Inocência - conto

Havia dias, Paulo estava pensativo e, por vezes, fora surpreendido pela mãe conversando consigo mesmo. Quando interrogado sobre o que estava acontecendo, esquivava-se sempre, alegando precisar estudar e, assim, trancava-se em seu quarto sem dar explicação. De lá, só saía horas depois, pensando ter escapado das perguntas insistentes da mãe que estava em uma marcação cerrada.

A mãe, cada vez mais preocupada, espiava-o de soslaio, quando entrava no quarto do garoto, constatava que o material escolar não havia sido mexido, o menino limitava-se a se deitar, olhos fixos no teto, perdido em pensamentos.

A aproximação do domingo fez aumentar o ar compungido do menino, que nem dormia mais direito. O que estava torturando o garoto?

– Meu filho, como estão suas notas? Você fez provas esta semana?

– Boas, mãe. Acho que consigo passar sem exame. Amanhã tem catequese, posso faltar?

– Faltar na catequese? Por quê? Você nunca quis faltar.

– Tô com muita dor de cabeça.

– Dor de cabeça? Será que amanhã você ainda vai estar com dor de cabeça? – perguntou a mãe mais cismada ainda. – O que aconteceu na catequese, semana passada? Pelo jeito tem alguma coisa que você precisa me contar. Você não vai faltar... Essa dor de cabeça é desculpa, é melhor contar logo. O que houve? – insistia.

– Amanhã é dia de se confessar e eu não quero. Eu fiz um pecado bem grande e Deus não vai me perdoar e o padre Santino vai brigar comigo.

Pronto! A coisa era pior do que a mãe imaginava, com medo do padre!

– Filho, não esconda nada. Qualquer coisa você deve me contar. Eu e teu pai somos teus melhores amigos. Não guarde nenhum segredo. O que aconteceu?

– Não posso – respondeu, os olhos rasos d’água.

– Então, promete que vai contar pro padre?

Paulo não respondeu nada e foi para seu quarto cabisbaixo, como se carregasse todas as culpas do mundo. A mãe, angustiada, esperava que o dia seguinte chegasse, na esperança de que o filho compartilhasse com o padre a sua angústia.

Na manhã seguinte, por força da autoridade materna, Paulo saiu para ir à igreja, o dia da comunhão estava próximo, no que foi discretamente seguido pela mãe, temerosa de que o filho não fosse para a aula de catequese.

Depois de certo tempo, segura de que o filho entrara na igreja, a mulher volta para sua casa e espera, ansiosa, a volta do filho. Aliviada, ouviu a voz do filho que a chamava antes mesmo de entrar pelo portão:

– Mãe! Mãe! O padre Santino disse que Deus sabe quem se arrepende de verdade e perdoa! Ele disse que Ele já me perdoou!

– Que bom, meu filho! Agora já pode me contar o que você fez?

– Eu matei uma criatura de Deus.

Um arrepio percorreu o corpo daquela mãe e a voz não saiu.

– O padre me mandou rezar vinte ave-marias e dez pais-nossos e disse pra eu não fazer nunca mais.

– Não fazer, o quê?

– Pisar nas fileirinhas de formigas.

– Ah! Formigas! – a mãe não conseguiu conter o riso

Esse era o grande pecado cometido pelo menino que ouvira a catequista dizer: ”Todas as criaturas são obras de Deus. É preciso respeitar porque também são preciosas.”

Ao sair do confessionário, aliviado da culpa, deixou o padre imerso em reflexões sobre o tanto de pecados que carregava e do tanto de formigas que sacrificara, vítimas de seus erros, de sua arrogância e de sua pseudo-santidade.


Martins, Odenilde Nogueira. Mulheres. In: Caso encerrado, 2014.


0 comentários:

Postar um comentário