DAVID GONÇALVES - BIOGRAFIA - OBRAS

DAVID GONÇALVES

David Gonçalves nasceu em Jandaia do Sul [Pr], em 10 de agosto de 1952. Escritor, pesquisador, consultor de empresas, dedica-se a ministrar cursos e a proferir palestras sobre vendas, marketing, gerenciamento, liderança, motivação e literatura em todo o Brasil. É autor de mais de vinte obras, entre elas O sol dos trópicos [romance] e A mágica do pensamento construtivo[comunicação, liderança, motivação]. Premiado nacional, seus trabalhos são diretos, de fácil entendimento, com exemplos práticos. Consultor de empresas com sólida experiência, promove o crescimento e o desenvolvimento das pessoas e de organizações. Suas obras técnicas e literárias são amplamente lidas nas empresas e nas escolas e diversas teses já foram escritas sobre elas. Dedica-se à literatura desde os quinze anos, quando escreveu o seu primeiro conto intitulado "O pote de ouro", que nunca foi publicado. Dos dezesseis aos dezoito anos, escreveu o primeiro romance "Bagaços de gente", um calhamaço com 250 laudas datilografadas, que também nunca foi publicado. Aos vinte anos, escreve e publica o romance As flores que o chapadão não deu [1972]. David Gonçalves gosta de viver de maneira simples, aprecia a cultura brasileira, e nunca cansou de maravilhar-se pelas belezas da vida.

Atualmente o autor está se dedicando a um romance épico sobre a Amazônia. 

Obras Literárias

Geração viva, contos, 6ª edição.


Adorável Margarida e outras histórias de bichos, contos, 1ª edição.

Até sangrar, contos, 1ª edição.

O homem que só tinha segunda-feira, contos, 2ª edição.

O campeão, romance, 3ª edição.

Terra braba, romance, 13ª edição.

Águas de outono, romance, 3ª edição.

As flores que o chapadão não deu, romance, 7ª edição.

O rei da estrada, romance, 3ª edição.

Os caçadores de aranhas, romance, 3ª edição.

Paixão cega, romance, 3ª edição.

O sol dos trópicos, romance, 3ª edição.

Pó e sombra, romance, 2ª edição.

O assassino da rua 1500, contos, 3ª edição.

Acima do Chão, romance, 3ª edição.

Contos escolhidos, contos, 1ª edição.

A princesa e o anjo negro, contos, 1ª edição.

Fábulas de Sucesso, Contos, 2ª edição.



Obras Infantojuvenis

Adorável Margarida, conto.

A vaca no quarto andar, conto.

A mulher barbada, conto.

Por seus olhos, conto.

Sapatos de capim, conto.




Obras Técnicas

Varejo – os primeiros passos para o sucesso, Sebrae-Fpolis, terceira edição.

Serviços – os primeiros passos para o sucesso. Sebrae-Fpolis, segunda edição.

Indústria – os primeiros passos para o sucesso. Sebrae-Fpolis, segunda edição.

Marketing pessoal: a essência do sucesso. Sucesso Pocket, terceira edição.

A mágica do pensamento construtivo. Sucesso Pocket, terceira edição.

Motivação: sem mágica, sem mistérios. Sucesso Pocket, segunda edição.

Vendas & marketing – como criar e manter Clientes. São Paulo, Rumo, terceira edição (esgotada).


O segredo da delegação eficaz. Hdv, edição esgotada.


MAIS INFORMAÇÕES,CONSULTE O SITE: www.david.goncalves.com.br


Um trabalhador braçal da literatura

Germano Jacobs



Nem bem o galo termina a serenata matinal, David Gonçalves já está com a mente em ponto de bala. Hábito enraizado desde seus tempos de menino no campo em Jandaia do Sul, Paraná, o escritor inicia nas primeiras horas da manhã o prazeroso e muitas vezes doloroso processo de criação. Antes escrevia com esferográfica num desses cadernos escolares de infindáveis páginas. Hoje, com a tecnologia disponível, rendeu-se ao computador portátil, que o acompanha em todos os lugares. Se a ideia pinta, é imediatamente anotada, para ser desenvolvida na ocasião própria.


