“A legenda de São Julião”, escrito em um
momento de crise de Flaubert e, em suas próprias palavras, “para ver se ainda
era capaz de fazer uma frase”, foi também uma ocasião de mergulhar no mundo
medieval e se distanciar um pouco de uma atualidade desesperadora.
O conto narra a história de um filho de um
dono de castelo, Julião, que recebera a melhor das educações e se afeiçoara às
artes da caça e que, em uma ocasião, ao dizimar um bando de cervos ouviu o
chefe deles gritar-lhe que um dia assassinaria os próprios pais. Para driblar a
profecia, Julião desaparece e vive uma vida de aventuras, servindo aos
principais soberanos europeus até que o imperador lhe oferece a filha como
esposa.
Os jovens esposos vivem felizes até que,
um dia, Julião torna a caçar animais selvagens. Nesse mesmo dia seus pais chegam
e são instalados por sua esposa em sua cama. Na escuridão, ao ver um casal no
leito, julga que sua mulher está com um amante e mata seus pais. Só percebe a
tragédia ao sair e encontrar a esposa que lhe conta da chegada de seu pai e sua
mãe.
Julião abandona o castelo e se estabelece à
margem de um rio, onde ajuda as pessoas a atravessar a correnteza até que, um
dia, recebe um leproso, a quem cuida e que não é outro senão Jesus que o leva
ao céu.
Flaubert, que se inspirou na história
representada nos vitrais da catedral de Rouen e em uma série de fontes
livrescas, entre elas a Legenda áurea,
publicada no ano passado pela Companhia das Letras, em tradução de Hilário
Franco Jr. Mas Flaubert modificou alguns elementos detalhes: assim, nas fontes
utilizadas o parricídio é descoberto pelo próprio Julião, enquanto que no conto
de Flaubert Julião sabe que matou seus pais pela boca de sua mulher, o que
torna a cena muito mais pungente.
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