EM PROCESSO DE REVISÃO O NOVO ROMANCE DE DAVID GONÇALVES - TRECHO



"Lá vai mais um caminhão carregado de toras: jequitibá-rosa, cambreúva-vermelha, mogno, ipê, jatobá, aroeira, cumaru, freijó e guarita.

O que sobra da mata os grandes tratores com os correntões liquidam. Por onde passam, nada sobra. Em cima, semeia-se o capim. Dentro de um ano, o que se vê é um mar branco de nelore.

Depois, vem a soja, a perder de vista. Sai o rei do gado, entra o rei da soja. Todos têm a mesma religião: o bolso é meu guia.

O que foi feito da floresta? Da noite para o dia, sumiu. Surgem os arraiais, com antenas parabólicas, e o sertão vira cidade: os hábitos mudam, os costumes também. Tabas indígenas assistem a novelas, já não falam as suas línguas. A aldeia – uma manchazinha no meio da floresta – globaliza-se, e o jovenzinho índio já não quer mais ficar na aldeia...

Os reis da soja estufam a barriga e dizem: “Somos o celeiro do mundo. Precisamos de mais terras para produzir mais e mais.” Os negócios com a China empolgam, engordam os seus bolsos, tornam-se presunçosos. 

Biodiversidade? É hobby de gente abastada – biólogos, professores, cientistas que nunca saíram de seus laboratórios. Esses babacas acham que o leite dá em pacotes de supermercado!

Seriemas, lobos, tatus, cascavéis, jararacas, cobra-verde, tamanduás, tucanos, bicho-preguiça, jandaias, periquitos, gaviões, queixadas, antas, quatis, lagartos, jacarés, macacos, giboias, sucuris, onça-pintada, onça parda...

Quem precisa dessas espécies? Quem precisa de árvores? De minas d’ água? De rios e lagoas? Essa imensidão de floresta não tem fim, nunca se acaba.

Primeiro, acabou-se o cerrado. Lá se foi o pequi, cagaita, araticum, mangaba, macaúba, baru, gabiroba, caju, sucupira, peroba, ipê, jacarandá... Essas coisas não dão lucro. A China quer a soja. O Brasil, o celeiro do mundo, precisa produzir alimentos. A vida não é mais do que isso.

Cadê a mata que estava ali? Alguém devorou. Cadê os pássaros que enfeitavam o céu? O veneno acabou. Cadê os bichos que passeavam por ali? O homem matou. Cadê os grandes rios e lagoas de águas límpidas? A poluição liquidou."



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