David Gonçalves, na verdade, é um trabalhador braçal da literatura. As palavras são semente plantadas no papel, terra virgem deflorada e que gerará frutos apreciados pelo leitor. Agricultor-escritor que firmou um pacto com os deserdados da fortuna, os marginalizados, que não perdem, apesar de tudo, a dignidade. Nesse sentido, David Gonçalves imprime sua narrativa, e não tem contemplação com os poderosos que, por exemplo, sugam a alma dos boias frias. São personagens que invariavelmente habitam sua ficção e a cidade de Quadrínculo, cenário em que se desenrolam os dramas e as paixões humanas.

Com vários livros de contos e romances publicados, David Gonçalves continua, com entusiasmo juvenil, sua labuta. Para refrescar as idéias, como ele mesmo revela, não dispensa a dupla Tonico e Tinoco, que deixou para a posteridade memoráveis gravações. O escritor é um estudioso da música sertaneja e com ela se emociona, pela sua simplicidade e entendimento das carências de um povo sofrido.

A literatura de David Gonçalves é profunda, rebelde, que não se conforma com as injustiças. A sua pena não paira ao vento sem sentido. A sua pena é lâmina de aço que rasga o peito e atinge em cheio a sensibilidade do leitor. A sua literatura é feita para perdurar, para não se perder na terra estéril.
( A NOTÍCIA - ANEXO )


OPINIÕES, CRÍTICAS, LEITORES

  “A sua linguagem é verdadeiramente popular, mas um popular trabalhado para ser popular, pois o autor sabe extrair da literatura oral as forças vivas de suas narrativas, todas elas comprometidas com os destinos sociais do homem brasileiro.”
            “No panorama da literatura brasileira, a obra de David Gonçalves, inteiramente voltada para a ficção, ocupa lugar especial e de relevo; é uma das mais importantes da atual ficção, estando no mesmo nível de autores consagrados.”
Gilberto Mendonça Teles
Poeta, Ensaísta, Prof. Titular de Literatura
Brasileira – PUC – Rio
horizontal rule
            “... uma obra densa e profundamente enraizada na vivência simples e sofrida de pequenos agricultores e trabalhadores volantes, extraindo dela atributos universais do homem: a angústia, o desejo de poder, a revolta ante o absurdo da existência, a perplexidade ante a morte.”
Miguel Sanches Neto
Ensaísta, Escritor, in “Nicolau”, vol. 33
horizontal rule
            “O sol dos trópicos é romance duro, trágico, intransigente mas vigoroso, não faz concessões fáceis, não incorre em arranjos de felizes coincidências, não cria nem estimula situações de otimismo sem consistência; mas aperta o cerco por todos os lados, desilude, deprime, frustra, massacra a condição humana, mas impressiona com seu realismo, sua imparcialidade em visualizar todos os lados das questões.”

Lauro Junkes
Ensaísta, Professor de Literatura e
Presidente da Academia Catarinense de Letras
horizontal rule
            “Ele é vanguarda, assume formas novas, modifica os comportamentos e exige transmigração de valores: para entendê-lo é preciso, antes de tudo, pôr-se dentro do Brasil, entender e pensar as mutações estruturais da sociedade.”

Vicente Ataíde
Ensaísta, professor de Literatura e Editor,
In “Atualizações das formas simples”
horizontal rule
            “Sua obra, refugiada em uma aparência simples e despretensiosa, à medida que a fruímos, vai-nos revelando uma narrativa profunda, consistente, carregada de denúncias e de procedências; descortina-se, pois a obra densa que se mostra denunciadora.”

Denise Demétrio Kowalski,
Professora de Literatura, Curitiba-Pr,
Autora de tese sobre o autor.
horizontal rule

“Posso dizer que este conto –“Apocalipse segundo Quadrínculo” – é a flor que brotou no chapadão árido do autor. Muito feliz na construção, na linguagem e, sobretudo na fixação do evento que leva a um final que se começa a adivinhar nos últimos parágrafos, uma vez que a situação daquela massa de personagens, os boias-frias, só pode conduzir a um funesto desfecho.”

Glauco Rodrigues Corrêa,
Professor de Literatura e Escritor, in
Jornal de Santa Catarina.
horizontal rule

“O realismo dos contos de David Gonçalves, muitas vezes, choca o leitor; mas se vivemos em uma sociedade em que o absurdo se transforma em ato corriqueiro e cotidiano, só a verdade crua e nua pode tocar as pessoas e fazê-las pensarem o mundo e a si mesmas no tempo e no espaço da história.”

