Por Ana Lucia Santana
Albert Camus, futuro escritor e filósofo francês, nasceu na cidade de Mondovi, na Argélia, neste momento colônia da França, no dia 7 de novembro de 1913. Três elementos fundamentais de sua terra natal marcariam definitivamente sua obra – a guerra, a fome e a pobreza -, bem como a inclemência solar.
Seu pai era francês; a mãe, descendente de espanhóis. Sua família era pobre e logo cedo foi visitada pelo fantasma da morte, que levou seu genitor em 1914, durante árdua batalha na Primeira Guerra Mundial. Sem opções, sua mãe teve que se transferir para a capital argelina, Argel, hospedando-se na casa da avó materna de Camus. Nesta localidade, anos depois, o processo de independência da Argélia provocaria o extermínio de inúmeros árabes.
Ele cresceu em meio à Natureza, o que propiciaria à sua infância pobre uma dose de felicidade, a qual também influencia sua obra, principalmente o livro Avesso e o Direito. Ele residia com o irmão, a mãe, a avó e um tio que exercia o ofício de tanoeiro – aquele que conserta pipas, tonéis, entre outros. Camus pretendia seguir este caminho, mas um professor, M. Germain, o incentiva a seguir os estudos secundários, o que deixou o jovem em um dilema crucial – continuar a estudar ou trabalhar para sustentar a família. Durante sua jornada intelectual ele se viu constantemente ameaçado pelo fantasma das dificuldades monetárias, mas outro mestre, Jean Grenier o ajudou a prosseguir, até alcançar a graduação em filosofia na Universidade da Argélia. Albert finalmente defende sua tese de doutorado, discorrendo sobre Santo Agostinho.
Em 1930, prestes a assumir a carreira de professor, outra provação, uma séria crise de tuberculose, o distancia da profissão e também do esporte pelo qual ele era apaixonado, o futebol – ele era goleiro da seleção da Universidade. Sua viagem ao Brasil, em 1949, comprova seu amor por esta modalidade esportiva, pois seu primeiro desejo ao desembarcar neste país foi assistir uma partida futebolística. Mas a tuberculose também permitiu que Camus não fosse obrigado a servir o Exército francês.
As presenças constantes da morte e do paradoxo na vida de Albert Camus marcam profundamente sua obra, tanto a filosófica quanto a literária. Seus escritos narram os absurdos de sua era, os choques e desordens que assolaram o tempo em que ele viveu. Ele e outros autores, como Kafka e Dostoievski, criaram o que se conhece como a estética do absurdo.
No ano de 1934 ele entra no Partido Comunista Francês e contrai matrimônio com Simone Hie, mas logo depois se divorcia. Um ano depois, ele cursa licenciatura em Filosofia e organiza o Teatro do Trabalho. Camus realiza uma tese sobre Plotino e ingressa no Partido do Povo da Argélia, passando a escrever para dois veículos socialistas. Ele trava conhecimento com Sartre, de quem se torna grande amigo. Nesta época, Camus ingressa na Resistência Francesa e lança o jornal clandestino Combat.
O filósofo tinha escrito uma crítica muito positiva sobre a obra O Estrangeiro, de Camus. Um livro os une, outro os separa. Em 1952, com a publicação de O Homem Revoltado, na qual ele renega o Comunismo, ocorre um sério desacordo público entre ambos. Ele se casa novamente, em 1940, com Francine Faure, e neste mesmo período ele trabalha no veículo Paris-Soir, transferindo-se para Bordeaux um ano depois, com toda a equipe da revista. O Estrangeiro e O Mito de Sísifo, seus dois principais romances, são publicados em 1942. Ele atuou igualmente no veículo semanal L’Express, de 1955 a 1956. Ele conquista, em 1957, o maior prêmio literário, o Prêmio Nobel de Literatura.
Camus morre em 1960, em razão de um acidente automobilístico. Na sua bagagem, paradoxalmente, estava o manuscrito de sua obra autobiográfica, O Primeiro Homem, da qual ele afirmara que deveria ficar inconclusa. Sua mãe morre igualmente neste mesmo ano. Ele seguia para Paris quando ocorreu o desastre, no carro da família Gallimard. Mais uma obra do absurdo – ele já tinha comprado o bilhete para viajar de trem com o poeta René Char, mas no último instante decidiu aceitar o convite dos amigos. Camus deixou dois gêmeos, Catherine e Jean.
