RITA - MEU PRIMEIRO CONTO. ESPERO QUE LEIAM E GOSTEM.

                        __A polícia tá na fazenda Encantado, tão cavocando. Deve de ter ouro na terra do Zé Fernandes.
O boato, feito no único posto de gasolina da pequena cidade, correu rápido feito rastilho de pólvora. Eram aproximadamente nove horas da manhã, às dez, uma estranha movimentação já se fazia perceber .
Os miseráveis e os desabrigados do lugar, tomando conhecimento do boato, começaram a se dispersar, deixando os bares imundos e a pequena praça que lhes servia de moradia. Saiam silenciosos. A possibilidade de trabalho na exploração de uma mina, era uma esperança que em poucos segundos tomou forma.
            O mesmo pensamento silencioso passou a ocupar a cabeça das dezenas de desocupados que perambulavam pelo lugar. Ninguém trocava ideia, como em cidade esquecida por Deus cada um trata de si, melhor era agir sem espalhar.
Às onze horas, começaram a se concentrar próximo à entrada de Encantado. A princípio, não passavam de uma dezena que passou para centena num instantinho. Olhares desconfiados, meio atravessados, vez por outra eram trocados, já que cada homem daqueles podia representar um adversário, um impedimento na hora de se pedir o trabalho. Os mais jovens, então, se fosse possível matar alguém em pensamento, teriam morrido no instante que ali chegavam. Pensavam, mas ninguém dizia nada, nem mesmo os que costumavam dividir a cachaça enquanto papeavam e jogavam baralho nos botecos imundos. Nessa hora não tem amigo não. 
A cabeça fervia de tanta pergunta que não era feita, podia que alguém soubesse de mais coisa... As perguntas pendiam-lhe da ponta da língua. Todos os infortúnios concebíveis, aquela trupe de errantes refugos humanos já sofrera, estando no lado avesso da vida. A expectativa se tornava quase intolerável: excitação, tensão nervosa, pensamentos em efervescência, abstração. Compartilhar ou não o que lhe corria na cabeça? Mas e se soubesse menos que ele e resolvesse bancar o esperto, pescando daqui, colhendo verde dali? O melhor mesmo era ficar de boca fechada e não dar conversa pra ninguém. Como diz o bom e velho ditado: em boca fechada, não entra mosca.
            O calor era terrível. O sol, a pino, ardia no lombo, a boca parecia grudar, a língua engrossar. Nem uma sombra! Um copo de água? Qual! De onde? Entrar na fazenda sem autorização , não dava, podia se queimar e não conseguir o trabalho, o jeito era aguentar. E firme!
            A presença de tanta gente do lado de fora da fazenda, acabou chamando a atenção do delegado Natal - recebera este nome porque nascera no dia vinte e cinco de dezembro – que mandou um de seus homens averiguar o que aquele povo fazia ali. Estava intrigado, como é que aquela gente soubera dos fatos se tudo havia sido feito com absoluta discrição?
Do lado de fora, a multidão já não era formada só de miseráveis, tinha gente de todo tipo. Muitos estavam ali simplesmente porque não tinham nada para fazer, gente de vida fácil que passa a vida esperando o tempo passar. Esse tipo, que só espera o tempo passar, costuma se ocupar da vida alheia. Faça sol, faça chuva não arredam pé de um lugar onde sentem cheiro de desgraça. São os curiosos de carteirinha, e a polícia nas terras da família mais rica das redondezas, era coisa que não se podia desprezar.
O homem, encarregado de fazer a tal averiguação, voltou dizendo que nada descobrira porque nada ouvira, já que ninguém nada dissera. Os donos da fazenda estavam temerosos, por hora a suspeita do delegado não se confirmara, mas e se aquela gente resolvesse entrar? Eles poderiam ter mais problemas além daqueles que já estavam tendo.
            Doutor Natal resolveu agir, era melhor prevenir do que remediar.
            __ Cândido, põe gente de guarda nas entradas da fazenda. Ninguém entra, ninguém sai até que tudo esteja acabado.
             Todo o contingente, que ali havia, foi utilizado. Até os trabalhadores da fazenda e seus filhos. Nem os cachorros que tivessem serventia, arreganhando os dentes para assustar, foram dispensados. Afinal, era preciso manter a ordem e garantir a segurança tanto do lado de dentro, quanto do lado de fora, já que lá se havia formado uma verdadeira turba, cujas intenções ele ignorava. Ele, como delegado, tinha a obrigação de zelar pelo bem da coletividade.
            O ar se tornara sufocante por causa do calor e o tempo gotejava lentamente. Parecia que os minutos haviam se transformado em horas, mas ninguém arredava pé dali. Cada qual pensando em seu interesse, uns no trabalho que podiam conseguir, outros na satisfação de ver aquela família em papos de aranha. Isso não era coisa que aqueles, de vida fácil, que passam o tempo cuidando da vida dos outros, podiam perder. O espetáculo seria grandioso! Valeria o sacrifício. Ah! Valeria sim!
            O silêncio tenso permanecia e o sol castigava ainda mais os miseráveis já maltratados pela fome do dia a  dia, turvando os olhos e provocando uma tontura que quase chegava a um desmaio. Sair dali? Nem pensar! Se pelo menos não estivesse tão quente! Sair dali, podia significar dar as costas à sorte. E a sorte é madrasta, não é mãe não! Não podia arriscar!
            É, ficar esperando não se sabe o quê, com a cabeça cheia de planos, dá comichão. Silêncio e tempo passando devagar, cabeça cheia, barriga vazia, podem levar o homem a pensar coisas. Uns com muito, outros com menos. Muito menos! Ouro nas terras de Zé Fernandes! Esse era um dos que tinha demais. Não precisava de mais riquezas. Esse pensamento azeda a alma do que nada tem. Alguns, ali, não têm nem certidão de nascimento! Não existem para ninguém, nem mesmo pra aquele bando de urubus disposto a comer qualquer carniça! Não votam! Quem se importa com gente que não vota e não existe? A raiva sobe, surda, o suor pinga. Chega de esperar! Vou entrar! Bufando faz menção de ir em direção à entrada da fazenda, mas ninguém se mexe! Recua. Melhor mesmo ficar quieto e esperar.