José Fernandes,
Doutor em Letras, Escritor e Ensaísta,
Goiânia-Go.
horizontal rule

“Igualmente história de emoção e de violência, porém de recorte mais popular, vale dizer, realçando mais o entrecho, o andamento da narrativa em si. Centrado na vida e nos costumes dos caminhoneiros, desenvolve-se com bastante ação e muita habilidade de narrar, qualidades que já percebera em livro anterior, Acima do chão, (Rumo Editora, São Paulo, 1992). Neste O rei da estrada, Gonçalves volta a exercitar sua habilidade narrativa, condição básica para quem deseja escrever um romance. Muito bom.”
Fernado Py,
Ensaísta e escritor, in Tribuna de Petrópolis—Rio.

“E entre a denúncia do mundo que o transformou nas flores que o chapadão não deu e a exaltação do direito de peso da sua culpa/cor, atravessa o rio da memória cujas águas, ora mansas, ora tumultuosas, o levam ao chapadão sem flores como a sua alma, para começar uma nova história.” 
Maria Gabriela Costa – Alagoas
Ensaísta e Professora de Literatura,
Autora de tese de mestrado sobre o autor.
horizontal rule

“O que me interessou sobremaneira em Varandão de luar (primeiro livro de contos do autor, editado em mimeógrafo, ainda quando estudante universitário) de David Gonçalves foi um discurso narrativo em que, tanto ao nível formal como no nível temático, os elementos de teor realístico-regionalista se fundam inextricavelmente com elementos míticos-fantásticos. Fielmente receptiva embora à verossimilhança e ao pitoresco dos tipos humanos, do linguajar e dos costumes da comunidade rural norte-paranaense, a voz do narrador não se afaga nunca numa função meramente anovadora, quer no plano descritivo, quer no plano narrativo, daquele microcosmo telúrico e social: pelo contrário, a sua indissimulada presença lírica constitui um dos grandes sortilégios destes textos.” 
Vitor Manuel de Aguiar e Silva – Coimbra,
Ensaísta, Professor de Literatura.



