A EVIDÊNCIA - MILLÔR FERNANDES


                                                                    A Evidência
   Millôr Fernandes



     Ainda que pasmem os leitores, ainda que não acreditem e passem, doravante, a chamar este escritor de mentiroso e fátuo, a verdade é que, certo dia que não adianta precisar, entraram num restaurante de luxo, que não me interessa dizer qual seja, um ratinho gordo e catita e um enorme tigre de olhar estriado e grandes bigodes ferozes. Entraram e, como sucede nas histórias deste tipo, ninguém se espantou, muito menos o garçon do restaurante. Era apenas mais um par de fregueses. Entrados os dois, ratinho e tigre, escolheram uma mesa e se sentaram. O garçon andou de lá prá cá e de cá prá lá, como fazem todos os garçons durante meia hora, na preliminar de atender fregueses mas, afinal, atendeu-os, já que não lhe restava outra possibilidade, pois, por mais que faça um garçon, acaba mesmo tendo que atender seus fregueses. Chegou pois o garçon e perguntou ao ratinho o que desejava comer. Disse o ratinho, numa segurança de conhecedor - "Primeiro você me traga Roquefort au Blinnis. Depois Couer de Baratta filet roti à la broche pommes dauphine. Em seguida Medaillon Lagartiche Foie Gras de Strasbourg. E, como sobremesa, me traga um Parfait de biscuit Estraguèe avec Cerises Jubilée. Café. Beberei, durante o jantar, um Laffite Porcherrie Rotschild 1934.
     — Muito bem - disse o garçon. E, dirigindo-se ao tigre — E o senhor, que vai querer?
     — Ele não quer nada — disse o ratinho.
     — Nada? — tornou o garçon — Não tem apetite?
     — Apetite? Que apetite? — rosnou o ratinho enraivecido — Deixa de ser idiota, seu idiota! Então você acha que se ele estivesse com fome eu ia andar ao lado dele?

MORAL: É NECESSÁRIO MANTER A LÓGICA MESMO NA FANTASIA.


Millôr Fernandes, ou Emmanuel Vão Gôgo, nosso grande humorista, pensador, chargista, tradutor, escritor, teatrólogo, jornalista, pintor, é figura indispensável quando se fala de inteligência nacional.

Texto extraído do livro “Fábulas fabulosas”, José Álvaro, Editor — Rio de Janeiro, 1964, pág. 89.


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