            A pequena cidade parecia abandonada. Ninguém em parte alguma. Até o comércio estava fechado e eram só cinco horas da tarde! Mas quem passasse em frente à pequena construção, que servia de delegacia, podia ouvir os lamentos chorosos de um desesperado:
            __Eu sou inocente. Me tirem daqui. Perguntem ao Jamelão se o que eu disse não é verdade. Por favor, seu guarda! Eu não fiz nada!
            Era Everaldo Luz, conhecido na cidade pelo nome de guerra: Nadine. Rapaz franzino, de voz estridente e gestos afetados que dividia espaço com Ritinha no bordel de Jamelão, atendendo freguês de gosto mais extravagante.
            Ritinha, morena bonita, ambiciosa, fogosa e faceira, chegara àquela cidade por pura obra do destino. Resolveu ir embora de sua cidadezinha e tentar a sorte na cidade grande e, para isso, contou com a ajuda de um caminhoneiro que conhecia desde menina e que lhe oferecera carona.
            Tudo ia bem até que Rubens, o caminhoneiro, resolver que ela devia pagar pela viagem. Pediu, pediu, xingou, esbravejou, socou e nada! A infeliz mesmo com a roupa em tiras, saiu correndo do caminhão e se enfiou mato a dentro sem ligar para a escuridão do lugar deserto, onde nem luz de vaga-lume se via, só o brilho das estrelas naquela noite de breu. Pois que se virasse, deu comida, até pagou um quartinho em um hotelzinho na beira da estrada, quando podia tê-la deixado dormindo ao relento. O que custava, então, satisfazer a fome dele? Ia se perder mesmo na cidade grande! Ligou o caminhão e se mandou! Nem olhou pelo espelho para ver se Rita tinha saído do mato. Era muita ingratidão! Que se virasse!
            Quando o dia clareou, Rita saiu do mato, olhou para um lado, nada!Para o outro, nada também! Que fazer? Pôs-se a andar,  andou por horas a fio. Finalmente chegou à cidade. Bateu de porta em porta pedindo emprego como doméstica, fazia qualquer tipo de trabalho. Mas como moça sozinha e bonita desperta dois tipos de sentimentos nas pessoas: inveja em mulher feia que não quer saber de tentação andando dentro de sua casa, e cobiça em homem mal casado, Rita se viu em um mato sem cachorro. Acabou adormecendo em um banco da praça.
            Toda cidadezinha, de fim de mundo, tem uma praça que é onde os desocupados se abrigam do sol enquanto o mundo gira, a moçada namora no fim do dia e as fofoqueiras se reúnem aos domingos depois da missa, na única igreja católica que há, e que é maior até que a sede da prefeitura, que é para saber das últimas novidades.
            E foi ali que Nadine a encontrou, cansada, esfomeada, esfarrapada, entregue ao Deus dará. Compadeceu-se da pobre e levou-a para o lugar que tinha como a sua casa, o bordel de Jamelão Cintra. Roupas lhe foram emprestadas, foi alimentada e lhe deram um lugar para descansar, no dia seguinte, as coisas se resolveriam.
            O sol já ia alto e Rita nem sentia o queimor em seu rosto. A música tocada em volume altíssimo, as gargalhadas e, por vezes gritos, não atrapalharam o seu sono. Acordou com Nadine que a sacudia:
            __Acorda, bela adormecida. O patrão quer lhe falar. Te apressa se não fica sem café.
Rapidamente a moça levantou-se, ficou em dúvida se devia ou não vestir as roupas que lhe foram emprestadas. Vestiu. Não podia se apresentar ao dono da casa com os andrajos com que ali chegara. Jamelão estava à sua espera na pequena sala, que servia, também, como sala de baile.
            __Tenho uma proposta pra lhe fazer, você pode trabalhar pra mim. Tá interessada?
Claro que estava! Tudo foi tratado, nos mínimos detalhes que era pra ela não pensar que podia bancar a espertinha. Tudo preto no branco e com algum dinheiro, pouco, é claro, lá foi Rita tratar de comprar alguma roupa que a tornasse apresentável. Aos olhos dos fregueses, bem entendido.
            Como já disse, em cidade esquecida por Deus, até pensamento corre rápido, Jamelão encarregou duas ou três mulheres para tornar de conhecimento público que a casa tinha carne nova, que não havia sido batida. E que, na noite do dia seguinte, haveria leilão. Por que não naquela noite? Simples! Como é que os tubarões da redondeza iam ficar sabendo da novidade? Carecia dar tempo para que a notícia se espalhasse e chegasse aos ouvidos daqueles que pagam bem por carne fresca!
            Na noite seguinte, apesar da sordidez, o lugar estava cheio. Jamelão não cabia em si de tanto contentamento! Ia tirar a barriga da miséria! Aquela moleca havia de lhe render um bom dinheiro. A expectativa era geral. Até as mulheres honradas sabiam do evento, e sabiam que seus maridos estariam lá. Mas fazer o quê? O melhor era se faze de morta. E depois, que diferença fazia se eles iam se refestelar com uma puta, desde que elas continuassem a ser as virtuosas esposas? Importância nenhuma, queriam mais é que eles se esvaziassem por aí! Menos um incômodo!
            Às 20h00min. , do dia seguinte, já havia fregueses no bordel de Jamelão. Ninguém queria correr o risco da casa encher demais e não poder participar do leilão dando um lance, por mínimo que fosse! Boas que desse sorte?
            21h00min. , envolta em véus baratos, Rita é conduzida à sala principal e oferecida em leilão. Quem desse mais, desfrutaria. Um frenesi tomou conta do ambiente. Como seria a nova aquisição de Jamelão? Bom para ele que a mercadoria valesse a pena porque se não fosse, se veria em maus lençóis. Era só o que faltava ficar fazendo propaganda enganosa!
            Um lance daqui, outro de lá, e quem acaba arrematando o produto é o filho de um rico fazendeiro da região, que tendo ganhado o leilão não quis saber de perder tempo, e sob protesto, se retirou da sala para usufruir do que lhe havia custado uma quantia razoável.
