CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES / PARTE 4

            CASA DE MULHERES  - DAVID GONÇALVES / PARTE 4

      Olhou demoradamente ao redor.
      __ Aquela lá! - apontou com as mãos grandes como se condenasse alguém no meio do público.
     __ Aquela não! Não é de fazer essas coisas. Ela tem dono. Ache outra. Logo aquela... A Matildes não é flor que se cheire, vou avisando...
     __ Aqui ninguém é de ninguém. Eu quero aquela, está acabado. Eu escolho, eu estou pagando.
   Sem esperanças, ela deu o recado a Matildes, que olhou rispidamente a imensa figura do pastor. Que sujeito estúpido! Ele podia enganar muita gente, mas ela jamais. Que fosse àquele lugar! Mastigou milho no cocho e disse: “Não caí abaixo do chão. Só depois de morta!”
      O Pastor se enfureceu. Ele domava as almas. Não seria uma puta daquela que borraria seu poder. Ordenou que fosse novamente falar com ela. Não era de desistir ao primeiro toque de guerra.
     Novamente Matildes o mandou para os quintos do inferno. Que fosse cuidar de sua alma, mais suja do que pau de galinheiro. Ela não era objeto. Que enfiasse as rezas sem valia alguma naquele lugar.
      O Pastor bebia mais uma dose de uísque e se embrabecia. Estava vermelho, grossas veias no pescoço e sobre a testa quadrada. Uma puta sem eira e nem beira fazendo desfeita de seu grande poder. Procurou Madame Teresa e não a encontrou. Não deixaria a desfeita evaporar no ar esfumaçado. Aquela putinha precisava de uma boa e severa lição.
     Quando Doca se embarafustou no recinto, já havia boa clientela. O comprador de pepitas, ardente e barrigudo, já se achava planando, rindo alto e beliscando as nádegas das mulheres. Ria, sacudindo a grande barriga arredondando-lhe a caixa torácica. O vendedor de fazenda e armarinhos abraçava a mulher baixa e gorda como se medisse fazenda a metro. Os donos das minas bebericavam, a cada momento tocando disfarçadamente a corrente do relógio, os anéis e a carteira. O farmacêutico prático, o “doutor” que mal sabia ler, conservava-se quieto e taciturno, curvado e sem graça com as mulheres.
      Ah, e os garimpeiros... Esses, sim, bebiam e farreavam, mas não podiam gastar com as mulheres, porque já deviam no armazém, na farmácia, aos amigos, e amassavam nos bolsos umas notas de pouco valor, separadas e reservadas para a diversão noturna, para dois ou três litros de cachaça. Bem, quem não tem cão, caça com gato. Todos são filhos de Deus e merecem dançar, rir, sonhar com lindas garotas, porque sempre há o outro dia, e garimpar é serviço para homem marrudo, taludo, que tem a febre do ouro nos olhos.
     À meia-noite, a casa ardia febrilmente. Atiçados por uma música pejada de paixões e traições, homens sem rumo, mulheres desatinadas, todos queimando na fogueira das paixões, homens e mulheres estavam agarrados e queimavam a boca, com beijos molhados, fedendo a álcool e a cigarros baratos.
   Joselito se desdobrava de um lado a outro, requebrando, recebendo propostas indecorosas de garimpeiros ousados.
     __ Depois, eu te espero no meu barraco! - diziam os homens já domados pelo álcool e pelo ar empestado.
   Ele requebrava mais e mais, e mais, como uma cobra no meio do areial ao sol quente do meio-dia.
     __ Só por dinheiro! - respondia, mostrando sensualmente a língua nos cantos da boca úmida pintada de batom.
      __ Ora se vou pagar por uma bicha! Essa é boa! Pago por uma boa mulher, mas por um travesti... Jamais!
      Joselito ficava enfurecido.
     __ Pois, então, tire o cavalo da chuva. Eu sei me valorizar. Não estou pedindo esmola! Vá procurar seu homem, babaca!
   Os outros garimpeiros riam. Joselito requebrava mais ainda, mostrando molejo nos quadris.
     __ Isto que é viver! - dizia um velho garimpeiro com os cotovelos em cima da mesa, olhos miúdos e rápidos, pés inquietos, doidos por uma dança com uma mulher daquelas. - É o que se leva dessa vida!
    Na testa magra um feixe de veias saltavam afogueadas. Com certeza, lembrava do tempo de moço, quando tinha força e possuía boas mulheres. Estava ansioso por deitar-se com uma delas. Mas não tinha dinheiro. Chegara à velhice só com a sombra e ela era torta.
      Entusiasmado, saltitante, perguntava a um garimpeiro:
      __ Será que posso ir com aquela ali?...
    __ Mas, meu velho, todas que estão neste terreiro estão para isso... Ou espera por uma santa?
    __ Aquela lá, que está perto do balcão?... É bonita... Gosto demais do jeito dela. Ela me traz boas lembranças...
     __ Não se vexe. Vá firme. Ela também é da noite. Está esperando por um convite. Aproveite que ela está folgando neste momento.
     __ Mas...
   Uma morena encorpada atravessou o salão. Jogava os cabelos compridos e encaracolados de lado, sensualmente.
     __ E com essa aí, também?
     __ Olha, tem tantas... Qual delas?
     __ A morena que vai...
     __ Também, ora essa. Todas aqui são para bom uso e aproveito.
     __ Qual é o nome dela?
     __ Por que quer saber o nome?...
     __ Bem, fica mais fácil começar uma conversa...
    __ Caramba! Essas mulheres não estão interessadas em conversa, mas em ouro, meu velho. Pepitas de ouro, entendeu?
     O velhote estava intimidado.
    __ Mas... sabe, o nome ajuda. Sexo por sexo, eu não consigo. Preciso de regar tudo com boa conversa...
     __ Está certo. Ela se chama Matildes.
     __ Ah, nome bonito...

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