Desencanto
(Manuel Bandeira)
Eu faço
versos como quem chora
De
desalento... de desencanto...
Fecha o meu
livro, se por agora
Não tens
motivo nenhum de pranto.
Meu verso é
sangue. Volúpia ardente...
Tristeza
esparsa... remorso vão...
Dói-me nas
veias. Amargo e quente,
Cai, gota a
gota, do coração.
E nestes
versos de angústia rouca,
Assim dos
lábios a vida corre,
Deixando um
acre sabor na boca.
Eu faço
versos como quem morre.
Vou-me
Embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira)
Vou-me
embora pra Pasárgada
Lá sou amigo
do rei
Lá tenho a
mulher que eu quero
Na cama que
escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada
Vou-me
embora pra Pasárgada
Aqui eu não
sou feliz
Lá a
existência é uma aventura
De tal modo
inconsequente
Que Joana a
Louca de Espanha
Rainha e
falsa demente
Vem a ser
contraparente
Da nora que
nunca tive
E como farei
ginástica
Andarei de
bicicleta
Montarei em
burro brabo
Subirei no
pau-de-sebo
Tomarei
banhos de mar!
E quando
estiver cansado
Deito na
beira do rio
Mando chamar
a mãe-d'água
Pra me
contar as histórias
Que no tempo
de eu menino
Rosa vinha
me contar
Vou-me
embora pra Pasárgada
Em Pasárgada
tem tudo
É outra
civilização
Tem um
processo seguro
De impedir a
concepção
Tem telefone
automático
Tem
alcalóide à vontade
Tem
prostitutas bonitas
Para a gente
namorar
E quando eu
estiver mais triste
Mas triste
de não ter jeito
Quando de
noite me der
Vontade de
me matar
Lá sou amigo
do rei
Terei a
mulher que eu quero
Na cama que
escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada.
Testamento
(Manuel Bandeira)
O que não
tenho e desejo
É que melhor
me enriquece.
Tive uns
dinheiros - perdi-os...
Tive amores
- esqueci-os.
Mas no maior
desespero
Rezei:
ganhei essa prece.
Vi terras da
minha terra.
Por outras
terras andei.
Mas o que
ficou marcado
No meu olhar
fatigado,
Foram terras
que inventei.
Gosto muito
de crianças:
Não tive um
filho de meu.
Um filho!...
Não foi de jeito...
Mas trago
dentro do peito
Meu filho
que não nasceu.
Criou-me,
desde eu menino
Para
arquiteto meu pai.
Foi-se-me um
dia a saúde...
Fiz-me
arquiteto? Não pude!
Sou poeta
menor, perdoai!
Não faço
versos de guerra.
Não faço
porque não sei.
Mas num
torpedo-suicida
Darei de bom
grado a vida
Na luta em
que não lutei!
Poemeto
Erótico (Manuel Bandeira)
Teu corpo
claro e perfeito,
- Teu corpo
de maravilha,
Quero
possuí-lo no leito
Estreito da
redondilha...
Teu corpo é
tudo o que cheira...
Rosa...flor
de laranjeira...
Teu corpo,
branco e macio,
É como um
véu de noivado...
Teu corpo é
pomo doirado...
Rosal
queimado do estio,
Desfalecido
em perfume...
Teu corpo é
a brasa do lume...
Teu corpo é
chama e flameja
Como à tarde
os horizontes
É puro como
nas fontes
A água clara
que serpeja,
Que em
cantigas se derrama...
Volúpia de
água e da chama...
A todo
momento o vejo...
Teu corpo...
a única ilha
No oceano do
meu desejo...
Teu corpo é
tudo o que brilha,
Teu corpo é
tudo o que cheira...
Rosa, flor
de laranjeira...
Renúncia
(Manuel Bandeira)
Chora de
manso e no íntimo... Procura
Curtir sem
queixa o mal que te crucia:
O mundo é
sem piedade e até riria
Da tua
inconsolável amargura.
Só a dor
enobrece e é grande e é pura.
Aprende a
amá-la que a amarás um dia.
Então ela
será tua alegria,
E será, ela
só, tua ventura...
A vida é vã
como a sombra que passa...
Sofre sereno
e de alma sobranceira,
Sem um grito
sequer, tua desgraça.
Encerra em
ti tua tristeza inteira.
E pede
humildemente a Deus que a faça
Tua doce e
constante companheira...
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