            Durante alguns dias, não se falava em outra coisa nos círculos masculinos, que não fosse Rita. Era uma disputa só. Rita nem conseguia atender tantos fregueses! Era casa cheia todas as noites, e Jamelão rindo à toa, tinha bom faro, sem falsa modéstia! Suas previsões se confirmavam, estava faturando como nunca! E Rita então? Estava deslumbrada, achando mesmo que Deus escreve certo por linhas tortas e que ali estava a sua riqueza.
            O que é novo em pouco tempo fica velho, e por que com Rita seria diferente? Ah! Não seria, não! Passadas algumas semanas, lá estava ela, aceitando qualquer um, esperando que o tempo de vacas magras passasse.
            __Por favor, seu guarda, me tire daqui! Eu sou amiga da Ritinha.
            __È melhor você parar com essa gritaria. Você tá bem encrencado. Todo mundo sabe da sua briga com aquela piranha por causa de macho. Muita gente viu quando você tentou fazer barba e bigode naquela infeliz com uma navalha.
            __Fale com o Jamelão! Ele vai dizer que eu não acertei aquela vadia.
            __Te aquieta que o doutor Natal tá investigando a tua história.
            Sucedera que uma semana antes, Nadine atacara Ritinha com uma navalha porque a vadia lhe tirara um freguês. Partira para cima da outra que era pra mostrar que quem invadisse um território conquistado, não saía ilesa. E o de Nadine, então, muito menos! Achar que podia lhe tirar o pão de cada - dia e passar em branco, era o mesmo que pedir para o sol não aparecer e o dia não amanhecer. Tinha que mostrar que com ela ninguém brincava. Estava disposta a defender seu território com unhas e dentes. 
            __E só não conseguiu porque o macho dela chegou bem na hora e conseguiu evitar que você cortasse a infeliz.
            __Eu não ia matar. Só queria assustar. Depois que ela saiu com ele de lá, não vi mais a Ritinha.  Eu juro!
            Rita sumira naquela noite, e Jamelão cheirando a encrenca, no quarto dia, resolvera dar ciência do desaparecimento à polícia que, sabendo da confusão que houvera, resolvera deter Nadine para averiguação, já que era a principal suspeita do sumiço da concorrente. Depois de ouvir Everaldo e confirmar a história contada com Jamelão, o delegado resolvera fazer uma visita ao rapaz que havia arrematado Rita na noite do leilão.
            Salvador era o nome do rico herdeiro que vivia a vida a folgar. Bebida, mulheres, carro importado e drogas, era assim que conduzia seu tempo. Festa, festa e festa. Sua vida se resumia nisso, pois tendo voltado de uma cidade grande, para onde fora sob o pretexto de estudar, o que podia lhe oferecer aquele fim de mundo, já que trabalhar a terra não lhe interessava?
            O ócio é inimigo feroz da virtude, e o rapaz que já era de caráter fraco, acabou por se perder no mundo ilusório do dinheiro disponível sem que, para tê-lo, precisasse fazer algum esforço. A permissividade dos pais, que procuram dar ao filho do bom e do melhor, julgando que assim agem certo, pode operar de forma negativa na formação do indivíduo, e foi isso o que aconteceu com Salvador. Amor e facilidades demais!
            Chegando à fazenda, o delegado pôde confirmar com o rapaz a história contada por Nadine. Realmente era tudo verdade. Ele entrou no bordel no momento em que Everaldo bramia a navalha e na penumbra do lugar, o brilho da lâmina riscava o ar, em busca do corpo de Rita, que gritava desesperada pedindo socorro e procurando se defender como podia.
            __Eu não podia deixar que alguém fosse assassinado, sem tentar ajudar. Foi o que eu fiz, seu delegado. Tirei a moça dali e a deixei na praça. Em seguida, vim para casa e não vi mais Rita. - dizia Salvador ao delegado. Não negara que saíra do bordel com a moça.
            Esse não era um interrogatório, lhe explicara o delegado que fora até a fazenda, não o chamara à delegacia para evitar falatório. A conversa acontecia dentro da camionete que Salvador dirigia pela fazenda para que Natal conhecesse a propriedade.
            Quase nos limites das terras com um pedaço de mato, algo chamou a atenção do delegado, que durante a excursão feita, perscrutava atentamente cada palmo de lugar que seu olhar alcançava. Indubitavelmente, na divisa, a terra fora remexida, e, a julgar pele extensão, isso não fora feito com ação de uma pá. Ali fora usada uma máquina. Nada comentou sobre isso, queria juntar alguns fatos.
            Retornando à fazenda, viu que no galpão havia uma retroescavadeira. Perguntou ao pai de Salvador se o mesmo tinha a intenção de construir algum açude. Isso foi feito depois do delegado ter aceitado o café que lhe fora oferecido e Salvador ter saído, alegando um compromisso. O proprietário disse que não cultivava tal intenção, e Natal comentou que chegara a essa conclusão depois ter visto que um pedaço de terra havia sido remexido. E como imaginava, o velho disse que o delegado vira mal, já que nenhuma ordem desse tipo fora dada.
            Saindo dali, o delegado dirigiu-se à casa do juiz, relatou as suas suspeitas e solicitou um mandado de busca que lhe permitisse escavar o local suspeito. Precisava agir rápido, afinal, Everaldo estava detido e ele não poderia liberá-lo, pois estava claro que o infeliz poria a cidade em polvorosa, assim que botasse os pés para fora da delegacia.
            De porte da autorização, no dia seguinte, solicitou homens à delegacia vizinha e, atendido, retornou à fazenda onde morava Salvador, que ainda não havia retornado a casa.
            E foi executando essa empreitada, que um joão-ninguém, que por ali passava, pensou que se escavava a terra em busca de algum tesouro, tratando de dar ciência do fato à pequena cidade carente de novidades. E, assim, o furdúncio estava armado e toda aquela gente foi conferir de perto o que acontecia. Cada qual torcendo por si, para que sua suspeita se confirmasse. Certo era que algo grande estava acontecendo! Podia ser ouro, podia ser encrenca feia para a família. Fosse o que fosse, alguém sairia dali satisfeito.