Fontes
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u233.jhtm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Camus
O ABSURDO L’Etranger, sua primeira “narração” (tal como denominava seus relatos já que ele não os chama de “novelas”) nem sequer no francês há uma etimologia clássica que permita entender a partir do título o que nos quer propor em seu desenvolvimento. Menos ainda em castelhano, onde a maioria das edições vêm como O estrangeiro. A acepção correta é O estranho, que certamente dá sentido aos que Camus nos quer dizer. Tudo em O estranho está repleto de absurdo. Primeiro a personagem Mersault, que é assim, estranha, claro ao mundo que lhe tocou viver, às suas convenções; simplesmente viveu, sem questionar-se e evitando as grandes perguntas da existência. É um jovem funcionário de um escritório com uma vida rotineira que não é quebrada pela morte de sua mãe, nem pelo amor de sua amante, Maria . No entanto, agrada-lhe a boa vida e as mulheres. Por outro lado, afasta-se das normas que a sociedade lhe impõe sem importar se realmente têm uma base sólida além das aparências. Nesse aspecto o protagonista é estranho, mas não mais do que outros como Pied Noire e muitos jovens da época. A circunstância da morte de sua mãe, com a qual começa o relato, é da maior importância para o desenvolvimento e desenlace do juízo posterior. Desta maneira o crime também é um absurdo, tal como ele mesmo propõe no decorrer do julgamento: “é que fazia muito calor” e, claro, as circunstâncias do desentendimento com o árabe que mata são uma série de lampejos; e aqui vale a palavra que não faz mais que confundi-lo e exacerbar sua reação. Já dissemos o sol brutal que faz brotar a transpiração que cai como um véu sobre seus olhos, o ardor dos raios luminosos do mar, a areia que queimava a cinquenta graus e, o mais relevante, o reflexo da arma branca que o árabe tinha em sua mão. Tudo isso e o medo de ser atacado faz com que ele aperte o gatilho de seu revólver, quase por inércia. O juízo foi um absurdo. Desde o primeiro momento não existe nenhuma possibilidade de clemência e muito menos justiça para Mersault. Ele enfrenta juízes com princípios inquestionáveis e que jamais se questionarão sobre o valor dos mesmos. O juiz, o promotor e inclusive o advogado defensor, estão “aureolados” da mesma forma convencional, por isso este estranho que não reconhece estas formas e que, tudo indica carece de amor filial, segundo a visão do tribunal, tramam sua condena à morte; quem não tem razões para viver, não merece viver. Finalmente, e com isto se copia o pensamento de Camus e se entrelaça com O mito de Sísifo, inicialmente o protagonista é prisioneiro da rotina cotidiana, para depois conquistar a liberdade, recusando princípios autoritários da sociedade e seus juízes. E, encarando a morte inevitável pela condenação, escolhe finalmente a rebelião e decide fazer a única coisa que lhe resta: desfrutar o presente. O absurdo do ensaio O mito de Sísifo (Lhe Mythe de Sisyphe) é considerado um ponto de partida. Trata-se de uma sensibilidade, não de uma filosofia do absurdo. O autor diz isso em parte do prólogo: “aqui se encontrará unicamente a descrição, o estado puro de uma doença do espírito. Nenhuma metafísica, nenhuma crença foi misturada a isso por enquanto”. Sem lugar a dúvidas, O mito de Sísifo é a obra capital do absurdo, pelo menos no que se refere a ensaios. Assim como fez Sartre, ao publicar em 1943 o ensaio O ser e o nada, onde tenta exibir a tese da novela A náusea (1938), Camus publica o ensaio em que tenta resolver os problemas propostos em sua narração O estranho, ambos de 1942. Um dos aspectos relacionados por estudiosos a este ensaio de Camus, é o tema do suicídio, especialmente em sua primeira parte “Um raciocínio absurdo”. A resposta que Camus tenta diante deste problema, é um trabalho sobre o sentimento do absurdo, sua gênese, seu conteúdo. E desenvolve o conceito do tempo como inimigo para entender a ilogicidade do mundo e o espectro da morte como uma certeza. No entanto, todo este pessimismo tende a apagar-se com o mesmo final que dá a sua obra. Diz: “ devemos imaginar Sísifo feliz ”. E aqui surgem então dois conceitos fundamentais: a consciência e a esperança. Diante deste mundo complexo e incompreensível, diante da cotidianidade da vida, onde tudo acabará com a morte, surge a consciência. Camus diz isso muito bem: “pois tudo começa pela consciência e nada vale mais do que por ela”. O absurdo então não é a sociedade nem o homem, senão a interação entre ambos. “A consciência é um desejo louco de clareza”. Em relação à esperança, trata-se de encontrar outros caminhos; tudo tem um