O PAPEL - JURA ARRUDA / CRÔNICA


De onde vem o papel? Pensava Nino, sentado ao pé de um frondoso Ipê amarelo. Sabia que seus pais compravam na papelaria. Papelaria! – exclamou - É de lá que o papel vem. Depois pensou um pouco e viu que não tinha sentido. É da papelaria que vem, mas do que é feito? É feito de papel! – exclamou novamente. A tarde caminhava para o final e um vento de outono bateu por lá. Nino fechou os olhos. De onde vem o vento? 

Deixou-se tocar, virou o rosto para um lado e para outro. Está vindo de lá. - olhou para o campo que ia além da cerca de arame. Uma flor caiu da árvore e alojou-se em seu colo pequeno. Olhou para cima, tanto amarelo! Mais o verde das folhas, mais o céu azul. Era praticamente a bandeira do Brasil cobrindo-o. Uma bandeira sem estrelas, mas que falta faziam naquele momento?

Alguém, do outro lado da rua empinava uma pipa vermelha. Pipa é feita de papel e bastou isso para Nino voltar a pensar o que pensava antes. De que é feito o papel? Recostou-se melhor na árvore, arrancou um matinho do chão e mordiscou. Papel, branquinho do jeito que é, deve vir de um lugar muito limpo. A pipa desenhou um arco e mirou o telhado da casa de Verinha. Antes de tocar a telha, porém, voltou a subir, na mais pura demonstração de habilidade de Lorenzo. Era o próprio Lorenzo que fazia as pipas. Ele era muito inteligente. 

A Verinha apareceu na janela. Não o viu. Penteava os cabelos longos. Olhou para o céu, viu a pipa. O Lorenzo, bem de safadeza, embicou de novo o papagaio e fez ele passar raspando pela janela de Verinha. Ela arregalou os olhos e sorriu. Lorenzo acenou e ela retribuiu. Eles ainda vão se casar, disse – de papel passado! Lá foi Nino pensar de novo na origem do papel, sem se dar conta que recostava na mãe da celulose: a árvore. Fechou os olhos e sentiu algo tocar-lhe a perna. Era uma folha de papel trazida pelo vento. Olhou para um lado e para outro e não viu nada que pudesse sugerir de onde aquele papel tinha vindo. Pegou-o. Tinha algo escrito com letras bem redondinhas, umas coladinhas às outras, algumas em azul, outras em vermelho, umas flores do lado. Se já soubesse ler, saberia o que se dizia ali. Virou o papel e do outro lado tinha um coração desenhado. A mão de Verinha puxou o papel de uma só vez. 

- É minha!

A menina saiu desembestada, voltou à janela. Nino viu Verinha colocar o papel bem dobradinho em um envelope. A pipa do Lorenzo desceu de novo, mas dessa vez, Verinha a agarrou. Prendeu nela o envelope e soltou-a no ar de novo. De que é feito o papel, Nino ainda não descobriu, mas já sabe muito bem para que ele serve.

(Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia - 29/03/2014)
O papel
Jura Arruda

De onde vem o papel? Pensava Nino, sentado ao pé de um frondoso Ipê amarelo. Sabia que seus pais compravam na papelaria. Papelaria! – exclamou - É de lá que o papel vem. Depois pensou um pouco e viu que não tinha sentido. É da papelaria que vem, mas do que é feito? É feito de papel! – exclamou novamente. A tarde caminhava para o final e um vento de outono bateu por lá. Nino fechou os olhos. De onde vem o vento? 

Deixou-se tocar, virou o rosto para um lado e para outro. Está vindo de lá. - olhou para o campo que ia além da cerca de arame. Uma flor caiu da árvore e alojou-se em seu colo pequeno. Olhou para cima, tanto amarelo! Mais o verde das folhas, mais o céu azul. Era praticamente a bandeira do Brasil cobrindo-o. Uma bandeira sem estrelas, mas que falta faziam naquele momento?

Alguém, do outro lado da rua empinava uma pipa vermelha. Pipa é feita de papel e bastou isso para Nino voltar a pensar o que pensava antes. De que é feito o papel? Recostou-se melhor na árvore, arrancou um matinho do chão e mordiscou. Papel, branquinho do jeito que é, deve vir de um lugar muito limpo. A pipa desenhou um arco e mirou o telhado da casa de Verinha. Antes de tocar a telha, porém, voltou a subir, na mais pura demonstração de habilidade de Lorenzo. Era o próprio Lorenzo que fazia as pipas. Ele era muito inteligente. 

A Verinha apareceu na janela. Não o viu. Penteava os cabelos longos. Olhou para o céu, viu a pipa. O Lorenzo, bem de safadeza, embicou de novo o papagaio e fez ele passar raspando pela janela de Verinha. Ela arregalou os olhos e sorriu. Lorenzo acenou e ela retribuiu. Eles ainda vão se casar, disse – de papel passado! Lá foi Nino pensar de novo na origem do papel, sem se dar conta que recostava na mãe da celulose: a árvore. Fechou os olhos e sentiu algo tocar-lhe a perna. Era uma folha de papel trazida pelo vento. Olhou para um lado e para outro e não viu nada que pudesse sugerir de onde aquele papel tinha vindo. Pegou-o. Tinha algo escrito com letras bem redondinhas, umas coladinhas às outras, algumas em azul, outras em vermelho, umas flores do lado. Se já soubesse ler, saberia o que se dizia ali. Virou o papel e do outro lado tinha um coração desenhado. A mão de Verinha puxou o papel de uma só vez. 

- É minha!

A menina saiu desembestada, voltou à janela. Nino viu Verinha colocar o papel bem dobradinho em um envelope. A pipa do Lorenzo desceu de novo, mas dessa vez, Verinha a agarrou. Prendeu nela o envelope e soltou-a no ar de novo. De que é feito o papel, Nino ainda não descobriu, mas já sabe muito bem para que ele serve.

(Crônica publicada no Jornal Notícias do Dia - 29/03/2014)

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