ESTUDO CRÍTICO
 A Problemática do Mal em O Sol dos Trópicos de David Gonçalves: uma abordagem ética e filosófica .¹Maria Suely de Oliveira Lopes²
                      O objetivo deste estudo é de refletir sobre o mal na narrativa simbólica O Sol dos trópicos de David Gonçalves numa perspectiva filosófica e ética. Para sustentação teórica utilizaremos o pensamento de Paul Ricoeur , um dos mais distintos filósofos do seu tempo e um dos maiores e mais brilhantes pensadores da segunda metade do séc. XX. O seu pensamento antropológico e ético é construído a partir de uma ontologia e estrutura-se em torno da problemática do mal que se acha sempre desafiante para o pensamento filosófico.
Palavras-chave: Hermenêutica. Epistemologia. Ética. Mal. 
                   A obra O Sol nos Trópicos (2010) de David Gonçalves relata a história de um padre que vivência um grande conflito moral. Seus desejos carnais, suas angústias, aventuras e dilaceramentos morais a que disto decorrem além de seu não bom relacionamento com o seu superior o Bispo, permeiam o espaço de sua narrativa, aparentemente simples pela linguagem, ressignificada através de semas que recorrem às questões sociais dos Bóias Frias em primeiro momento , mas  o fator diferencial entre as semelhanças dos fatos narrados que de fato se destaca é o drama existencial de um homem que se sente encurralado pelo mal,dado importante na obra,que norteia toda a trama e que constitui o núcleo em volta do qual se vai  esboçar a sua antropologia.
                   Com efeito, só é possível fazer uma abordagem do projeto antropológico e ético através da integração do problema do mal e do conflito entre voluntário e involuntário. A questão do mal consiste ser um desafio para o pensamento filosófico. Desafio, na medida em que tal questão permite ultrapassar a simples lógica da racionalidade por meio da inserção de diversos níveis de discurso, incluindo aqueles que, habitualmente, são considerados, em princípio, como não racionais. Além disso, como sugere Ricoeur que o problema do mal é uma questão sempre em aberto pela sua insolubilidade pela 
________________
1-Trabalho apresentado à Disciplina Poética do Imaginário ministrado pelo Profº Doutor Sebastien Joachin.
2-Aluna Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Letras pela UFPE
via meramente racional. Dessa forma, há múltiplas respostas relativas à problemática do mal, que remetem sempre para a estrutura básica da realidade humana
 Na obra em estudo, de forma efetiva, o homem apresenta-se nas suas variadas relações com o mundo, consigo mesmo e com os outros. Isto constitui o centro de toda a reflexão. E nessa relação se depara com o conhecimento global que o ser humano possa ter de si mesmo é o fundamento da compreensão dos diferentes planos da ação humana e, ao mesmo tempo, conduz-nos à problemática de saber em que medida essa ação pode ser livre e responsável.
                   A questão apontada acima é sem dúvida a principal preocupação de Ricoeur como aponta Pellauer(?). Por isso, a sua reflexão é um esforço permanente para abarcar as várias dimensões do ser humano na sua totalidade, sem nunca perder de vista a perspectiva concreta: a sua inserção nas circunstâncias da vida e, e a não realização do seu ser à margem das condições históricas e culturais. O percurso do pensamento de Ricoeur é, pois, um esforço permanente para introduzir no âmbito do pensamento todos os aspectos que possam contribuir para a compreensão global do ser humano, enquanto ser problemático, em confronto consigo mesmo, com a existência e com a transcendência.
                  Em O Sol dos Trópicos, acerca do que defende Ricoeur ,o que se observa é a temática do mal que se insere de forma a dilacerar o ser humano.À propósito citamos o personagem Padre Deuteronômio  que passa a viver um dilema existencial pelo fato de ter engravidado uma jovem moça de nome Eleonora,de ter sugerido o aborto a referida jovem e de ter cometido um assassinato.Seu drama assemelha-se ao do personagem Amaro da Obra O Crime de Padre Amaro de Eça de Queiroz. Pois o ponto convergente entre uma e outra é a presença do mal com algo destruidor da natureza humana. De acordo com Deleuze (2006), o mal é apontado nessa relação como sendo a repetição compexa difrentemente da pura, ainda que os dois conceitos tendam a reunir-se e a confundir-se. A diferença, conforme o pensamento de Deleuze (2006,p.10) à divergência e ao descentramento perpétuos da diferença correspondem rigorosamente um deslocamento e um disfarce na repetição.   O conceito de repetição tal que as repetições físicas, mecânicas ou nuas (repetição do mesmo) encontrariam sua razão nas estruturas mais profundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um diferencial.
