NASCI PEDRA E BARRO
A Manoel de Barros, que sabe a palavra
e seu silêncio limoso.
Nasci à beira de São José de Botas,
na sombra de uma pedra cachoeira
que deslizava minha voz fonte abaixo.
Eu passeava poeira e lama, quando sentia
Adão saindo do barro pelas mãos do Deus
que lhe soprou na moleira para que ele saísse
das trevas primitivas e viajasse pelo paraíso.
Aos cinco anos, eu conversava com as pedras
que me diziam para eu fazer bois de chuchu
e soprasse sobre eles para eles voarem sobre
o lombo das montanhas e levassem meu eco
até os confins das rãs que coaxavam silêncios.
Eu não tinha amigos naqueles ermos, por isso
brincava de pregar água no barro e de descaroçar
borboletas na desordem do silêncio com seu vôo
de coruja que, todas as noites, diziam que amanhã
viriam à minha casa sem saírem de seu eco morro
grota adentro grota afora.
Tempos depois, arranjei um colega que carregava
leite em jacá para a fábrica de sonhos vistos só-
mente em olhos de sapos que socavam café,
corriam de coelhos e confundiam as falas do brejo.
Nessa época, eu comecei a ser natureza de sapo
na água que bebia e na língua que esticava palavras
no meio do vento que murmurava segredos na parede
do meu quarto durante os medos da noite.
Mais tarde, comecei a tecer silêncios pelos trilhos
que levassem a uma palavra que quisesse poemar-se.
Manoel de Barros, 97 anos.
José Fernandes - Goiânia
0 comentários:
Postar um comentário