"UM BREVE PASSEIO PELA OBRA DE DAVID GONÇALVES" / PROF. ORLANDO BOGO


UM BREVE PASSEIO LITERÁRIO SOBRE PELA OBRA DE DAVID GONÇALVES

ORLANDO BOGO
Professor de língua Portuguesa e Literatura
Curitiba-PR
David Goncalves
A maior competência do ser humano é a capacidade falar, de fazer uso da palavra, portanto, esse bem maior da humanidade, competência que só ao humano é devida. A palavra, objeto de paixão do poeta Pablo Neruda : “amo tanto as palavras.” As palavras, que os “conquistadores torvos “, segundo o poeta chileno, quando nos roubaram nossas riquezas materiais, não conseguiram levar, deixaram-nos tudo, porque nos deixaram as palavras.

Ao deixarem as palavras, os conquistadores nos deixaram também uma plêiade de artífices da palavra. Nos deixaram Pablo Neruda, Jorge Luís Borges, Gabriel Garcia Marques, Mario Vargas Llosa, Érico veríssimo, Jorge Amado, Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, exímios manipuladores da palavra, como o são também escritores próximos a nós, como Cristovão Tezza, Roberto Gomes, Miguel Sanches Neto e David Gonçalves. Uns mais outros menos badalados pela mídia, mas todos craques da palavra, bons contadores de histórias.

Quem gosta de uma boa história não pode deixar de ler os contos e romances de David Gonçalves, genuíno intérprete do drama, dos anseios e da luta do homem rural brasileiro. Quadrínculo é o palco criado por David Gonçalves para o cenário da maior parte de suas criações. Onde se desenrola a inglória luta pela terra. Não pode deixar de ler Terra Braba, em que, além do episódio do passageiro que leva joias roubadas num corpo de uma criança, o que importa é a tragédia do ser humano ao denunciar a perda da propriedade, a expulsão do trabalhador rural de sua própria terra pela máquina, transformando-se em boia-fria, a exploração do homem pelo poder econômico em nome do progresso.

Não pode deixar de ler o romance Acima do chão, da personagem Joãpó, “o filósofo”, que não tem inveja dos ricos, mas compaixão, porque são pobres de espírito porque só possuem o dinheiro, são vazios, de Joãpó, para quem a escola ensina coisas que não o atraem, mas que sabe muitas coisas que não interessam à escola... para quem a política é a arte de servir as pessoas. De Joricão, o boia-fria que matou o gato. De Catarino, para quem “a arte é coisa de sublime loucura... ela não está ao alcance dos pobres mortais... os cretinos não chegam a ela...por isso os cretinos têm a religião... a pobreza de espírito precisa de muitas igrejas lotadas.

Deve ler o romance O campeão, do menino David, que pensava diferente dos demais meninos, que achava crime matar pássaros, que perguntava se haveria lugar no mundo para uma pessoa que pensava como ele. Ler os contos de Até Sangrar, que denunciam o trabalho escravo que sustenta o estudo dos filhos dos grandes proprietários de terras e luxuosas mansões.

Não deve deixar de ler AS Flores que o Chapadão não Deu, onde pinta , com maestria o preconceito racial de uma sociedade contra um professor negro recém chegado, para assumir aulas numa escola.. O Rei da Estrada, romance em que cada capítulo é batizado com uma frase da filosofia estradeira de parachoque de caminhão. Em que o caminhoneiro, ao tempo em que se pensa livre porque cruza as estradas de um lado a outro, vive preso nas garras da ganância do poder econômico. Isso muito bem expresso num dos capítulos: “sou como cachimbo, só levo fumo”. 

Precisa ler Paixão Cega, a história de três irmãos cuja única semelhança é o DNA sanguíneo. Os três movidos por uma paixão cega: a riqueza, a fé e o amor. Romance de desfecho inesperado, que foge do padrão comum das histórias: o mal suplanta o bem. Mas que faz refletir sobre o que é importante para o ser humano, o dinheiro, o amor, a religião?!...

Águas de Outono é outro romance cuja temática foge aos padrões mais comuns dos relatos de DG: o boia-fria, a expulsão do pequeno proprietário de sua terra, o preconceito racial etc. Aqui, os temas são a velhice abandonada pela sociedade, a questão da existência humana, das morte, que sentido há em viver... 

Outra leitura que vale a pena é Adorável Margarida, cujo personagem central são os animais, com sua forma peculiar de “ler” o mundo. Evidencia-se, aqui, uma característica singular do autor, revelada na maioria de seus textos: linguagem direta, terna, denunciadora, mas não ingênua. Linguagem simples, mas rica, extraída da invenção popular, quase didática, mas não vulgar.

Quem ler este texto não terá dúvida em perceber que não se trata de autor especialista em crítica literária. E tem razão: trata-se de alguém que gosta do bom texto, amante da boa leitura. E por isso pode se referir a todos os autores romancistas e poetas citados acima. Leitor também dos bons textos de David Gonçalves. Sou um fã das histórias de David Gonçalves, de quem pretendo ler mais uma vez Sol dos Trópicos, romance contundente, de linguagem forte, crua e denunciadora. E fico no aguardo do próximo livro Sangue Verde, cuja temática é a região amazônica.







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