POEMA ABANDONADO
Quem, além de mim,
poderá dizer dos passos que já dei,
dos amores que amei,
das dores que já sofri?
Quem, além de mim,
estará comigo no dia do juízo,
que alma boa estará de sobreaviso,
na hora da morte anunciada?
Quem, com meus sapatos,
trilhará a longa estrada
que há de me levar
ao fim do mundo?
Quem, além de mim,
que ser vivente,
poderá num ato de bondade
e de repente,
perdoar todos os meus vis pecados?
Será alguém que partilhou comigo
os meus parcos bocados,
minhas mazelas,
meus gritos abafados?
Não,
não há ninguém que esteja
assim tão perto,
que tenha sufocado em meu deserto,
que tenha lamentado a minha agrura
e que sofra por mim tanta amargura.
-Nelson Bortoletto-
RELEITURA
Apago registros,
retratos,
lembranças.
Apago o afago,
deleto esperanças,
maltrato a paixão,
o afeto,
o gozo.
Reflito na perda,
na ânsia esquecida,
na falta de gosto,
na vida perdida,
na necessidade
de tocar a vida.
Acalmo a ira,
recuo do ataque,
a briga não vale
o rancor,
o destaque
que alma lhes dá...
Vou à praia de fraque.
-Nelson Bortoletto-
ESPÍRITO DE PORCO
(para o meu amigo José Pires de Lima)
Todas as vezes
em que quero ser poeta,
baixa o santo
tocador de bumbo.
Todas as vezes
em que bato o bumbo,
baixa o santo doido
do poeta.
Quanto mais eu rezo,
mais o capeta me tenta.
Quanto mais eu mando à merda,
mais o chato me aguenta.
-Nelson Bortoletto-
RELAÇÕES PERIGOSAS
Uma tensa sessão plenária.
Degladiam-se interesses,
a direita centenária
contra a esquerda milionária
e no centro,
o ânus.
Finda a sessão,
jantarão juntos,
poderosos,
invejosos
e seus famintos adjuntos.
E no centro, o ânus.
Há a destra e a canhota,
À direita, só chacota,
à esquerda só xoxota,
e ao centro, o povo.
-Nelson Bortoletto-
0 comentários:
Postar um comentário