Além de escultor, pintor, arquiteto, engenheiro, cientista de diversas áreas e dezenas de outras especialidades, Leonardo da Vinci foi também um grande contista, “um argumentador fascinante, um polido conversador, um contador de histórias ‘mágico’ e fantástico, um gênio da palavra acompanhada da mímica" e deixou um legado de fábulas contendo, cada uma, uma finalidade moral.
Algo que chama a atenção em suas fábulas era o valor que Da Vinci dava à Liberdade que, para ele, “era o Bem supremo da humanidade.”
A Aranha e o Buraco da Fechadura
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
Após ter explorado a casa toda, por dentro e por fora, uma aranha resolveu esconder-se no buraco da fechadura.
Que esconderijo ideal! Pensou ela. Quem jamais havia de imaginar que ela estava ali? E além disso podia espiar para fora e ver tudo o que acontecia.
Ali em cima disse ela para si mesma, olhando para o alto da porta:
- Vou fazer uma teia para moscas ali embaixo. – olhando a soleira, observou: - Farei outra para besourinhos ali. Ao lado da porta, vou armar uma teiazinha para os mosquitos.
A aranha estava exultante. O buraco da fechadura proporcionava-lhe uma nova e maravilhosa sensação de segurança. Era tão estreito, escuro, e era revestido de ferro. Parecia-lhe mais inexpugnável que uma fortaleza, mais garantido que qualquer armadura.
Imersa nesses deliciosos pensamentos, a aranha ouviu o som de passos que se aproximavam. Correu de volta para o fundo de seu refúgio.
Porém a aranha esquecera-se de que o buraco da fechadura não havia sido feita para ela. Sua legítima proprietária, a chave, foi colocada na fechadura e expulsou a aranha.
Leonardo da Vinci
A Borboleta e a Chama
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
Uma borboleta multicor estava voando na escuridão da noite quando viu, ao longe, uma luz. Imediatamente voou naquela direção e ao se aproximar da chama pôs-se a rodeá-la, olhando-a maravilhada.
Como era bonita!
Não satisfeita em admirá-la, a borboleta resolveu fazer o mesmo que fazia com as flores perfumadas. Afastou-se e em seguida voou em direção à chama e passou rente a ela.
Viu-se subitamente caída, estonteada pela luz e muito surpresa por verificar que as pontas de suas asas estavam chamuscadas.
“Que aconteceu comigo?” – Pensou ela.
Mas não conseguiu entender. Era impossível crer que uma coisa tão bonita quanto a chama pudesse causar-lhe mal. E assim, depois de juntar um pouco de forças, sacudiu as asas e levantou voo novamente.
Rodou em círculos e mais uma vez dirigiu-se para a chama, pretendendo pousar sobre ela. E imediatamente caiu, queimada, no óleo que alimentava a brilhante e pequenina chama.
- Maldita luz! – murmurou a borboleta agonizante – Pensei que ia encontrar em você a felicidade e em vez disso encontrei a morte. Arrependo-me desse tolo desejo, pois compreendi, tarde demais, para minha infelicidade, o quanto você é perigosa.
- Pobre borboleta! – respondeu a chama – Eu não sou o sol, como você tolamente pensou. Sou apenas uma luz. E aqueles que não conseguem aproximar-se de mim com cautela, são queimados.
Esta fábula é dedicada àqueles que, como a borboleta, são atraídos pelos prazeres mundanos, ignorando a verdade. Então, quando percebem o que perderam, já é tarde demais
Leonardo da Vinci
A Língua Mordida pelos Dentes
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
Era uma vez um rapaz que tinha o vício de falar mais do que devia.
- Que língua! – Suspiravam, um dia, os dentes. – Nunca está quieta! Nunca se cala!
- Que estão vocês a murmurar? – Replicou a língua com arrogância. –Vós, os dentes, não sois mais do que servos unicamente encarregados de mastigar os alimentos que eu escolho. Entre nós não há nada em comum e não vos permito que se metam nos meus assuntos.
Deste modo, o rapaz continuava a dizer coisas que não vinham a propósito, enquanto a língua, feliz, conhecia todos os dias novas palavras.
Um dia, o rapaz depois de ter feito uma tolice autorizou que a língua dissesse uma grande mentira. Mas os dentes, obedecendo ao coração, morderam-na.
A língua ficou corada de sangue e o rapaz, arrependido, corou de vergonha.
Desde aquele dia a língua tornou-se cautelosa e prudente e antes de falar pensava duas vezes.
Leonardo da Vinci
O Rato, a Doninha e o Gato
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
Certa manhã, um ratinho não podia deixar sua toca, porque uma doninha faminta esperava do lado de fora. Ele sabia que estava correndo um perigo enorme, e tremia de medo. Mas, de repente, um gato surgiu do nada e pulou sobre a doninha, segurando-a com os dentes. Em instantes, ela estava morta, sendo devorada em seguida pelo felino.