            Inserimos nessa análise a experiência do voluntário e involuntário. O voluntário e o involuntário na opinião o Ricoeur são entendidos na interpretação de Pellauer (?) como recíprocos por que de outro modo nenhum nem o outro fenômeno é realmente inteligível. Só compreendemos a natureza humana mediante ambos, do contrário não teríamos um conhecimento formulado dos seres em geral. A obra em destaque coloca Deuteronômio nessa encruzilhada.Seus atos podem ser enquadrados nessa lógica filosófica da reciprocidade.Nenhuma falha sua fora cometida voluntariamente.Pois para isso deveríamos considerar essa categoria isoladamente;mas o que afirmamos aqui,é que o mal acontece obedecendo essa lógica:o voluntário só pode revelar-se por meio do ou em relação ao involuntário.Vejamos o excerto  abaixo:
‘’É agora ou nunca!’’_disseram os diabinhos. ‘’E agora!”_repeti. Voei em cima do frei com a faca brilhosa de matar cabritos. Furei várias vezes para pelas costas. Ele saiu caminhando frouxo, o sangue esguichando vermelho, borrado o chão da sacristia. (GONÇALVES,2010,p.245)
                 Como podemos observar Deuteronômio não tem conhecimento direto ou imediato de si mesmo. Foi impulsionado a matar o Frei Paterno. De acordo com Pillaueur interpretando Ricoeur’’conhecemos a nós mesmos apenas indiretamente, em termos do mundo objetivo e de nossas ações nele’’   (  ?  ).Dessa forma destacamos o mal provocado com algo que já está inscrito no  pensamento da natureza humana, ainda que não tenhamos a plena consciência desse conhecimento que nos assedia. Deuteronômio comete falhas porque já faz parte de sua condição humana e se deixa seduzir pelo mal (pensa ele) em detrimento de sua culpa. O mal já reina anteriormente ao homem.Ricoeur (Conflito das Interpretações) nos diz que entramos no mundo da inculpação racional, a do juiz e a da consciência inescrupulosa.
               Na obra O Sol dos Trópicos questionamos a todo instante uma filosofia do sujeito, utlizando-se como suporte epistemológico sobretudo a Filosofia da Vontade. Todavia, o problema do mistério escapa às exposições husserlianas, porque todas as problemáticas por ele abordadas se desenvolvem de forma puramente ininteligível. Neste sentido, a fenomenologia de Ricoeur, utilizada na Filosofia da Vontade, não pode ser caracterizada como uma fenomenologia pura, no sentido de Husserl, mas como uma fenomenologia da existência. É nessa perspectiva que a questão do mal se insere na obra em estudo. Deuteronômio representa a própria tragicidade da existência humana. O mal o obrigou a encontrar outros modos de relação que se igualassem a sua culpa  exigindo um compromisso com a ação efetiva. Destacamos o trecho abaixo que mostra Deuteronômio refletindo sobre a vida e sobre seus atos: 
    Não passa de um trapo velho usado para limpar o mundo. Por que a vida não lhe abandona e acaba de vez com aquela farsa? Por que não o empurram para sempre à fogueira pra crepitar?(...) Venham todos. Aproveitem a carne é fresca. Já estou morto, furem os meus olhos, arranquem as minhas tripas, dividam o meu corpo. Venham! (GONÇALVES, 2010, p.293)  
                    É interessante lembrar que projeto antropológico de Ricoeur começa com a Filosofia da Vontade.  A finalidade é, com efeito, a análise e descrição da ação voluntária em si mesma obedecendo a uma exigência de clareza racional de modo a que as estruturas do voluntário e do involuntário possam surgir em toda a sua pureza nos três momentos da volição: decisão, ação e consentimento.
                 O que Ricoeur defende não se trata, então, de descrever o ser humano na sua existencialidade, mas apenas de fazer emergir as possibilidades estruturais da vontade que estão na base de toda a ação e de toda a faticidade, mostrando, ao mesmo tempo, a relação dialética entre elas. De fato, na base das análises eidéticas da reciprocidade entre o voluntário e o involuntário existe uma dialética da atividade e da passividade, de afirmação e de negação e consequentemente da culpa e da confissão que os dinamiza. No caso especifico de O Sol dos Trópicos , o fato de Deuteronômio praticar o mal poderia muito bem ser um simples acidente da vontade. Neste ponto do seu percurso, Ricoeur põe em marcha uma nova proposta, reclamada, aliás, pela presença deste ‘corpo estranho’ na eidética do homem; mas também pelo fato de que a culpa não se manifesta por uma linguagem direta – como acontece no caso dos aspectos revelados pela eidética -, mas através de uma linguagem indireta, metafórica ou simbólica. Por isso, não é possível uma fenomenologia direta da problemática do mal; pelo contrário, esta última exige uma descrição empírica dos indícios do mal e uma hermenêutica da linguagem simbólica através da qual se pode esclarecer o percurso que vai da inocência à culpa.
