CERCA FRACA
A cerca do meu quintal
é feita com pau do mangue,
às vezes olho pra ela
e sinto cheiro de sangue.
A cerca do meu quintal,
qualquer ventinho derruba,
se eu quiser um dia ser velho
quebro a flauta e toco a tuba.
-Nelson Bortoletto-
A LESMA
Uma lesma caminhava pelo muro
deixando atrás de si
um rastro de pérola.
Correndo pelo meu parco tempo disponível,
apresso-me sem pensar no assunto.
Na velocidade imposta pelas nossas vidas,
não pude refletir na diferença que pauta os nossos compromissos
enquanto criaturas.
Aplacada a minha irracional pressa,
agora vejo que a rigor,
gozamos o mesmo tempo de vida,
mas a lesma,
sem pressa ou filosofia que lhe seja necessária,
existe mais,
porque lesmamente deixa um rastro por legado,
enquanto eu,
evaporo sem sequer deixar um traço de passagem.
Incógnito,
não entendo o mundo que me acolhe.
Minha vida não diz respeito àquela criatura,
ela sabe viver a própria vida.
-Nelson Bortoletto-
DESATENTO
Desatento.
É o que fui
durante a vida toda.
Cochilei sob frondosas árvores frutíferas
e,
por desatenção,
permaneci com fome.
O preço pago
por tão poucas alegrias
deixei à sombra,
em alegorias.
Profusos coloridos sonhos,
uma riqueza de planos,
veleidades.
Sem perceber que todo sonho,
assim que nasce,
precisa ação
pra ser verdade,
um dia.
-Nelson Bortoletto-
A VELHA MERETRIZ
Ali,
onde alguns corações
dormem e obedecem
a antigas regras,
é o lugar onde se divertem
os insensatos.
A insensatez talvez seja
o melhor caminho para a alegria.
Beber do que não se deve
é o jeito de se ser feliz...
A liberdade é uma velha
e sábia meretriz.
-Nelson Bortoletto-
PARA SER POETA
Para ser poeta
é preciso ter placa na testa?
Crachá funcional com foto e digital?
É preciso falar com estrelas,
ser sedutor,
ser boêmio?
Sair do sério,
recusar-se a ser abstêmio?
Falar baixo,
beber cicuta?
Talvez, quem sabe,
ser introvertido,
fingir-se de quem não escuta?
Ser transversal, marginal,
deixar o cabelo comprido?
Tocar violão de ouvido,
ter acordo com o Diabo?
Se for assim, meu irmão,
francamente,
sou é baba de quiabo.
-Nelson Bortoletto-
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