Não cheguei a conhecer Aldonço Barreira. Chegou à cidadezinha aí pela década de 1970, já passando dos 60 anos, instalou-se numa casinha alugada, com quintal de goiabeiras e pés de carambola, e logo fez amizade com a vizinhança.
Bom conversador, foi aos poucos se tornando conhecido na localidade por conta de uma vida pregressa cheia de aventuras e conquistas. O povinho se quedava estarrecido com suas histórias. Aos 16 anos fugiu de casa para embarcar num navio de carga que cobria o litoral do país. Como marinheiro, teve seus primeiros casos amorosos, uma bela rapariga em cada cidade (ou em cada zona). Já com dezoito anos, tomou uma resolução maluca: foi juntar-se ao exército americano na guerra da Coreia. Por atos de bravura nesse conflito, recebeu medalha do governo americano.
E já que estava naquele país, dirigiu-se a Hollywood, onde conseguiu um cargo de segurança da atriz Rita Hayworth, lembram dela em “Gilda”? Com isso, teve proximidade com as outras estrelas, não deixou escapar nenhuma delas. Apresentava diversas fotos, em uma pose provocativa, dedicadas “ao querido Aldonço, com carinho”. Fez até algumas “pontas” em filmes para reforçar o orçamento.
Não falei ainda do período em que se alistou na Legião Estrangeira francesa para servir na Argélia. Lutou contra os berberes do deserto, e, no tempo livre, ainda amou uma misteriosa dançarina de cabaré em Argel.
Mas ainda encontrou tempo para conquistar uma imensidade de vitórias esportivas. Que admirassem sua enorme coleção de troféus: futebol, basquete, 100 metros rasos, natação, tudo ali registradinho.
Desde criança, Aldonço teve a mania de colecionar “provas” de seus sonhos mais loucos. Começou tirando fotos vestido de marinheiro num navio aberto à visitação no porto. Tomou conhecimento da tal guerra da Coreia pelas aventuras na época publicadas nos gibis; daí a se investir como heroico personagem desse conflito foi só fechar os olhos.
Ainda jovem, amante de cinema, escreveu a todas suas artistas preferidas, solicitando fotos autografadas. Interessou-se pelos feitos da Legião Estrangeira depois de assistir ao filme “Beau Geste”. Num carnaval, fantasiado de legionário, tirou uma foto entre belas odaliscas.
Modesto funcionário de repartição pública, começou a encomendar troféus e medalhas das mais variadas modalidades esportivas. Conseguiu mesmo a cunhagem de medalha do governo americano, declarando-o herói; essa custou uma nota.
Aldonço faleceu há pouco tempo, indo certamente para o céu dos heróis.
Crônica publicada no jorna A Gazeta de SBS, em 06.05.2017
Hilton Gorresen
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