Comunicação
É importante saber o nome das coisas. Ou, pelo menos, saber comunicar o que você quer. Imagine-se entrando numa loja para comprar um... um... como é mesmo o nome?
"Posso ajudá-lo, cavalheiro?"
"Pode. Eu quero um daqueles, daqueles..."
"Pois não?"
"Um... como é mesmo o nome?"
"Sim?"
Tomba! Um... um... Que cabeça a minha. A palavra me escapou por completo. É uma coisa simples, conhecidíssima."
"Sim senhor."
"O senhor vai dar risada quando souber."
"Sim senhor."
"Olha, é pontuda, certo?"
"O quê, cavalheiro?"
"Isso que eu quero. Tem uma ponta assim, entende? Depois vem assim, assim, faz uma volta, aí vem reto de novo, e na outra ponta tem uma espécie de encaixe, entende? Na ponta tem outra volta, só que esta é mais fechada. E tem um, um... Uma espécie de, como é que se diz? De sulco. Um sulco onde encaixa a outra ponta, a pontuda, de sorte que o, a, o negócio, entende, fica fechado. É isso. Uma coisa pontuda que fecha. Entende?"
"Infelizmente, cavalheiro..."
"Ora, você sabe do que eu estou falando."
"Estou me esforçando, mas..."
"Escuta. Acho que não podia ser mais claro. Pontudo numa ponta, certo?"
"Se o senhor diz, cavalheiro."
"Como, se eu digo? Isso já é má vontade. Eu sei que é pontudo numa ponta. Posso não saber o nome da coisa, isso é um detalhe. Mas sei exatamente o que eu quero."
"Sim senhor. Pontudo numa ponta."
"Isso. Eu sabia que você compreenderia. Tem?"
"Bom, eu preciso saber mais sobre o, a, essa coisa. Tente descrevê-la outra vez. Quem sabe o senhor desenha para nós?"
"Não. Eu não sei desenhar nem casinha com fumaça saindo da chaminé. Sou uma negação em desenho."
"Sinto muito."
"Não precisa sentir. Sou técnico em contabilidade, estou muito bem de vida. Não sou um débil mental. Não sei desenhar, só isso. E hoje, por acaso, me esqueci do nome desse raio. Mas fora isso, tudo bem. O desenho não me faz falta. Lido com números. Tenho algum problema com os números — mais complicados, claro. O oito, por exemplo. Tenho que fazer um rascunho antes. Mas não sou um débil mental, como você está pensando."
"Eu não estou pensando nada, cavalheiro."
"Chame o gerente."
"Não será preciso, cavalheiro, Tenho certeza de que chegaremos a um acordo. Essa coisa que o senhor quer, é feita do quê?"
"É de, sei lá. De metal."
"Muito bem. De metal. Ela se move?"
"Bem... É mais ou menos assim. Presta atenção nas minhas mãos. É assim, assim, dobra aqui e encaixa na ponta, assim."
"Tem mais de uma peça? Já vem montado?"
"É inteiriço. Tenho quase certeza de que é inteiriço."
"Francamente..."
"Mas é simples! Uma coisa simples. Olha: assim, assim, uma volta aqui, vem vindo, vem vindo, outra volta e dique, encaixa."
"Ah — tem dique. É elétrico."
"Não! Clique, que eu digo, é o barulho de encaixar."
"Já sei!"
"Ótimo!"
"O senhor quer uma antena externa de televisão."
"Não! Escuta aqui. Vamos tentar de novo..."
"Tentemos por outro lado. Para o que serve?"
"Serve assim para prender. Entende? Uma coisa pontuda que prende. Você enfia a ponta pontuda por aqui, encaixa a ponta no sulco e prende as duas partes de uma coisa."
"Certo. Esse instrumento que o senhor procura funciona mais ou menos como um gigantesco alfinete de segurança e..."
"Mas é isso! É isso! Um alfinete de segurança!"
"Mas do jeito que o senhor descrevia parecia uma coisa enorme, cavalheiro!"
"É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... como é mesmo o nome?"
Luis Fernando Veríssimo. Para gostar de ler — Crônicas.
1. O texto lido envolve ao mesmo tempo dois tipos de estrutura. Reconheça esses tipos e demonstre argumentativamente qual deles é predominante.
2. Esse texto é inteiramente constituído por um recurso discursivo próprio das narrativas. De que recurso se trata?
3. Que tipo de efeito esse recurso cria?
4. Na última fala "É que eu sou meio expansivo. Me vê aí um... um... como é mesmo o nome?", o protagonista caracteriza a si mesmo como "meio expansivo".
a) Pelos dados textuais, por que o protagonista emprega "meio expansivo" em vez de "expansivo"?
b) Empregue outro adjetivo para caracterizar esse protagonista.
5. Que forças opostas criam o conflito dessa narrativa?
6. Com que tom esse relato é narrado?
Texto para os exercícios de 7 a 16
Durante séculos e gerações, os pais educaram os filhos seguindo os princípios de educação que tinham recebido dos seus próprios pais, introduzindo algumas mudanças que passavam a ser exigidas pelas novas características dos tempos. E, em geral, eram poucas. Isso dava aos pais e educadores uma condição essencial à boa educação: a segurança. Um pai sabia exatamente que resposta dar ao seu filho.
Um segundo fator servia para aumentar a segurança dos educadores: a unanimidade de opiniões entre eles; o pai, a mãe, o professor e o sacerdote, ou pastor, compartilhavam da mesma opinião e davam a mesma orientação.
