios... (Baú de Espantos) Poeminha sentimental O meu amor, o meu amor, Maria É como um fio telegráfico da estrada Aonde vêm pousar as andorinhas... De vez em quando chega uma E canta (Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!) Canta e vai-se embora Outra, nem isso, Mal chega, vai-se embora. A última que passou Limitou-se a fazer cocô No meu pobre fio de vida! No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo: As andorinhas é que mudam. (Preparativos de Viagem) Inscrição para um portão de cemitério Na mesma pedra se encontram, Conforme o povo traduz, Quando se nasce - uma estrela, Quando se morre - uma cruz. Mas quantos que aqui repousam Hão de emendar-nos assim: "Ponham-me a cruz no princípio... E a luz da estrela no fim!" (A Cor do Invisível) |
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