porquê, inclusive o que parece fora da razão. Finalmente, está a rebelião, a ilusão da liberdade (outra obsessão de Camus). Assim o homem se libera e voltamos ao conceito do presente. “O presente e a sucessão dos presentes…é o ideal absurdo”. A REBELDIA Vamos começar afirmando que A peste faz uma solidificação de uma moral baseada no conceito da solidariedade e do amor. Ele mesmo diz: “um lugar para o sofrimento dos inocentes”. Sua grande pergunta é: como reagir diante do mal sem cair em outra forma do mesmo mal?, opondo-lhe a justiça, o amor e a solidariedade humana. As personagens, seres reais que lutam com seus próprios conflitos. Aí está Rieux, o médico que proclama “a salvação do homem é algo muito grande para mim, só me interessa sua saúde”. Também Tarrou, definido como “alguém que quer ser santo sem acreditar em Deus”. Enfim, Rambert, Grand, o jesuíta Paneloux. Entendendo o autor, deveríamos concluir que a peste nunca acaba, só depende das circunstâncias e que o ser humano deixe de lutar contra o absurdo e abandone a rebeldia para que ela volte. Sigamos com a metáfora. Diante da peste, há três tipos de homens: os obsequentes, que se submetem; os tépidos, que consideram que não vale a pena lutar e que, ao dizer do mesmo autor em Os justos, escolhem só a caridade e renunciam à luta com um certo vestígio escrupuloso; e, finalmente, os lutadores que, além de considerações do intelecto ou de princípios, simplesmente atuam contra a peste. Este último grupo está representado pelos médicos. E além deles está o povo plano, cidadãos comuns e correntes, que o opressor, a peste, despreza por sua indiferença. No entanto, o autor põe em um de seus representantes, Grand, o insignificante, precisamente num plano significativo da crônica. Poderíamos dizer que com esta obra Camus volta a acreditar no homem para lá de suas misérias e suas alturas. Assim diz a Rieux uma vez acabada a epidemia: “no homem há mais coisas dignas de admiração que de desprezo”. Agora vejamos L’Homme Révolté, O homem rebelado (em castelhano costuma traduzir-se como O homem rebelde, o que é um erro). O significado deste título deveria ser entendido como posicionar-se contra alguma coisa, não no sentido acomodaticio nem menos pejorativo, mas como “ enfrentar”, e enfrentar novamente. O tema da rebelião já o preocupava vários anos antes. Um amigo lhe pedira para escrever algo a respeito para uma compilação sobre o tema, por isso, tinha várias anotações em seu Diário sobre él. Este ensaio, um dos mais importantes de Camus, reflete um antes e um depois em relação aos seus contemporâneos. Significou o início do distanciamento e a polêmica com Sartre. E também recebeu o ataque de boa parte da intelectualidade francesa e da publicação Les Temps Modernes. A pergunta central que o autor propõe nesta obra é: “ o crime é legítimo ?”. Então, denuncia o terrorismo de Estado no nazismo, fascismo e no comunismo, este último através de sua expressão mais depurada, o stalinismo. O autor se distancia dessa rebelião morna, comum em muitos intelectuais de seu tempo: “ eu me sublevo, depois me retiro à montanha, lavo as mãos…”. Ao contrário, fala da cidade, a rebelião deve ser feita ali para ser realmente eficaz. No entanto, sabe que é difícil; o indivíduo luta contra o mal mas é impossível mudá-lo em um só dia pelo bem. E, com suas próprias palavras: “depois de tudo, os filhos sempre morrerão injustamente, mesmo na sociedade perfeita. Em seu maior esforço, o homem só pode tentar diminuir aritmeticamente a dor do mundo”. Mas “o porquê de Dimitri Karamazov continuará ressoando; a arte e a rebeldia somente terminarão com o último homem”. Em dez anos, aproximadamente, vemos como o autor vai do negativismo de El estranho a uma posição positiva. O importante é que o homem livre batalhe pelo amor dos outros homens, além do fruto que isto possa dar e dos valores aí contidos, só pensando na dignidade e na solidariedade humana. Certamente, Camus fez com que uma voz moral, um humanismo laico fossem ouvidos desde o pós-guerra até sua morte. Eis aqui um pequeno fragmento de seu discurso à Academia sueca ao receber o prêmio Nobel: “a tarefa do escritor, ao mesmo tempo, não se separa de deveres difíceis. Por definição, hoje, ele não pode colocar-se a serviço de quem faz a história: está a serviço daqueles que a sofrem”. ____________ Georges-Michel Darricades. Colunista da Corporação Proyecta América a cargo da seção Cultura; também do Centro de Estudios Sociales Avance e da revista Política&Espíritu. Colaborador permanente de Mirada Global. Autor: Georges-Michel Darricades Fonte: Mirada Global |
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