A vida era mais simples, sem muita correria e,
especialmente, sem tanta ansiedade. Havia tempo para as brincadeiras de roda
que tanto me encantavam. Havia tempo para longas conversas com os amigos
sentados no meio-fio de uma rua qualquer. Havia disposição para tudo! Parece que,
naquela época, o tempo era mais benevolente, corria diferente, sem provocar
sobressaltos quando se olhava o calendário.
Quando novembro chegava, começávamos uma espécie de
contagem regressiva, logo seria dezembro. Mas como o mês natalino demorava! Cada
dia desse mês que passava, era caprichosamente riscado, menos um! As pessoas
mudavam, tornavam-se mais cordatas, as crianças mais comportadas, havia as
advertências de que Papai Noel estava vendo cada desobediência, cada teimosia,
a nota escolar e até o banho mal tomado. A mãe dizia que ele tinha uma
caderneta em que anotava tudo. De diabinhos passávamos a anjinhos, não
queríamos correr o risco de Papai Noel ficar zangado e nos deixar sem presente.
Na semana que antecedia o Natal, o ar ficava impregnado
de um adocicado aroma de baunilha, cravo, canela e noz moscada, sinal de que começara
a produção de bolachas. Bolachas que ganhavam diferentes formas e, algumas, até
recebiam olhinhos pretos feitos com grãos de feijão. Algumas vizinhas se
reuniam, uma montanha de massa era feita, os fornos a lenha queimavam o dia
inteiro e latas e mais latas enormes iam sendo cheias de bolachas
cuidadosamente dividas em partes iguais. E nós por ali, rondando... Rondando, na
esperança que algumas se partissem e que nossa gula fosse saciada.
No dia 23, era o dia das cucas! Nossa! Até hoje não
conheço ninguém que as faça tão deliciosas. Minha mãe gastava o dia inteiro
para fazê-las: “O segredo é bater a massa várias vezes e ir acrescentando
canela, raspinha de limão, baunilha... – dizia sempre. E ela as fazia com
amendoim torrado, frutas cristalizadas e só de massa: “- Tem quem não goste com
amendoim ou com fruta” – explicava.
Não havia correria ao comércio. O presente, que
ganhávamos, era comprado no pequeno empório do bairro e vinha acompanhado de
uma muda de roupa nova. Lembro-me da alegria que senti quando, em um Natal,
ganhei meu primeiro sutiã! Foi demais! Sinal de que eu já era uma mocinha e,
quem sabe, já pudesse namorar!
Nos natais de
minha infância, os perus não corriam perigo, as galinhas sim. Estas eram trancadas
no galinheiro para engorda e eram servidas com um recheio que só minha mãe
sabia fazer. ´”- Era assim que a avó de vocês fazia o recheio, bem italiano.”
Não havia balada depois da ceia, saíamos à rua para
mostrar uns aos outros os presentes recebidos. Todos comprados no mesmo empório
e já vistos, revistos e admirados por todos. Não havia hora para nos
recolhermos, já que os adultos também reuniam-se em animadas conversas e
planejavam o churrasco do dia seguinte.
E assim lá se ia mais um Natal, com simplicidade. Sem a
ressaca de preocupações com dívidas contraídas. Hoje sei que éramos
verdadeiramente felizes! Que saudade dos natais de minha infância!
Odenilde Nogueira Martins
Odenilde Nogueira Martins
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