Anselmo nasceu em berço nobre: seus pais ostentavam parentesco com a nobre dinastia da Casa de Savoia, que oito séculos mais tarde lideraria a unificação da Itália e reinaria sobre o país até o fim oficial da monarquia, em 1946. Apesar dos antecedentes, ele optou pela vida religiosa. Desde que entrou num mosteiro, aos 20 anos, subiu vários degraus na Igreja: foi monge, prior e abade. Em 1093, já vivendo na Inglaterra, tornou-se arcebispo da Cantuária.
Seus trabalhos filosóficos buscavam comprovar a existência de Deus por meio de um debate racional. Anselmo estabeleceu o que Immanuel Kant chamaria de "prova ontológica" seis séculos mais tarde: um diálogo imaginário com alguém que negasse Deus, usando da lógica até o ponto em que não houvesse alternativas a não ser aceitar Sua existência. Para Anselmo, era óbvio que existe em nossa mente "um ser do qual não é possível conceber nada maior". Se Deus existe, Ele é esse ser. Mas, para Anselmo, algo presente apenas em pensamento é menor do que algo que vive na realidade. O filósofo então argumentou: se não pode haver algo maior do que Deus, e Ele está em pensamento, também precisa existir na realidade. Finalmente, a razão comprovava a existência de Deus - pelo menos para o filósofo.
Anselmo seria criticado nos séculos seguintes, e os questionamentos costumavam partir da interrogação básica: qual a garantia de que uma coisa real é de fato maior do que algo que existe só em pensamento? A maior importância de seu pensamento foi ter buscado um equilíbrio entre fé e razão. Embora outros pensadores tenham feito isso antes, como Santo Agostinho, Anselmo costuma ser chamado de "pai da escolástica" pela importância da razão em sua doutrina. Para ele, a fé começa quando a razão termina. No que diz respeito à Igreja, as contribuições de Anselmo foram logo reconhecidas: sua canonização ocorreu poucas décadas após sua morte. Ganhou o título de santo por volta de 1163.
Em 1115, reconhecido como um filósofo arrojado de Paris, Abelardo era admirado por alunos que vinham do exterior para aprender com ele. Foi aí que conheceu Heloísa, e a história de amor entre eles acabou mais famosa do que seus postulados. Sobrinha de um cônego da Catedral de Notre-Dame, onde Abelardo lecionava, ela encantou o pensador com sua beleza e erudição. Os dois começaram um romance secreto que terminou trágico: Heloísa engravidou e seus parentes juraram vingança. Em uma noite, arrombaram a casa de Abelardo e castraram o filósofo conquistador. Desiludidos, ela virou freira, e ele, monge beneditino. Pouco se sabe sobre o destino do filho do casal, Astrolábio.
A filosofia de Abelardo buscou problematizar os "universais", isto é, tudo o que podemos agrupar sob uma mesma palavra. Para ele, os universais são apenas conceitos que derivam e guardam semelhança com as coisas. Ao contrário de Platão, ele dizia que um termo como "carvalho" pouco tem a dizer sobre cada árvore desse tipo que existe na realidade. Também contribuiu para aprimorar o método escolástico, um passo essencial para os teólogos que viriam a seguir.
Tomás de Aquino já havia investido nove anos de sua vida escrevendo a Suma Teológica, um total de 512 questionamentos filosóficos, quando algo estranho aconteceu. Ele foi visto levitando diante de um crucifixo em seu convento de Nápoles. Em meio a uma oração, o próprio Cristo teria começado a falar com ele. Tomás nunca chegou a escrever sobre a experiência mística - nem escreveu mais coisa alguma. A suposta aparição fez o religioso considerar "uma ninharia" tudo o que fizera até ali, desistindo de formular novas perguntas. Ele viria a falecer apenas três meses depois, aos 49 anos. O futuro santo havia tentado conciliar sua fé com o raciocínio de Aristóteles para entender a origem do Universo - enquanto o grego afirmava que o Universo sempre existiu, a Bíblia dizia que Deus o havia criado. Para Aquino, a ideia aristotélica de o Universo não ter um início definido não impedia o Cosmos de ter sido feito por Deus. Em Seu infinito poder, Ele teria condições de criar um Universo eterno. O pensamento tomista sofreu altos e baixos até ser recuperado em 1879 pelo papa Leão 13, que o considerou uma das bases da filosofia cristã.
Duns scotus tem biografia rodeada de dúvidas. Os mistérios incluem sua morte: ele teria sido enterrado vivo, após entrar em coma por consequência de um derrame. Frei franciscano, nunca reuniu seus escritos em uma obra única, o que fez muitos deles se perderem. Destacou-se por sua oposição a Tomás de Aquino, que defendia que as qualidades dos homens eram meras analogias das qualidades de Deus - a bondade humana, por exemplo, não poderia ser idêntica à divina. Scotus dizia que os atributos têm o mesmo significado, diferenciando-se apenas em grau. A bondade de Deus é infinitamente maior, mas ainda é a mesma bondade.
Pensador ou santo?