O certo é que na obra O Sol dos Trópicos o mal é cometido, mas também é sofrido, sentido. Ainda que o ser humano não esteja na origem do mal, a verdade é que é quem o pratica; o mal se manifesta nos seus atos existenciais e, por isso mesmo, o mal é obra da sua liberdade; confessá-lo implica assumir-se como sujeito ou como objeto do mal; sendo assim, a confissão do mal é um pressuposto fundamental da consciência da liberdade. O espaço de manifestação do mal só aparece quando o reconhecemos, quando o aceitamos por decisão deliberada. Considerar o mal do ponto de vista do mal cometido e da sua confissão significa, pois, declarar a liberdade e responsabilidade humanas e, ao mesmo tempo, reconhecer que está nas mãos do homem a possibilidade de evitá-lo. Ricoeur afirma a este propósito:
             Afirmar a liberdade é assumir em si a origem do mal. Com esta proposição estabeleço um laço tão estreito entre mal e liberdade que estes dois termos se implicam mutuamente; o mal tem o significado de mal porque é a obra de uma liberdade.http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/tavares01.pdf 
                  A decisão de compreender o mal através do homem e sua liberdade é em si mesmo um movimento livre de um ser que toma o mal sobre si. Do mesmo modo essa decisão consiste ser a declaração de uma liberdade que reconhece sua responsabilidade, que confessa considerar o mal como mal cometido, e que confessar estar em suas mãos à possibilidade de não fazê-lo. Logo, a liberdade não é fonte originária do mal.
               Portanto, a mal sempre afeta existência humana, seja o ser humano tomado ou como objeto e, por isso mesmo, deve haver um meio através do qual se possa exprimir o mal cometido ou sofrido. Na interpretação de Ricoeur é a confissão, que, através de uma linguagem simbólica, – por vezes ocultadora e outras desveladora – passa a ser o meio pelo qual a vontade exprime o pecado, a culpabilidade e o sofrimento. Sem a confissão, as emoções permaneceriam encerradas no interior do homem, impedindo a tomada de consciência de si. É o que ocorre na obra em questão, pois o personagem principal é tomado por um profundo arrependimento, após ter cometidos atos impuros; ele se julga culpado vivenciando uma espécie de martírio podendo ser entendido como uma simbólica da catarse. Pela confissão o homem é palavra até na experiência de seu absurdo, do seu sofrimento, do seu desespero.
                 Outro aspecto relevante a essa temática do mal na obra questionada e o ato de decidir e o movimento voluntário. O que os separa não é um intervalo temporal, mas conceitual (Pellauer:Compreender Ricoeur,?).O que decidimos não deixa de ser um projeto,embora tal projeto precise ser colocado á prova de ser efetivamente executado ou saber se pode sê-lo. Nesse sentido decidir é uma capacidade que desempenha papel preponderante pelas personagens de O Sol dos Trópicos, tanto da parte de Deuteronômio em relação às suas falhas, quanto da parte de Eleonora, quando tem que decidir se comete o aborto ou não. Vejamos o fragmento abaixo: 
‘’Querida Eleonora: Tudo entre nós está acabado. Resolvi seguir o meu destino. Serei sem dúvida,  um padre.Me esqueça.Apague o que aconteceu entre nós.Só me dedicarei a Deus e a mais ninguém.Tudo está acabado.Escolhi o meu destino.Vou cumpri-lo.Fiz o possível para não cair em tentação .Mas cai.Agora estou buscando o meu perdão.Não o culpo.Fui fraco.Não resisti e cai em pecados.Acredito em Deus e tenho certeza que tudo terminará bem.Logo você me esquecerá.Há muitos jovens.O amor reina em todos os corações.Tão logo esqueça de mim,apaixonar-se á por outro e a felicidade reinará em seu coração aflito.(...)Quero guardá-la como uma doce lembrança.Os dias que passamos juntos foram os mais felizes .Até hoje, pelo menos. E não acredito que terei outros. Perdoe-me. Sigo o meu caminho. Seu e para sempre, Deuteronômio. P.S._Sugiro que faça o aborto, caso esteja grávida. Assim não haverá nenhuma vergonha futura’’. (GONÇALVES, 2010, p.194)  