            Enquanto Rita enfrentava o tempo de vacas magras, e se ocupava de qualquer tipo de freguês que aparecesse e solicitasse os seus préstimos, certa noite, Salvador voltou ao bordel e terminou nos braços dela.
            Estava resolvido, Rita não atenderia ninguém, só a ele. Ela gostou da ideia de ser exclusiva. Não precisaria aturar aquela ralé fedendo a suor e cachaça barata por uns míseros trocados. Vez por outra, Salvador aparecia, pagava o aluguel do quarto, a comida e ainda lhe deixava algum dinheiro para suas despesas com produtos de higiene etc.
            Por hora estava bom, até que a situação melhorasse e a fartura voltasse, ia vivendo assim, sem nada fazer a não ser esperar por Salvador. Se tivesse tido juízo e feito um pé de meia, enquanto a maré estava alta, podia ir embora daquele lugar, mas o que havia ganhado, parte mandara para a família, parte fizera um investimento em si mesma, comprando roupas, perfumes e bugigangas para se enfeitar. Nada guardara, não contava com uma mudança, achava que estaria em alta por um bom tempo. Pelo menos, tempo suficiente para juntar uma boa quantia e cair fora dessa vida.
            Numas das visitas à sua amante, Salvador observou que ela já não estava mais com o corpo de antes, devia ser a boa vida que estava levando.
            __Você está engordando. Vida boa demais. Não quero saber de mulher gorda!-reclama Salvador.
            __Também, passo o dia sem fazer nada, nem dançar eu posso porque você não deixa. Mas não se preocupe que a sua Ritinha não vai ficar feito porca engordadeira. Da próxima vez, vai me encontrar nos trinques. - disse Rita, enquanto vestia a roupa.
            Nos trinques? Depois de três semanas, estava ainda mais gorda, a relaxada. A cintura fina, sumira, os peitinhos que ele tanto gostava, se derramavam e já não lhes cabiam nas mãos. Alguma coisa estava errada. Naquele angu tinha caroço.
            Um arrepio percorreu o corpo de Salvador, e se... Não queria nem pensar em tal coisa. Mas pelo sim, pelo não, era melhor ter certeza, e para tal usou uma tática que, com mulher, não falha nunca: voz amorosa e carinho!
            __Vem cá, minha nega. Conta pra mim o que está acontecendo. Você está atrasada? Não tenha medo, se estiver a gente dá um jeito. Não vou te abandonar. Há quanto tempo a tua menstruação não vem?
            __Dois meses. Mas não se preocupe que é só um atraso normal. Acontece. - diz Rita com o coração disparado.
            Era só o que faltava. Precisava ter certeza para dar um jeito na situação. Tudo o que Salvador não podia, era dar um neto a seu pai que fosse filho da puta! Seria deserdado! Adeus vida boa!
            __Toma esse dinheiro e amanhã bem cedo vá fazer um exame de sangue. - era preciso ter certeza antes de agir.
            Não deu outra: positivo, positivo... Essa palavra lida, no resultado do exame, martelava a cabeça de Salvador. Precisava agir com cautela e convencer aquela desgraçada a tirar a cria. Já pensou se a infeliz se recusa para garantir o futuro às suas custas? Estava ferrado! Saiu atordoado. Seu pai e sua mãe tão imbuídos da fé cristã, jamais aceitariam um neto nessas circunstâncias. Precisava se livrar do embaraço!
            Um mês passou sem que Salvador voltasse ao bordel. O aluguel do quarto estava atrasado e logo nem comida lhe dariam mais. Afinal quem é pobre e não trabalha, não come nem mora em lugar algum, azar seu que estava prenha. Ninguém se importava com isso, problema dela. Que se danasse! Quem mandou ser estúpida? Pensando assim, Rita resolveu cair na batalha. A barriga grávida de três meses podia ser disfarçada com a roupa, e depois, no escuro todo gato é pardo. Salvador devia estar muito ocupado, tomando providências em relação a ela e ao filho que ia nascer. Devia ter paciência, pois sabia que as coisas não seriam fáceis, lá com a família dele.
            Salvador devia estar mesmo muito ocupado! Quatro meses sem dar notícia! A barriga estava enorme, o ar faceiro de seu rosto sumira, dando lugar a uma criatura de cara pintada e fisionomia apática. Nem mesmo podia procurar uma fazedeira de anjos porque, para isso, era preciso um dinheiro que ela não tinha. Ainda faturava alguns trocados, pois há homem que sente o sangue ferver quando vê mulher recheada. A vontade aumenta! Porém, o que conseguia dava só para pagar o aluguel do quarto miserável e para comer o suficiente para se manter viva. Foi assim, disputando um desses fregueses de gosto extravagante, que Rita se metera em confusão, tentando tirar o que Nadine tinha como certo. E aí você já sabe, a navalha brilhou na penumbra do salão e apareceu Salvador para livrá-la do perigo.
            Enquanto o guarda de plantão, ficava cada vez mais enfezado com as lamúrias de Nadine, o trabalho do delegado andava a todo vapor. Quanto antes fosse terminado, melhor. Aquela gente do lado de fora da fazenda, deixavam-no cada vez mais preocupado. Raios de gente que nem um calor de quase quarenta graus era capaz de espantar! Os que se passava na cabeça daquelas pessoas, saberiam o que estava acontecendo? Isso era pouco provável já que Nadine continuava detida e era a única capaz de espalhar boatos.
            __Vamos, mais rápido. Logo escurece!-bradava Natal, andando de um lado para o outro feito barata tonta, ansioso por deslindar o mistério e voltar a sua pacata rotina.
            A morosidade do tempo era cada vez mais intolerável! 17h00min.! E nada! A polícia cavocando do lado de dentro e eles sem saber de nadinha do lado de fora. 
            Subitamente o ronco de um motor se faz ouvir ao longe. Como que impulsionadas por molas, acionadas de forma automática, todas as cabeças se viraram em direção ao ruído. O veículo vem na velocidade máxima que a poeirenta estradinha permite. Quando se torna visível, o espanto é geral e o silêncio é quebrado pelo grito de alguém:
