SUGESTÃO DE LEITURA : A FESTA DO BODE - MARIO VARGAS LLOSA
A festa do bode conta histórias que tem como elo a ditadura de Rafael Leônidas Trujillo Molina, O Chefe, que governou a República Dominicana entre 1939 e 1961. O poder desse ditador era tamanho que durante seu governo, Santo Domingo, a capital do país, deixou de se chamar assim para chamar-se Ciudad Trujillo. Seus negócios iam desde os ramos legais até os ilegais, e seu clã era dono de uma farta fatia da economia do país, de modo que sua sombra pairava sobre os mais diversos aspectos da vida dominicana.
O terror que a figura dele impunha deixou indeléveis marcas na História e nas pessoas que a produzem. A situação da República Dominicana se assemelhava bastante a de outros países na América Latina, basta notar como nesse período (alguns anos antes ou depois) houve outros generais e ditadores no governo, tendo, às vezes, presidentes-fantoches como simulacro de democracia e de legalidade (Nicarágua, El Salvador, Guatemala, Chile, Argentina, Brasil etc.).
O livro é narrado a partir de três pontos de vista, o que deixa a história com um ritmo frenético de acontecimentos, pois vivencia-se três espaços diferentes e três tempos diferentes, facetas dos desdobramentos do trujillismo e o terror que ele impôs a população dominicana.
Um desses ponto de vista é de Urânia Cabral, filha de um político da época do trujillismo, que “caiu em desgraça” com o Chefe (Junot Díaz o chama de “El Jefe”) e é obrigado a passar por um purgatório pisando em ovos com o famigerado ditador. O diferencial é que a história se passa anos depois de o trujillismo ter acabado e o pai de Urânia estar inválido, ao passo que a filha vem a ele para descarregar toda a sua mágoa pelo que foi obrigada a passar, como que querendo livrar-se desse tormento que ainda a atormenta.
O outro ponto de vista é de um grupo de revoltosos que pretende matar o Bode (código para Trujillo), símbolo de uma festa comemorada pelos dominicanos; uma verdadeira Operação Valquíria na América Latina. O terror e o misticismo que envolvem a figura do ditador, como um verdadeiro ser de outro mundo, emissário do mal na Terra é mostrada pelos revoltosos, que, apesar de acreditarem que ao matarem Trujillo estariam fazendo um bem para o povo dominicano, discutem entre si as lendas que circundam a misteriosa e aterrorizante figura do Chefe.
O terceiro ponto de vista é de dentro da própria cúpula do governo trujillista, e une desde aspectos da política do ditador, seus mandos, desmandos e esquemas; até aspectos da tortura, policiamento, fiscalização, rusgas com a Igreja Católica etc. Nesse âmbito da história conhecemos desde o presidente Balaguer até o alto comando do exército e os capangas do governo, da economia à repressão.
Mario Vargas Llosa usa e abusa da narrativa e do ritmo instigante a medida que novos eventos, personagens e problemas vão sendo introduzidos na história. O autor junta personagens históricos com ficcionais, aliando a História à ficção e criando um romance com originalidade e que pretende mostrar facetas nada agradáveis das ditaduras na América Latina, tema, aliás, de muitas discussões até hoje em dia.
O clima de terror e incerteza que Llosa consegue criar para a República Dominicana de Trujillo, e a forma como ele traduz diferentes pontos de vista sobre os acontecimentos fazem de A festa do bode a tentativa de expurgo de um fantasma que rondou e aterrorizou a América Latina ao longo do século XX. O livro é a visitação de um temor passado cuja sombra ainda se faz sentir nos que por ele passaram.
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