                 Logo, pelo que foi exposto acima, o que torna voluntária uma ação e caracteriza qualquer decisão é que, conforme Ricoeur (  ) ela inclui uma intenção que poderia ser dita .O que está em jogo é que o projeto pode não ser levado  a efeito.Assim uma decisão pode ser entendida tanto como um pensamento (do que está por ser feito) quanto um julgamento (de fazê-lo).Portanto , uma decisão é como um acontecimento, no sentido de que se resume em tomar uma posição,que é, na verdade, um ato pessoal.Lembramos aqui o caso específico de Eleonora que resolve ter o filho, mas acabará cometendo  o suicídio. De outra forma, a decisão projeta um futuro, pois se caracteriza por certa expectativa. Não tanto do ainda por vir quanto o futuro perfeito, do que terá acontecido. Dessa forma, o futuro é uma condição da ação, ainda que  nossa tentativa de descrever o voluntário corte-o em fatias  de momentos atemporais diversos.
                   Tudo isso nos leva a crer que uma decisão é uma capacidade. A nossa experiência vivida mais básica, se resume no argumento do que ‘’ eu posso’’. Essa maneira de falar conecta um aspecto reflexivo em toda decisão, como ‘’ eu me resolvo a fazer algo’’. Essa fenomenologia da decisão  remete a questão da motivação que é outro ponto que se discute na obra O Sol dos Trópicos.
                   Sobre a motivação, não há decisões sem motivos. A questão óbvia é se os motivos são causas que podem ser conhecidas  e entendidas antes dos efeitos. Mas o mesmo não vale para os motivos. De outra forma, os motivos só são compreendidos e fazem sentidos em relação a uma decisão. Não podemos nem começar a falar de um motivo separado de uma de uma decisão e qualquer decisão torna possíveis sobre os motivos possíveis. Aqui a relação é recíproca. Como diz Ricoeur(?) um motivo ‘’ determina a vontade somente enquanto a vontade  determina a si mesma.Logo os motivos operam mais no nível do sentido que das causas naturais. Eles fornecem a base para as decisões, uma maneira de justificá-las, de legitimá-las.
                  Um outro aspecto da fenomenologia dos motivos envolve a sua relação de valores.Como Diz Pellauer:
Há  um sentido implícito de avaliação em todo o motivo.Uma conclusão que Ricoeur ira aqui é que os valores  se nos afiguram primeiro como possíveis motivos para as decisões. O que sugere que há  sempre uma dimensão ética implícita  na ação humana ou a limitá-la.( ?)
                    Nesse contexto, há sempre um momento receptivo em toda ação voluntária, algo que muitas vezes exprimimos por metáforas: para o qual nos voltamos, nos abrimos  ou fechamos, a que aderimos ou que adotamos.
                  Em suma, a fenomenologia da vontade mostra-nos que não se pode compreender o voluntário sem o involuntário na medida em que este está na base daquele, seja como poder constituído, seja como limite necessário a ação.  A fenomenologia existencial chama atenção para a reciprocidade para a teoria do voluntário e involuntário.
                  Se é verdadeiro que, por um lado, o homem falível nos mostra a desproporção que está na base do ser humano, ao fundamentar a possibilidade  do mal, permanece, a este nível, sérias dúvidas sobre o salto efetivo,fático em direção ao mal. O enigma da culpa reside   no abismo que  se estabelece entre a possibilidade do mal e a sua realidade efetiva.
                O certo é que na obra em análise O Sol dos Trópicos  finitude e  culpabilidade vão abordar a  situação paradoxal do ser humano,situado entre o mal que ele mesmo introduz no mundo, e o mal com já existente antes.
               Nessa abordagem o problema do mal passa a residir entre um campo ético ( o mal com uma realidade que é possível em função do ser humano e que,por isso, aponta para a sua responsabilidade) e um campo trágico( o mal como algo ‘’já aí’’,previamente dado,inevitável). Este último campo implica a ausência de responsabilidade humana, no que diz respeito a sua origem,mas não a sua culpa.
                O mal está aí como um desafio para a humanidade. E neste sentido é impossível eliminá-lo. Ele é constitutivo do ser humano no mundo e na história. O que fica dito diante da leitura que fizemos da obra O Sol dos Trópicos é que viajamos no mundo da interpretação e do sentido buscando justificar a lógica da simbólica do mal no agir humano.                
                                                      