            __Vão carregar o ouro no carro que carrega morto pra disfarçar! Vamos entrar! Àqueles que estavam de guarda, nada puderam fazer ante a turba ensandecida que avançava feito um trator, disposto a derrubar tudo o que encontrasse pela frente.
            __Não deu para impedir, delegado, - tentava se desculpar um dos policias que fora encarregado de conter a multidão, evitando que entrasse na fazenda. __.  Agora danou-se!  
         Rapidamente chegaram ao local onde a polícia estava e o rabecão estacionara.
            A cena que se seguiu era indescritível!A expressão no rosto daquelas pessoas era, no mínimo, bizarra. Ia da mais absoluta decepção a mais completa satisfação. Emudecidos pela surpresa, procuravam entender o que estava acontecendo. O que era aquilo que jazia do lado de fora da cratera que fora aberta?
            Um corpo misturado com a lama! Irreconhecível! Um não, dois! Que decepção para aqueles que esperavam ouro! E que satisfação para aqueles que estavam ali para se banquetear com a desgraça alheia!
            __ Nunca vi nada igual em toda a minha vida! Quem seria capaz de uma atrocidade dessas?- perguntava-se o delegado._ Levem para necrópsia.                                                              
            A ordem foi cumprida rapidamente diante dos olhares atônitos daqueles que ali estavam. A esposa do fazendeiro desmaiou, pois não suportara visão tão brutal. O fazendeiro não conseguia articular uma palavra sequer. Quem plantara aqueles corpos ali, e por quê? Julgaram que sua fazenda era um bom lugar para se ocultar um crime, já que a família jamais estivera envolvida em nada que pudesse desaboná-la. Não havia outra explicação.
            Lentamente a multidão começou a se dispersar. Excitação e desapontamento. Alguns ainda ficaram, precisavam ser solidários, oferecendo apoio à família, e, quem sabe,  mais bem informados.
            O dia seguinte foi de movimentação intensa. Em todos os lugares públicos era possível se encontrar vários investigadores tentando resolver o caso de alguma maneira, especulando sobre os fatos abjetos. Nadine não teria meios de matar e transportar o corpo até a fazenda. Por que faria isso? E a máquina? Como poderia tê-la tirado do barracão da fazenda? Impossível! Não, Nadine era inocente! Até fora solta! Não podia sair da cidade, mas ninguém da família Fernandes podia.
            Salvador não fora encontrado para prestar depoimento, não voltara para casa desde a ida do delegado à fazenda. Isso o tornava o suspeito número um. Quem não deve não teme. E ele certamente teria muitas explicações a dar, já que a autópsia revelara que o corpo encontrado era de Rita. E que o segundo corpo era de um feto no sexto mês de gestação e que fora cruelmente arrancado do ventre materno.
            Matar a mãe não bastava? Era necessário abrir sua barriga como que para garantir que a vida, que ali crescia, seria aniquilada. Esse ato inominável e desnecessário foi praticado para se vingar da mulher ou por crueldade extrema? Crueldade e vingança, já que a gravidez de seis meses não era escondida por Rita. Todos sabiam disso, só não sabiam quem era o pai. Coisa difícil de saber quando se ganha a vida usando o próprio corpo. Mas Rita sabia, e o pai também.
            Quinze dias se passaram sem que as investigações tivessem avançado um palmo. Afinal, o principal suspeito havia sumido e na fazenda ninguém sabia de nada, nem vira algo diferente, como a máquina sendo usada nas divisas das terras. Nem mesmo o empregado, que costumava operá-la, ajudou quando foi interrogado. Ele não usara a máquina naquele local. Entretanto, alguém usara. Mas quem? O próprio Salvador quem sabe.
            A poeira começava a assentar e as pessoas até já achavam que a responsável pela tragédia era a própria Rita, pois quem vive como ela chama desgraça. Não podia viver honestamente? Tinha que enveredar por aquele caminho? Era natural acabar mal, é assim que acabam muitas mulheres que querem vida fácil. Se fosse pela população, o caso já estaria resolvido e o culpado encontrado: a própria vítima! Mas eis que surge neste cenário o principal suspeito acompanhado de um famoso advogado.
            Salvador nem tomara conhecimento dos fatos, viajara e ficara sabendo da barbaridade quando, na noite anterior, retornara à fazenda. Como não era culpado de nada, colocava-se à disposição da polícia. Tinha como provar que não se encontrava na cidade na hora e dia do assassinato. O álibi foi confirmado junto ao um amigo dele, companheiro de diversões. Estavam os dois em um bordel de luxo em uma cidade vizinha. Isso também ficou provado, pois o dono do tal bordel, quando foi chamado a depor, jurou que ambos estavam em seu estabelecimento naquela noite. Disse até o nome da prostituta que estava com Salvador. Afirmação confirmada pela mulher.
            A arma do crime não fora encontrada, o operador da retroescavadeira também não, o acusado provou que não estava na cidade, nada restava a fazer... Caso encerrado e arquivado como insolúvel! Nada havia de concreto para efetuar a prisão de Salvador além da certeza do delegado Natal que o mesmo matara mãe e filho para se livrar de problemas futuros, e que o dinheiro compra tudo, até prova a inocência de um culpado.
            A família de Salvador nunca duvidou de sua inocência. Para o pai, o filho fora vítima da maldade humana, da inveja que por todos os meios procura destruir àqueles que possuem mais. Mas justiça fora feita e seu filho conseguira provar que era inocente. A honra da família não fora maculada.
            Salvador vive sem nenhum peso na consciência, pois, esta, é uma bengala de que cada qual usa para bater no vizinho, e da qual não se serve jamais para uso próprio.










