LUAS-DE-MEL / GUIMARÃES ROSA


Luas-de-mel (Conto de Primeiras estórias), de Guimarães Rosa

O conto, narrado em primeira pessoa, introduz o motivo, fundamental na obra rosiana, do eterno feminino. A mulher é a ponte que une o passado e o futuro, assegurando a continuidade da existência e a indestrutibilidade do elan vital. A mulher madura e a jovem noiva constituem as duas pontas do fio da vida, e a consciência de sua interconversibilidade situa o homem na eternidade, libertando-o de seu isolamento e restituindo-o à totalidade cósmica.

Do nada é que as coisas acontecem. Essa frase pode ser entendida como uma defesa do desapego, presente em Sorôco, sua mãe, sua filha, Os Cimos, A Terceira Margem do Rio, O Espelho ou Nada e a Nossa Condição. Pode também ser entendida como uma explicação para as ações de Liojorge e Zé Centeralfe, de Os Irmãos Dagobé e Fatalidade, respectivamente. Mas é uma frase proferida por Joaquim Norberto, protagonista do presente conto.

A narrativa deste conto pode ser interpretada como ilustração para a idéia de que em meio a situações corriqueiras, banais, é possível viver fortes emoções e grandes amores. É o que ocorre com Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza, velho casal acostumado com a vida pacata da fazenda Santa-Cruz-da-Onça e que tem a mesmice de sua vida quebrada pelo pedido do Coronel Seotaziano de proteção a um casal que quer casar-se, contrariando a decisão da família da moça. Deve-se notar que, além de a filiação de Joaquim a Seotaziano lembrar o feudalismo, a chegada do casal provoca duas conseqüências: cria, em forte crescendo, uma expectativa tensa de um combate, o que faz todos ficarem armados, até o padre, que viera celebrar o matrimônio. Gera, também, o renascer do amor em Joaquim Norberto e sua esposa Sa-Maria Andreza.

No final, outra vez se manifesta no obra o recurso ao anticlímax. O irmão da noiva surge, mas não traz a guarda, apenas o convite de um almoço para comemorar a união. Todos vão ao festejo, menos Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza. Os dois ficam para aproveitar o sentimento renovado. Amor traz amor.

Eu, feliz, olhei minha Sa-Maria Andreza; fogo de amor verbigrácia. Mão na mão, eu lhe dizendo – na outra o rifle empunhado –: — ‘Vamos dormir abraçados...

Nesta frase podemos observar que o amor do casal maduro é retratado numa atmosfera de proteção e serenidade.

Enredo

No início do conto, o fazendeiro Joaquim Norberto, senhor já idoso e de paz (apesar de seu passado) recebe uma carta de Seu Seotaziano, um amigo seu que pedia para que ele desse guarda e abrigo a um jovem casal que havia fugido para poder casar. “Essas doidices de amor!” – pensa Joaquim Norberto. Ele atende o pedido do amigo e inicia os preparativos para a hospedagem.

O casal chega, mas ainda não haviam consumado o casamento. Joaquim Norberto também não queria saber quem eles eram, pois podia ser parente ou conhecidos. Mais tarde ele fica sabendo que ela era filha do Major Dioclécio, que era contra a união dos dois. Visto ser ele um homem poderoso e duro, Norberto monta guarda contra um eventual ataque do pai da noiva.

O padre é chamado para o casamento, e a cerimônia é realizada. Ao ver o prazer nos olhos dos noivos, a emoção e o amor contagiam Norberto, que sente-se apaixonado mais uma vez por sua esposa Sa-Maria Andreza. “Recebi mais natureza – fonte seca brota de novo – o rebroto, rebrotado. Sa-Maria minha Andreza me mirou com um amor, ela estava tão bela, remoçada. (...) Eu, feliz, olhei minha Sa-Maria Andreza; fogo de amor, verbigrácia. Mão na mão, eu lhe dizendo – na outra o rifle empunhado – : – ‘Vamos dormir abraçados'”

No dia seguinte, chega à fazenda um irmão da noiva que diz que o pai acabara cedendo à união e que convidava os presentes para uma festa. Os vizinhos que faziam a vigília vão embora. Da varanda, Sa-Maria Andreza, eu, nós, a gente contemplava: os cavaleiros, na congracez, em boa ida. Tudo tão determinado, de repente, se me se diz, tudo tão quitado. Nem guerra, nem mais lua-de-méis.

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