CÂNDIDA / CONTO / ODENILDE N.MARTINS


De nome Cândida, a morena andava sempre saltitando como se tivesse molas nos pés. Sabia que os cachos de seus cabelos negros, saltitavam também. E mais! Sabia o quanto era provocante! Saltitava, ainda, o coração dos moçoilos da pequena vila de pescadores.

Era assim que Cândida andava: saltitando! Êta, moreninha espevitada! Olhar brejeiro, boca ...ah! que boca! Carnuda que só! Parecia que estava sempre pedindo beijo! E olha que não tinha quem não estivesse querendo dar! Os jovens reviravam os olhos e, na calada da noite, Cândida lhes fazia companhia! No pensamento deles é claro! Mas fazia, sim, senhor!Os velhos, estes ficavam satisfeitos de olhar e se lembrar de quando eram moços, contavam aventuras amorosas. Ah, se fossem moços! Essa moreninha não havia de escapar.

Cândida era moça séria, feita para casar. Filha de Juca Pescador e de dona Iracema sabia ler e sabia escrever! O pai fizera questão de que a filha aprendesse e para isso contou com a ajuda de Isabel, uma prima, que vinha passar as férias na pequena vila.

Isabel morava na capital e quando vinha, vinha cheia de conversas sobre a cidade grande: aventuras e divertimento!

Juca não gostava da prosa e alertava a mulher. Dona Iracema dizia que era implicância dele, nada tinha demais nas prosas e era divertido saber um pouco da vida na cidade. Não aprovava a pintura exagerada no rosto e a roupa muito curta e decotada, mas era moça de cidade, tinha outros costumes. Juca se calava, bem ou mal, Isabel fazia bem ensinando as letras para Cândida.

Cândida sabia o quanto era bonita! Tinha um vestidinho verde, de florzinha bem miudinha, que quase grudava no corpo. E quando batia um ventinho, grudava mesmo e, ainda, levantava um pouquinho! Toda segunda-feira, cedinho, a rapaziada se concentrava embaixo de uma mangueira frondosa que havia em frente ao posto do correio. Era dia em que Cândinha mandava carta para a prima da capital. Sexta-feira a cena se repetia, a moça ia ao posto buscar o que a prima lhe enviava: livros! Perguntada sobre eles, dizia que eram histórias, mas de que nada adiantava mostrar-lhes, não sabiam ler. Mas um dia, ela contaria aquelas histórias!

__ Mulher, tá na hora de ver casamento pra nossa filha. Mathias gosta da nossa menina. É bom moço, trabalhador. – dizia Juca Pescador à esposa.

__ Arre! Homem de Deus! Que pressa é essa? Nossa filha é muito menina!

__ Escute o que tô te dizendo, tem fogo no olhos de nossa filha. Depois dessas encomendas que ela recebe da prima, tem o perigo do nosso lugar ficar pequeno demais pra ela. Você não vê que ela ri dos moços daqui?

__ Te acalma, homem. Quando chegar a hora, ela há de gostar de um deles e se casar.

__ Sei não, sei não!

Naquela dia chovia tanto que parecia que o mundo ia se acabar em água, feito aquela história do dilúvio. Devia ser por isso que Cândida não tinha aparecido no povoado para botar carta no posto do correio. Na sexta-feira, também não apareceu. E assim aconteceu nas semanas seguintes.

Zé das Redes, compadre de Juca, a pedido do filho Mathias, apaixonado por Candinha, foi até à casa do amigo que era para ver o que estava acontecendo, pois o companheiro de pesca andava de olhos baixos, tristes, não trocava palavra com ninguém. A comadre, que judiação! Vertia em lágrimas! A pombinha batera asas e voara para junto da prima.

Mathias resolveu que devia ir atrás do seu amor e, numa manhã de um dia qualquer, embarcou, cheio de sonhos! Haveria de trazer Candinha de volta!

Chegando à capital, assustado, tem vontade de voltar, mas não pode. Como ficar lá, na pequena vila, sem a moça que caminhava como se tivesse molas nos pés?

O rapaz não teve dificuldade em encontrar o lugar em que a prima de Cândida morava. O chofer de táxi lhe dissera que todo mundo sabia onde era. E lá vai Mathias com o coração batendo forte, acelerado como quando levava susto.

Já era tarde, não era de bom costume chegar à casa de alguém àquelas horas, mas há de entender que chegava de viagem e não sabia para onde ir. 

O lugar era grande demais! Iluminado demais. Tinha até um sujeito grandalhão na entrada! Devia ser por causa dos assaltos de que Mathias ouvira falar que aconteciam nas cidades.

Conduzido por outro homem, o jovem vê-se em salão mal iluminado, dois casais, agarradinhos, dançam uma melodia chorosa. E um pouco mais adiante, em frente a um balcão, sentada em uma banqueta, com um copo na mão, está Cândida. Que roupa era aquela que ela usava e que deixava à mostra quase que todo seu corpo? Um velhote aproxima-se e a enlaça, puxando-a para dançar.

Mathias afastou-se, compreendera! Cândida, a sua Cândida, não mais existia. O que viu foi uma mariposa seduzida pelas luzes da cidade.



 ODENILDE N. MARTINS

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