    Referências bibliográficas 
O Conflito das Interpretações. Trad. M.F.Sá Correia. Porto-Portugal:Editora Rés,1988 
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Tradução d Luis Orlandi,Roberto Machado.-Rio de Janeiro.:Graal,1988,1ª Edição,2ª edição, 2006.
GONÇALVES, David. O Sol dos Trópicos. Joinville, Sucesso Pocket,2010.
PELLAUER, David.Compreender Ricoeur.Editora vozes.(incompleta)
Tavares, M. (2006). Fundamentos metodológicos do pensamento antropológico e ético de Paul Ricoeur: o problema do mal. Memorandum, 10,136-146Retiradoem22/o5/2010, do World Wide Webhttp://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/tavares01.pdf 136

O sol dos trópicos, um romance singular - José Fernandes
             A arte se compõe de segredos que a própria arte desconhece. Basta que apareça um artista capaz de transformar pedra em seres simbólicos; tinta, em imagens que falam aos olhos de quem as contempla; história, em discurso, linguagem, revelação do humano do homem, como se pronunciasse de novo o faça-se inicial, para que ela encante pelo mistério e pela magia da palavra. O sol dos trópicos, do jandaio-joinvilense David Gonçalves, em sua terceira edição, é um exemplo de depuração da linguagem, de elaboração da estrutura narrativa, de trabalho insano em busca da perfeição formal, de composição de uma trama em que se engastam personagens de várias estaturas sociais.
            Se no início do século XX houve romances marcantes, em que a questão social, notadamente do nordeste, fora explorada pela ficção e pela história, segundo os princípios positivistas defendidos por Taine, como o vemos, sobretudo, em Os sertões, no modernismo, o social vai ser a pedra de toque sobre que muitos romancistas erigirão suas obras, como se vê em Vidas secas, em que o ficcionista abandona a visão do parapeito da fazenda, observada em Lins do Rego, e coloca os olhos das personagens a partir do terreiro, da perspectiva de quem sofre na pele os desníveis da sociedade. Se estes romances marcaram uma nova fase na ficção brasileira, com O sol dos trópicos, notadamente nesta edição, David Gonçalves fecha o século com uma narrativa múltipla em que a maioria dos problemas sociais é abordada sob a ótica da simplicidade, como o fizeram Graciliano Ramos, Bernardo Élis e Lúcio Cardoso, em Maleita.
            A diferença entre a obra de David e as produzidas na primeira metade do século XX reside na multiplicidade da trama envolvente, uma vez que consegue em uma única narrativa abarcar quase todas as dimensões do social e até do metafísico. As grandes perguntas a respeito da vida nacional, cada dia mais deprimente, são colocadas com especial ironia, a ponto de o romance se tornar singular e múltiplo. Singular, exatamente por constituir, ao contrário do que faziam os ficcionistas anteriores, uma imensa alegoria, uma imensa sátira à cultura da safadeza e à incultura nacional. A corrupção política¾ mal execrável da brasilidade, todos os dias escancarada em todos os poderes ¾ é caricaturada de forma alegórica, porque miscigenada pela demagogia, pela mentira e pela desfaçatez do deputado, metonímia do sistema.
            A trama, sabiamente arquitetada entre política e sem-terras, repete jargões utilizados pelo poder, a fim de descaracterizar esta ferida social e fugir às soluções que a situação requer. Atribuir-lhes a pecha de “comunistas” encobre ideologias que transitam entre sistema político-econômico e sem-terras, à medida que ambos se valem dela como proteção, com objetivos diversos: preservar o bem, para uns, e adquiri-lo através de uma espécie de direito natural, para outros.
            Aliada à ideologia dos “oprimidos”, o narrador cria personagens e ações representativas da cultura brasileira, materializada na música de raiz, música caipira, a fim de defendê-la das investidas da mídia e da cultura importada, responsáveis pela extinção do sentimento do povo. Sentimento substantivado na simplicidade e, sob certo sentido, na inocência, visualizadas na tentativa de traduzir as letras para o inglês. A figura inconfundível do professor manietado a outra cultura simboliza bem a capacidade de o brasileiro “singe” – macaco –, de Mário de Andrade, valorizar o que vem da “estranja” em detrimento do que se produz e se pratica em todos os níveis artísticos representativos da brasilidade.
            O nó da narrativa se avulta na figura do Padre Deuteronômio, personagem que se situa entre duas fronteiras distintas: a social, física, e a metafísica, teosófica, à medida que ele vive todos os problemas da sociedade de Quadrínculo, como o sequestro e o assalto ao banco, e os próprios limites, tanto na voz do narrador, quanto nos monólogos interiores, em que se transforma em linguagem e se revela sublime e humano, superior e inferior, capaz de resolver os problemas dos paroquianos; mas refém da condição humana.
            Sem dúvida, O sol dos trópicos é um romance-síntese de todas as verdades sociais do final do século passado e de técnicas narrativas materializadas em uma trama em que se cruzam fios de todas as espessuras e nós górdios que fazem dele uma obra singular que merece ser conhecida, pelo menos, por intelectuais e, principalmente, por professores que tem obrigação de conhecer a literatura nacional por inteiro. Sem dúvida, o melhor romance da travessia e da passagem para o século XXI, insulado ainda no sul do Brasil, porque vivemos um tempo em que a crítica literária preguiçosa e os professores amarrados às linhas de pesquisa só se dedicam a autores canônicos, sem se abrirem para o novo, afogando-se no estreito de Helesponto. Adjuva nos, Domine!            







0 comentários:

Postar um comentário