                            DESILUSÃO

HABITAM A TERRA DOS MORTOS AS MINHAS ILUSÕES                       
CUJAS NOITES SÃO TENEBROSAS E ESCURAS
ONDE ESQUECIDAS ESTÃO TODAS AS PAIXÕES                     
E TODOS OS DIAS SÃO COBERTOS DE AGRURAS.
                   
UM VAZIO DE  MUNDO   QUE  CARCOME
A ALMA DURA DE SENTIMENTO OCA
ENFASTIADA DE TUDO, NÃO SENTE FOME

DESEJO INSATISFEITO, DOLOROSO BRAMIDO                 
NA LÓGICA ABSURDA DA MENTE LOUCA
QUE PROCURA NA FÚRIA DA VENTANIA     
O GOSTO DOCE DO CÉU DE TUA BOCA.

DE TODOS OS CAMINHOS, PERDIDA
DEIXA-SE CAIR NO VALE DOS MORTOS
INERTE, E, ALI, JAZ... SEM GUARIDA.  


ONDAS ESPUMOSAS


TRISTEZA
RUGE ZANGADO O MAR,
CIUMENTO DE SUAS  ONDAS  ESPUMOSAS
QUE BATEM E REBATEM E LAMBEM  ROCHEDOS,
PARA DEPOIS, SEMPRE CANTANTES
SOBRE AS AREIAS BRANCAS,
DERRAMAR-SE E ESPARRAMAR-SE DENGOSAS.

 ENTÃO,BRANDAS E SILENCIOSAS
COMO EM CANTILENA, CARREGADAS DE SEGREDOS
NUM  RASTRO DE ALVA RENDA,
ENCOLHEM-SE, RECOLHEM-SE SERENAS.

