COISA DE MENINO - Nelson Bortoletto-

COISA DE MENINO

  Meu pai era vendedor, viajante num tempo em que viajar era difícil, demorado, atividade de sacrifício. Não havia recursos de comunicação ou de transporte rápido.Se algo acontecesse ao viajante (ou à família), em tese, já era tarde demais.
  Havia, certamente, por conta disso, um sentimento de solidariedade entre vizinhos e comunidade, de modo que haviam “padrinhos” e “madrinhas” de toda sorte, inclusive aqueles que não por solidariedade ou fraternidade, mas, por curiosidade mórbida ou falta do que fazer, ocupavam-se da vida alheia.
  Certa vez, nas proximidades do Natal, quando morávamos em Araraquara, meu pai, se não me falha a memória em 1962, demorava-se a retornar de suas andanças e minha mãe aflita, dependente, nos abrigava a mim e a meus irmãos sob as suas asas divinas.
   No dia 24 de dezembro daquele ano (é clara a imagem) meu pai enfim chegou, quase às onze da noite em seu encantado “fusca 59” azul e me trouxe um carrinho vermelho movido a corda. Eu já tinha nove anos e me achava um homenzinho... Tive vergonha de brincar de carrinho na rua naquele dia seguinte, quando todos os meninos exibiam as suas mais valiosas conquistas, porque meus amiguinhos tinham ganhado bolas de “capotão”.
Carrinhos de brinquedo não eram coisas para meninos atletas e craques de futebol!
  Meu pai era um homem bom e tinha o senso lúcido de saber que eu era apenas um menino de nove anos, com vontade de brincar de carrinho.
Ele ficou triste e eu tenho o tal “Chevrolet Belair” até hoje, guardado com um amor imenso. Às vezes até brinco um pouco com ele, confesso.
   - Feliz Natal, papai Orlando!

                                     -Nelson Bortoletto-

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