PARTE 3 / CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES

           
CASA DE MULHERES - DAVID GONÇALVES
    Botou a mão no bolso e sacou um maço grande de notas, mostrando às mulheres, que se sentiram atiçadas.
    __ Assim que se fala, meu príncipe -- disse Adelaide, esfregando o corpo nas pernas grandes e arqueadas do pastor.
   Naquele começo de noite, os primeiros clientes iam chegando. Alguns passavam as primeiras horas se entretendo com as mulheres em conversas pegajosas, com beijocas e aperreações. Bebiam pouco, mostravam-se cautelosos. Quase sempre grosseiros e confiados. Garimpeiros eram grosseiros. Não podiam ser como Joselito, uma moça de fino trato. Quando gastavam pouco, como se tivessem fechaduras nos bolsos, Madame Teresa sentia vontade de esganá-los. Detestava homens abusados e muxecas. Queria quebrar a cara deles para não aborrecer as suas meninas. Quando uma delas se enrabichava por homens assim, ela se enfurecia:
    __ Não seja besta, mulher. Quem se apaixona, é trouxa. Estamos neste negócio por dinheiro. Não é por destino, nem por amor. Dinheiro dá poder. Se você não tem, ninguém te olha e nem te respeita. Sou muito bem tratada porque tenho dinheiro. Prefiro dinheiro a amor. Acabou o dinheiro, acabou o amor. Estamos neste barco só pelo prazer ao dinheiro. Sabe de uma coisa, sua boba: não existe outro prazer.
    __ Mas, Madame, você nunca se apaixonou? Sou de carne e osso, trepo com todo mundo, mas quero meu homem.
    __ Conversa fiada! Claro que me apaixonei. Quando nova. Conheci um homem que tinha muito nome na minha cidadezinha. Ele largou a mulher e filhos pra me assumir. Foi um boboca. Aquilo não era pra mim. Eu até que tentei. Aguentei o rojão por dez anos, mas nunca deixei de trabalhar na boate. Queria que eu largasse tudo. Não larguei. Nunca gostei de ser sustentada por homem nenhum na vida. Eu prezo a liberdade. Quando o amor dele naufragou, eu saí só com a roupa do corpo. Fui honesta. Ele tinha me dado as coisas por amor. Quando acabou, eu saí só com a roupa do corpo. Larguei tudo que tinha. Uma casa grande e linda, o sonho de qualquer mulher. Saí fora e fui cuidar da minha vida. Mas respeitei ele até o final. Detesto gente safada.
     __ Parece até um conto de fada...
    __ Ah, na época sim. Mas não fui criada pra ser madame. A gente viajava, fazia compras e toda semana eu ia no cabeleireiro. Uma mulher pode ser feia, mas qualquer mulher enfeitada fica bonita. Até poderia ter durado mais. Mas o imbecil... Peguei ele na nossa cama na cama da fazenda com uma menina de quinze anos. Filho de uma mãe! Disse que ia na fazenda pagar a peãozada e colher tangerinas. Por azar, eu precisei ir até lá pra dar uma notícia e quando cheguei os dois estavam no banho, aos abraços e beijos. Não fiz nada. Pra que, afinal? Dei as costas e saí de mansinho. Larguei tudo e disse pra ele: não se meta com a minha boate. Se fizer isso, juro por meus olhos, eu coloco fogo em tudo.Que homem imbecil. Ora, colher tangerinas! Ele foi colher duas tangerinas novas, isso sim!
Depois de contar tudo isso, passeava os olhos pela sala, poltrona por poltrona, elevava a voz como se tivesse um ataque de fúria:
    __ Então, sua idiota, não se apaixone por homem algum! Apaixone por dinheiro, o vil metal. É por isso que estamos neste barco, entendeu?! 
    O Pastor já estava na terceira dose de uísque. Estava falante. As mulheres miravam o seu bolso esquerdo, onde guardara o maço de dinheiro. Desejavam, de alguma forma, saqueá-lo. Sua conversa enojava, mas o maço de cédulas que mostrara as atraía. Madame Teresa andava de um lado a outro naquele começo de noite. Aos poucos, a casa ia recebendo a clientela. Os risos e as cantadas não passavam de breves cochichos.
   __ A sexta-feira promete - pensou Madame Teresa, sem perder de vista o famigerado Pastor. 
   Assim era o garimpo. Os finais de semana sempre rendiam bom dinheiro. Os garimpeiros recebiam de seus patrões e se dirigiam aos bares. Ufa, que ninguém era de ferro. Estavam moídos, precisavam de algum tipo de diversão. Depois do sol escaldante, na pá e na picareta, bateando, ou carregando sacos de cascalho, eles se sentiam merecedores de pequenas gratificações.
    Rapazes inexperientes vinham nas primeiras horas da noite. Eram tímidos, entravam tremendo, quase sem poder falar. O garimpo precisava de braços fortes. Do Norte, do Nordeste e alguns do Sul -- eles vinham em levas, todos atraídos pelo desejo de fazer fortuna rápida.
     Então, Madame Teresa ordenava que as mulheres mais experientes os atendessem. Do contrário, não se sentiam bem enquanto não se achassem de novo na rua. Estranhavam o ar cheio de fumaça e o cheiro azedo das bebidas. Saíam do bordel com gosto de minhoca na boca. Não estavam acostumados com o ar pesado daquela casa cheia de pecados. Quando pisavam a rua, sorviam o ar como um boi abocanhando capim fresco. Por isso, ela ficava atenta aos rapazes. Eram bobocas. Não conheciam ainda os caminhos dos prazeres. Alguns se enrabichavam facilmente, queriam tirar a mulher daquele lugar, faziam promessas doces.
     __ Hoje, não me contento com uma. Quero duas! -- dizia o pastor, já na quarta dose de uísque. -- Miséria pouca é bobagem.
    __ Ah, meu bom Pastor, eu dou conta do recado. Por que deseja mais areia do que pode carregar em seu caminhão?
    __ Vá lá, benzinho! Tem dias que a gente precisa de mais, sem querer ofendê-la, é claro.
     __ Mas vou cobrar dobrado, já vou avisando. Não sou qualquer uma. Eu quero mais!
     __ Seja feita a vossa vontade, princesa. Não sou miserável. Quero duas mulheres. Trate de arranjar outra. Tem dias que a gente se sente dono do mundo, todo-poderoso, feito o Criador.
    __ Espere um pouco. Vou falar com as outras. Mas não vá se arrepender, porque te degolo. Quero o meu dinheiro.
    __ Está certo, princesa, está certo. Deixa eu escolher, então. Você pode me trazer um bagulho. Estou cheio de rampeiras com varizes estuporadas. Quero pernas lindas, sem varizes.





0 comentários:

Postar um comentário