E NESSE VAIVÉM,
ENTRISTECIDAS FICAM AS AREIAS,
ENTRISTECIDOS FICAM OS ROCHEDOS.

MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES / GABRIEL GARCIA MARQUÉZ / SUGESTÃO DE LEITURA

        Um homem que nunca fizera sexo sem pagar, resolveu se presentear em seu aniversário de noventa anos, e passar uma noite de amor com uma mulher virgem.
Queria uma mulher que exalasse pureza, diferente das muitas promíscuas que passaram por sua vida.
      Juntou parte de suas economias, recebidas da aposentadoria e da remuneração como jornalista de um periódico, e partiu em busca do seu objetivo.
     Com a colaboração da antiga amiga Rosa Cabarcas, proprietária de um prostíbulo, conseguiu contatar uma jovem de quatorze anos que terminou despertando a paixão do idoso, ao ponto de influenciar os textos de suas crônicas divulgadas no jornal aos domingos.
       Apesar de o tema margear a pedofilia, o texto é escrito de forma arguciosa, e o leitor, sem perceber, é levado a desviar a atenção para outro ponto: a carência afetiva do indivíduo de noventa anos. Assim, a história se desdobra chamando a atenção para o amor e admiração entre os parceiros.
       Garcia Márquez coloca em discussão a possibilidade de pessoas viverem noventa anos sem nunca terem experimentado relações amorosas desprovidas de preconceitos e barreiras.
No caso específico, o idoso jornalista que sempre pagava pela companhia de mulheres para não se comprometer, terminou experimentando sentimentos próprios de jovens apaixonados, ao ponto de transbordá-los nas crônicas semanais no jornal El Diário de La Paz.
O envolvimento amoroso com a jovem garantiu ao jornalista deixar de ser um colunista medíocre para se tornar um escritor da primeira página, tal era a emoção imposta nos textos, percebida pelos leitores, que aguardavam, com ansiedade, as edições dominicais.
       Com a jovem Delgadina, o jornalista não mantinha relações sexuais. Bastava contemplá-la ao vê-la dormir em um dos quartos do bordel da cafetina Rosa.
Após a ocorrência de um assassinato no bordel os dois amantes foram separados, e o desencontro provocou no idoso, sentimentos doentios de adolescentes, intensificados pela distância entre eles.
Durante meses o velho cronista pôde sentir a intensidade da vida e se permitiu aguardar a morte, satisfeito por ter conseguido amar alguém.
         A história apresenta um colorido psicológico, contrapondo valores morais, e faz lembrar a complexidade do que é envelhecer.

Informações sobre o autor – O escritor colombiano, Gabriel José García Márquez, apelido Gabo, nasceu em 1928 na aldeia de Aracataca, na Colômbia. Cedo abandonou a casa dos pais e trabalhou em diferentes empregos. Fez seus estudos em Barranquilla e chegou a iniciar o curso de direito em Bogotá, época em que publicou seu primeiro conto. Exerceu o jornalismo em Cartagema, Barranquilla e no El Esplendor, de Bogotá. Foi correspondente das Nações Unidas em Nova York. Recebeu Prêmio Nobel de literatura por sua obra que entre muitos outros livros inclui “Cem anos de Solidão”. 
Referência bibliográfica
García Márquez, Gabriel, 1928 -
Memória de minhas putas tristes / Gabriel García Márquez; tradução Eric Nepomuceno. 8ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2005.
127p.
ISBN 85-01-07265-6
Tradução de: Memoria de mis putas tristes
1. Romance colombiano. I.Nepomuceno, Eric, 1948. II.Título.

DAVID GONÇALVES - BIOGRAFIA - OBRAS

DAVID GONÇALVES

David Gonçalves nasceu em Jandaia do Sul [Pr], em 10 de agosto de 1952. Escritor, pesquisador, consultor de empresas, dedica-se a ministrar cursos e a proferir palestras sobre vendas, marketing, gerenciamento, liderança, motivação e literatura em todo o Brasil. É autor de mais de vinte obras, entre elas O sol dos trópicos [romance] e A mágica do pensamento construtivo[comunicação, liderança, motivação]. Premiado nacional, seus trabalhos são diretos, de fácil entendimento, com exemplos práticos. Consultor de empresas com sólida experiência, promove o crescimento e o desenvolvimento das pessoas e de organizações. Suas obras técnicas e literárias são amplamente lidas nas empresas e nas escolas e diversas teses já foram escritas sobre elas. Dedica-se à literatura desde os quinze anos, quando escreveu o seu primeiro conto intitulado "O pote de ouro", que nunca foi publicado. Dos dezesseis aos dezoito anos, escreveu o primeiro romance "Bagaços de gente", um calhamaço com 250 laudas datilografadas, que também nunca foi publicado. Aos vinte anos, escreve e publica o romance As flores que o chapadão não deu [1972]. David Gonçalves gosta de viver de maneira simples, aprecia a cultura brasileira, e nunca cansou de maravilhar-se pelas belezas da vida.

Atualmente o autor está se dedicando a um romance épico sobre a Amazônia. 

Obras Literárias

Geração viva, contos, 6ª edição.


Adorável Margarida e outras histórias de bichos, contos, 1ª edição.

