DENTRO DE MIM MORA A PALAVRA
Descanse seus olhos sobre estas linhas, ou pouse a ponta dos dedos no alado das letras.
O que vou contar diz respeito à criança que estou, ninada sem pressa.
Aos seis anos, diante do carro de brinquedos, bonecas e jogos de montar desfilavam nas mãos dos meninos e meninas, deslumbrados pela oferta natalina.
Escolhi o missal. Precocemente, a capa e as folhas douradas viriam antes das rezas de um Deus que me Sabia.
A primeira leitura surgiu das história. Inventei nomes e criei as minhas.
Bichos falavam e fabulavam uma outra vida.
Pouco tempo depois, quem me cuidava tratou de curar as feridas que o imaginário da moça costurava.
Os fios do escritor que me chegavam às mãos criaram uma nova pele: esta seda/sede poética que se infiltrava pela derme, recitando.
Dos meus dentros amorosos, o que na veia pulsava, impulsionava escritos compartilhados.
A tapeçaria, cosida no resultado dos dias, tornou-se panorama de crônicas, romances e textos curtos em que a poesia se alongava.
Era imperioso contar o que me via e a docência nada mais foi do que a porta escancarada deste aprendizado.
Nos escritos da arte de conviver, descobri que alunos são notas: musicais.
Deles, extraí minérios e a pedra bruta da minha condição de aprendiz.
Quem diz que ensina, nem sempre se inventa.
E é preciso urgência na força mental e fragilidade na boca para receber as falas do outro.
É imperioso o silêncio em respeito ao verbo de outrem, e esse ontem que revisito é um lapso de entrega e desvario.
Como se rio fosse, foz de lírios e lodos colorindo a mulher de branco, os signos e sinais sabem pintar cenários reinventados pela delicadeza.
Hoje, os nomes de quem escreve a cidade no concreto e na raiz – esta flor do asfalto que a memória dá outro caule e roupagem – abraçam todas as artes.
Amanhã, mesmo que se diga tarde para o que cedo se perpetua, ainda assim estenderei este texto-tributo, manto e ninho, aos que me acrescentam.
Dentro de mim mora a palavra, e eu contaria tudo outra vez!
Rita de Cássia Alves
Texto de Rita Cassia Alves premiado no Concurso Contos de Joinville - 2º lugar
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