“Céus, muito obrigado”, disse o rato, que viu toda a cena pela abertura da toca. “Em gratidão, vou sair e oferecer um pouco de minha comida para você.” E assim foi feito. Mas, aliviado por ter escapado de um perigo, o tolo se esqueceu de outro. O gato, por ser um gato, acabou devorando-o também.
Leonardo da Vinci
O Pintassilgo
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
Ao voltar para o ninho, trazendo no bico uma minhoca, o pintassilgo não encontrou seus filhotes. Alguém os havia levado embora durante sua ausência.
Começou a procurá-los por toda a parte, chorando e gritando. A floresta inteira ecoava seus gritos, mas ninguém respondia.
Dia e noite, sem comer nem dormir, o pintassilgo procurou seus filhotes, examinando todas as árvores e olhando dentro de todos os ninhos.
Certo dia um pássaro lhe disse:
- Acho que vi seus filhotes na casa do fazendeiro.
O Pintassilgo voou, cheio de esperança, e logo chegou à casa do fazendeiro. Pousou no telhado, mas lá não havia ninguém. Voou para o pátio – ninguém.
Então, levantando a cabeça, viu uma gaiola pendurada do lado de fora de uma janela. Os filhotes estavam presos lá dentro.
Ao verem a mãe subindo pela grade da gaiola, os filhotes começaram a piar, suplicando-lhe que os libertasse. O pintassilgo tentou quebrar as grades com o bico e com as patas, mas foi em vão.
Em seguida, com um grito de grande tristeza, voou novamente para a floresta.
No dia seguinte o pintassilgo voltou para junto da gaiola dentro da qual seus filhotes estavam presos. Fitou-os longamente, com o coração carregado de tristeza. Em seguida alimentou-os um a um, através das grades, pela última vez.
Levara-lhes uma erva venenosa, e os passarinhos morreram.
- Antes a morte – disse o pintassilgo, – do que perder a liberdade.
Leonardo da Vinci
Os Tordos e a Coruja
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
- Estamos livres! Estamos livres! gritaram os tordos certo dia, vendo que um homem apanhara a coruja.
- Agora a coruja não vai mais nos assustar. Agora dormiremos em paz.
De fato, a coruja caíra numa armadilha e o homem a colocara dentro de uma gaiola.
- Vamos ver a coruja na prisão! disseram os tordos, voando e cantando em volta da gaiola de sua inimiga.
Porém o homem capturara a coruja com outra finalidade – a de apanhar os tordos. A coruja aliou-se imediatamente a seu captor, que prendeu-a pelo pé e colocava-a diariamente em cima de uma estaca, bem à vista. A fim de poderem ver a coruja, os tordos voaram para as árvores próximas, nas quais o homem escondera gravetos cobertos de visgo. E assim como a coruja, os tordos também perderam a liberdade.
Esta fábula é dirigida a todos os que se alegram quando um opressor perde a liberdade. Pois o conquistado logo se torna aliado ou instrumento do conquistador, enquanto que todos aqueles que nele confiam sucumbem a outro senhor, perdem a liberdade, e freqüentemente também suas vidas.
Leonardo da Vinci
A Formiga e o Grão de Trigo
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Da Vinci, Séc. XV.
Um grão de trigo, deixado sozinho no campo após a colheita, esperava pela chuva a fim de esconder-se novamente sob a terra.
Uma formiga viu o grão, colocou-o nas costas e partiu penosamente em direção ao formigueiro. À medida que andava, o grão de trigo parecia pesar cada vez mais sobre suas costas cansadas. – Por que você não me deixa aqui? perguntou-lhe o grão de trigo. A formiga respondeu: – Se eu deixar você para trás, podemos não ter provisões suficientes para o inverno. Em nosso formigueiro há muitas formigas e cada uma de nós deve levar para o celeiro todo o alimento que encontrar. – Mas eu não fui feito só para alimentar, objetou o grão de trigo. – Sou uma semente, cheia de vida, e meu destino é dar origem a uma planta. Ouça, cara formiga, vamos fazer um pacto.
A formiga, contente por poder descansar um pouco, colocou o grão de trigo no chão e perguntou: – Que pacto? – Se você me deixar aqui no campo, respondeu o grão de trigo, em vez de me levar para o formigueiro, eu darei a você, daqui a um ano, cem grãos de trigo exatamente iguais a mim.
A formiga olhou para o grão de trigo com ar incrédulo.
- Sim cara formiga, creia no que estou lhe dizendo. Se você desistir de mim agora eu lhe darei cem de mim – cem grãos de trigo para o seu celeiro. A formiga pensou: – Cem grãos de trigo em troca de um só… Mas isso é um milagre! E como você vai fazer isso? perguntou ela. – Isso é um mistério, respondeu o grão de trigo, – É o mistério da vida. Cave um buraquinho, enterre-me dentro dele e volte dentro de um ano.
No ano seguinte a formiga voltou. O grão de trigo transformara-se numa nova planta carregada de sementes, cumprindo portanto, sua promessa.
Leonardo da Vinci
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