DELIMITAÇÃO DO TEMA - REDAÇÃO



Uma das dificuldades que os alunos mais apresentam na hora de fazer a redação no vestibular ou mesmo no #Enem é delimitar o assunto de um texto. Na compreensão dos enunciados isso é importante porque ajudará a impor os limites da interpretação que se fará. Já na hora de fazer a redação, o aluno precisa identificar as informações mais relevantes para que, assim, possa usar como elementos que nortearão a argumentação construída. Este é um exercício para aumentar o nosso vocabulário bem como a qualidade dos nossos argumentos.

Texto para o exercício 1

A questão da identidade

Ao pisar no terreno espinhoso e escorregadio da identidade nacional, a primeira indagação a ser feita seria: como exigir do brasileiro identidade, se ele não assume nem quer assumir sua tipicidade nacional? Como falar de um povo envergonhado consigo mesmo, que nunca se leva a sério, e tem na falta de consciência consigo mesmo sua marca distintiva?
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é o personagem paradigmático brasileiro, justamente porque sua tipicidade é não ter tipicidade nenhuma. Macunaíma é "uma espécie de barro vital, ainda amorfo, que o Prazer e o Medo vão mostrando o caminho a seguir..." (Alfredo Bosi).
Fiquemos com duas das aproximações que nos parecem mais perspicazes (depois da de Mário de Andrade) sobre a chamada identidade nacional brasileira: o "homem cordial", de Sérgio Buarque de Holanda, e a "criatividade acasaladora", apontada por Roberto DaMatta.
O "homem cordial" (expressão cunhada por Ribeiro Couto) prestou-se a discussões acirradas, sobretudo com Cassiano Ricardo. O "homem cordial", de que fala Sérgio Buarque de Holanda, não é o ser bondoso, simpático, solidário, prestativo, como sugere o adjetivo "cordial". Esclarece Sérgio que o coração é a sede dos sentimentos, "não apenas dos bons sentimentos", acrescentando que a inimizade pode ser tão cordial quanto a amizade. E também não se trata do homem polido, apaziguador de ânimos, "apartador de brigas", como dá a entender Cassiano Ricardo. Não, o homem cordial referido por Sérgio Buarque é o homem guiado, exclusivamente, pelos impulsos do coração. Portanto, ele é avesso às normas, à hierarquia e ao ritualismo social, e também aos valores abstratos, tais como o dever, o direito, o bem e o mal. Ele é de uma espontaneidade chocante, trata logo os estranhos por "você" e pelo prenome, e só sabe conviver com o próximo de acordo com "uma ética de fundo emotivo".
Pelo que tudo indica, o famoso "homem cordial", no fundo, não passa da versão algo mais complexa e elaborada daquele herói (ou anti-herói) de Mário de Andrade, Macunaíma, um ser invertebrado dominado pelos impulsos primitivos do desejo e do medo. Macunaíma é o personagem primário que se abriga sob a máscara do homem cordial, e que o explica. Aquele "sem nenhum caráter" atribuído a Macunaíma, mais do que grave falha moral, implica falha ontológica, mal-acabamento, indefinição essencial. Em suma, o homem cordial, impelido impulsivamente pelos latejos do coração (ou do fígado), constitui a versão posterior, socioantropológica, da figura mítica de Macunaíma.
Outro tanto se diga daquela "inesgotável criatividade acasaladora", denunciada na sociedade brasileira pelo antropólogo Roberto DaMatta. "É típico de nosso sistema essa capacidade de misturar e acasalar as coisas que tenho discutido em meu trabalho como uma atividade relacional, de ligar e descobrir um ponto central". E, de forma mais taxativa: "o que faz o Brasil, Brasil é uma imensa, inesgotável criatividade acasaladora".
Ora bem, cabe indagar se a impressionante receptividade do brasileiro e sua agilidade para o amálgama e a fusão dos elementos mais diversos, e até contraditórios, não tem por pressuposto a falta de consistência definida, própria e exclusiva. A personalidade proteica do brasileiro só se explica pelo nosso fundo indiferenciado, amebiano, gelatinoso, ou seja, por nossa índole macunaímica.
Ao fim e ao cabo, esta questão da identidade de um povo, de maneira geral, talvez esteja mal colocada. Em primeiro lugar, quando se fala em identidade", não se estará pensando em "comunidade" (usos, tradições e projetos comuns a todos)? Em segundo lugar, identidade, na acepção rigorosa do termo, é própria, exclusivamente, das coisas situadas fora do tempo, como os corpos geométricos, por exemplo. Um triângulo, uma pirâmide têm perfeita identidade. Se também eu, ou um povo qualquer, tivesse identidade, seríamos tão inalteráveis e insuscetíveis de mudança quanto o triângulo ou o octógono.
Desenvolvendo certa sugestão de Marías, o que eu possuo é a mesmidade (não identidade), porque permaneço sempre eu mesmo ao longo das transformações que me são impostas ao longo do tempo. Até certo ponto, é o que ocorre também com os povos. Melhor seria dizer que povos e nações gozam de mesmidade. O atributo da "identidade" só pode ser aceito como maneira de dizer, um exagero retórico, certa figura de linguagem.

Gilberto de Mello Kujawski, O Estado de S. Paulo, 2/11/2000.

Vocabulário para entendimento do texto:

paradigmático: que encerra modelo, padrão; modelar perspicaz: fino, sagaz, observador
acirrado: irritado, exasperado, exacerbado
ontológico: relativo a ontologia (parte da Filosofia que trata do ser enquanto ser)
impelido: impulsionado, estimulado, incitado; coagido latejo-, pulsação, latejarnento
amálgama: mistura de elementos que, embora diversos, contribuem para formar um todo
proteico: multiforme, polimorfo amebiano; referente a ameba; amébico
insuscetível: não suscetível; incapaz

Delimite:

a) o assunto;
b) o tema;
c) o ponto de vista.

Gabarito dos exercícios de delimitação do tema:

a) A questão da identidade nacional.

b) A dificuldade de exigir identidade de um povo que "não assume nem quer assumir sua tipicidade nacional".

c) O autor defende que se substitua o conceito de identidade nacional pelo de "mesmidade".

http://www.analisedetextos.com.br/2014/08/exercicio-de-delimitacao-do-tema-na.html
Fonte: http://www.analisedetextos.com.br

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