Um terceiro fator completava o quadro de segurança dos educadores: a obediência à autoridade que se apresentava como indiscutível. O pai dentro da família, "as pessoas mais velhas" na sociedade, os bispos nas igrejas etc.
Neste século, no entanto, ocorreu um fenômeno novo na história da humanidade: a estonteante rapidez do progresso técnico. Poderíamos dizer que o mundo caminhou mais em setenta anos do que em toda sua história pregressa. A industrialização, o processo de produção em série e o surgimento da telecomunicação (com o retorno do mundo ao estado de aldeia/globo) podem ser apontados como alguns dos principais responsáveis por tal mudança. As consequências se fazem sentir nos mais diferentes campos. Importam-nos aqui as repercussões sociológicas e, como consequência, as psicológicas.
Outra mudança drástica se verificou na própria estrutura social, causada por uma mudança de estrutura patriarcal. Em termos de sociedade e de família, o homem era o detentor de todos os poderes, pois era o único elemento a trabalhar para o depositário da riqueza.
A mulher, adquirindo a possibilidade de produzir economicamente, colocou por terra a própria base do sistema patriarcal. E daí advieram inúmeras consequências:
- a mudança do relacionamento marido e mulher;
- a mudança do papel da mulher na sociedade;
- a mudança da apresentação da moral;
- e no que se refere à crise de gerações, desaparece o mito da autoridade indiscutível. As ordens e as normas são questionáveis, com todas as suas consequências na estruturação familiar e na própria estruturação social.
Outro fator de mudança, como vimos, foi a verificação de que as normas de educação aplicadas estavam em processo de falência, numa profunda desadaptação às exigências das novas gerações.
Os progressos no campo da psicologia humana, principalmente o advento da Psicanálise, deram ao homem um instrumento útil de conhecimento, inúmeras teorias surgiram propondo as mais diferentes maneiras de agir.
O problema das gerações se estabelece, na realidade, entre as ideias e as estruturas.
O homem necessita de estruturas que possibilitem a concretização de suas ideias. Estas estruturas são criadas para atender, o mais exatamente possível, às ideias humanas.
Álvaro de Moya. Shazaml
7. Quais os fatores que determinavam uma "boa" educação no passado?
8. Qual o fenômeno que, neste século, é o grande responsável pela mudanças ocorridas na educação?
9. Como derivados desse fenômeno, quais os fatores determinantes das transformações ocorridas neste século?
10. O que determinou a mudança da estrutura patriarcal?
11. Mudança gera mudança: a mulher produzindo economicamente coloca por terra a base do sistema patriarcal. Quais são as consequências dessa ruptura?
12. A educação acompanhou o ritmo dessas mudanças?
13. O que gera descompasso entre mudanças e educação?
14. O que as novas gerações exigem?
15. Que tema esse texto desenvolve?
16. Como se vê pela resposta dada à questão anterior, o enunciador desse texto desobedece parcialmente à estrutura ortodoxa do texto dissertativo. Assim o fez, provavelmente, para dar ênfase a um problema que está inserido no tema. Qual?
Gabarito
1. Esse texto é predominantemente narrativo, pois contém um relato de transformações em que um conflito é solucionado. No entanto, nele também há descrição, já que seu tema é justamente a necessidade de arrolar as características de um objeto, de cujo nome o protagonista se esqueceu, para que se possa identificá-lo.
2. Trata-se do discurso direto: recurso discursivo com que o narrador cede espaço para que as personagens possam falar (expressar-se) diretamente.
3. Esse recurso cria o efeito de verossimilhança (de verdade fabricada): as personagens se expressam como "são" normalmente. Trata-se de mais um elemento caracterizador de personagens.
4. a) Meio, como advérbio, significa "um pouco". Ao se autoproclamar "meio expansivo", o protagonista tenta se defender da insinuação de que ele é exagerado (hiperbólico), o que fica confirmado pela "expansão" dos elementos descritivos usados por ele.
b) Esquecido (desligado).
5. De um lado, um comprador que deseja um produto de cujo nome não se lembra e nem sabe descrevê-lo com exatidão; de outro, um vendedor, atento e preciso nos detalhes, querendo vender o produto.
6. Com o tom de brincadeira, de uma certa ironia disfarçada.
7. Segurança (porque ocorriam poucas mudanças na sociedade e na cultura), unanimidade de opiniões (os envolvidos no processo educativo compartilhavam das mesmas ideias), obediência à autoridade (não se desobedecia aos hierarquicamente superiores).
8. "a estonteante rapidez do progresso técnico".
9. A industrialização, o processo de produção em série, o surgimento da telecomunicação.
10. A complexidade social e econômica que passou a exigir o trabalho da mulher, subtraindo, com isso, o poder do homem.
11. Mudança do relacionamento marido e mulher, mudança do papel da mulher na sociedade, mudança da apresentação da moral, queda do mito da autoridade indiscutível.
12. Não, entrou em falência.
13. O conflito de gerações - as gerações antigas ficam desadaptadas às exigências das novas gerações.
14. Exigem novas estruturas para atender às suas necessidades.
15. "O homem necessita de estruturas que possibilitem a concretização de suas ideias. Estas estruturas são criadas para atender, o mais exatamente possível, às ideias humanas."
16. As transformações por que o mundo passou, neste século, modificaram as relações humanas e, consequentemente, tornaram obsoleta a educação do passado.
Fonte:http://www.analisedetextos.com.br/2014/07/exercicio-de-leitura-e-interpretacao-de.html
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