Na Idade Média, filosofar com qualidade elevou muitos pensadores à categoria de santo. Mas os devotos de Duns Scotus ainda lutam para comprovar supostos milagres e vê-lo ao lado dos seus pares filósofos no topo da fé cristã. Seu processo de canonização atravessa sete séculos e é um dos mais longos da história: a beatificação, o terceiro dos quatro passos para ascender à condição de santo, veio somente em 1993, por obra de João Paulo 2º.
Nascido numa cidade pertencente ao que hoje é a Argélia, na época parte do Império Romano, Agostinho teve uma vida de esbanjamento e luxúria até os 32 anos. Embora admirasse os ermitões que iam estudar as leis de Deus, ele só foi se converter no ano de 386, quando lecionava em Milão. Influenciado por Ambrósio, bispo da cidade, o futuro santo teve uma revelação espiritual depois de ler um relato da vida de Santo Antão do Deserto. Antão era filho de ricos proprietários de terras e, como Agostinho, vivera seus primeiros anos de modo confortável e perdulário, mas, quando perdeu seus pais, decidiu doar tudo aos pobres e foi peregrinar pelo deserto, a exemplo de Jesus Cristo. Agostinho ficou tão tocado pela história que decidiu entrar para a Igreja e regressar à África, onde foi ordenado padre pouco depois.
Na filosofia, ele recuperou os pensamentos de Platão para conceber a ideia de um Deus que pertencia a uma realidade perfeita, atemporal e imaterial. Se hoje essa interpretação parece um tanto óbvia, certamente não era na época: o cristianismo era uma religião nova, que concorria com outras fés e ainda não havia firmado as bases de sua doutrina, incluindo uma interpretação sobre Deus. Antes de se filiar à Igreja, Agostinho foi seguidor da religião maniqueísta, que via o bem e o mal como as duas forças que regiam o Universo. Influenciado por seu passado, tentou explicar a existência do mal em um mundo regido por um Deus bom e onipresente. Até então, a Igreja via o homem quase como uma marionete de Deus, o que não explicava por que optamos por coisas erradas se estamos destinados a fazer tudo o que Ele quer. Agostinho inovou ao propor que Deus foi bondoso ao dar ao homem a escolha entre o bem e o mal. Assim, os homens bons podem se separar dos outros e merecer a felicidade eterna. Agostinho morreu em 430, quando Hipona estava sitiada pelos vândalos, uma tribo em constante luta contra o poderio de Roma. Eles conseguiram cruzar as muralhas após seu falecimento e incendiaram quase tudo - mas a catedral e a biblioteca deixadas por Agostinho ficaram intactas.
Pouco se sabe sobre a vida de Al-Farabi que, embora tenha escrito muito, abusou da modéstia ao fugir do registro da própria biografia. Um dos fundadores do movimento filosófico muçulmano na Idade Média, ele seria chamado por seus contemporâneos de o Segundo Professor - uma espécie de herdeiro de Aristóteles, que seria o primeiro. Al-Farabi marcou um novo passo na filosofia de seu tempo precisamente por ter recuperado as obras dos gregos clássicos, discutindo tanto os textos aristotélicos quanto os de Platão, que haviam caído no esquecimento na Europa medieval. Os numerosos escritos de Al-Farabi também deixaram um legado semântico que curiosamente resistiu na língua portuguesa: de seu nome deriva o termo "alfarrábio", usado para designar um livro antigo.
Dedicado à lógica e à medicina, assessorou muitos príncipes persas, tanto para curar doenças quanto para dar conselhos. Embora se considerasse seguidor de Aristóteles, afastou-se dele a respeito da ideia aristotélica de que mente e corpo compõem uma coisa só. Avicena promoveu o pensamento dualista - a ideia recorrente de que a mente, ou alma, seria distinta do corpo. Ou seja, a alma permanece mesmo quando o corpo morre, algo que tentou explicar na parábola do "homem voador": se eu ficasse flutuando sem tocar nem ver coisa alguma, poderia não saber que tenho um corpo, mas ainda assim saberia que existo. Quase 600 anos depois, Descartes recuperaria a ideia de que nossa existência é garantida pela consciência - ou, para o francês: "Penso, logo existo".
Como Avicena, buscou formas de conciliar o Islã com a obra de Aristóteles, cujos pensamentos eram considerados hereges no mundo muçulmano. Natural do califado Almóada, onde hoje está a Espanha, Averróis tinha entre seus leitores o próprio califa, Abu Ya¿qub Yusuf. Com as costas quentes, o filósofo conseguiu relativa proteção para formular suas ideias. Para ele, o Alcorão só deveria ser lido de maneira literal pelos homens incultos - a elite esclarecida precisava entender que o livro sagrado não passava de uma versão poética da realidade. As ideias de Averróis levavam à conclusão de que as indagações filosóficas e a religião podiam caminhar juntas: se a leitura mais óbvia de um trecho do Alcorão entrasse em conflito com a leitura culta (feita em geral pelos filósofos), aquele preceito não deveria ser seguido ao pé da letra, mas interpretado como uma mera parábola.
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