Até sangrar, contos, 1ª edição.

O homem que só tinha segunda-feira, contos, 2ª edição.

O campeão, romance, 3ª edição.

Terra braba, romance, 13ª edição.

Águas de outono, romance, 3ª edição.

As flores que o chapadão não deu, romance, 7ª edição.

O rei da estrada, romance, 3ª edição.

Os caçadores de aranhas, romance, 3ª edição.

Paixão cega, romance, 3ª edição.

O sol dos trópicos, romance, 3ª edição.

Pó e sombra, romance, 2ª edição.

O assassino da rua 1500, contos, 3ª edição.

Acima do Chão, romance, 3ª edição.

Contos escolhidos, contos, 1ª edição.

A princesa e o anjo negro, contos, 1ª edição.

Fábulas de Sucesso, Contos, 2ª edição.



Obras Infantojuvenis

Adorável Margarida, conto.

A vaca no quarto andar, conto.

A mulher barbada, conto.

Por seus olhos, conto.

Sapatos de capim, conto.




Obras Técnicas

Varejo – os primeiros passos para o sucesso, Sebrae-Fpolis, terceira edição.

Serviços – os primeiros passos para o sucesso. Sebrae-Fpolis, segunda edição.

Indústria – os primeiros passos para o sucesso. Sebrae-Fpolis, segunda edição.

Marketing pessoal: a essência do sucesso. Sucesso Pocket, terceira edição.

A mágica do pensamento construtivo. Sucesso Pocket, terceira edição.

Motivação: sem mágica, sem mistérios. Sucesso Pocket, segunda edição.

Vendas & marketing – como criar e manter Clientes. São Paulo, Rumo, terceira edição (esgotada).


O segredo da delegação eficaz. Hdv, edição esgotada.


MAIS INFORMAÇÕES,CONSULTE O SITE: www.david.goncalves.com.br


Um trabalhador braçal da literatura

Germano Jacobs



Nem bem o galo termina a serenata matinal, David Gonçalves já está com a mente em ponto de bala. Hábito enraizado desde seus tempos de menino no campo em Jandaia do Sul, Paraná, o escritor inicia nas primeiras horas da manhã o prazeroso e muitas vezes doloroso processo de criação. Antes escrevia com esferográfica num desses cadernos escolares de infindáveis páginas. Hoje, com a tecnologia disponível, rendeu-se ao computador portátil, que o acompanha em todos os lugares. Se a ideia pinta, é imediatamente anotada, para ser desenvolvida na ocasião própria.


David Gonçalves, na verdade, é um trabalhador braçal da literatura. As palavras são semente plantadas no papel, terra virgem deflorada e que gerará frutos apreciados pelo leitor. Agricultor-escritor que firmou um pacto com os deserdados da fortuna, os marginalizados, que não perdem, apesar de tudo, a dignidade. Nesse sentido, David Gonçalves imprime sua narrativa, e não tem contemplação com os poderosos que, por exemplo, sugam a alma dos boias frias. São personagens que invariavelmente habitam sua ficção e a cidade de Quadrínculo, cenário em que se desenrolam os dramas e as paixões humanas.

Com vários livros de contos e romances publicados, David Gonçalves continua, com entusiasmo juvenil, sua labuta. Para refrescar as idéias, como ele mesmo revela, não dispensa a dupla Tonico e Tinoco, que deixou para a posteridade memoráveis gravações. O escritor é um estudioso da música sertaneja e com ela se emociona, pela sua simplicidade e entendimento das carências de um povo sofrido.

A literatura de David Gonçalves é profunda, rebelde, que não se conforma com as injustiças. A sua pena não paira ao vento sem sentido. A sua pena é lâmina de aço que rasga o peito e atinge em cheio a sensibilidade do leitor. A sua literatura é feita para perdurar, para não se perder na terra estéril.
( A NOTÍCIA - ANEXO )


OPINIÕES, CRÍTICAS, LEITORES

  “A sua linguagem é verdadeiramente popular, mas um popular trabalhado para ser popular, pois o autor sabe extrair da literatura oral as forças vivas de suas narrativas, todas elas comprometidas com os destinos sociais do homem brasileiro.”
            “No panorama da literatura brasileira, a obra de David Gonçalves, inteiramente voltada para a ficção, ocupa lugar especial e de relevo; é uma das mais importantes da atual ficção, estando no mesmo nível de autores consagrados.”
Gilberto Mendonça Teles
Poeta, Ensaísta, Prof. Titular de Literatura
Brasileira – PUC – Rio
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            “... uma obra densa e profundamente enraizada na vivência simples e sofrida de pequenos agricultores e trabalhadores volantes, extraindo dela atributos universais do homem: a angústia, o desejo de poder, a revolta ante o absurdo da existência, a perplexidade ante a morte.”
Miguel Sanches Neto
Ensaísta, Escritor, in “Nicolau”, vol. 33
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            “O sol dos trópicos é romance duro, trágico, intransigente mas vigoroso, não faz concessões fáceis, não incorre em arranjos de felizes coincidências, não cria nem estimula situações de otimismo sem consistência; mas aperta o cerco por todos os lados, desilude, deprime, frustra, massacra a condição humana, mas impressiona com seu realismo, sua imparcialidade em visualizar todos os lados das questões.”

Lauro Junkes
Ensaísta, Professor de Literatura e
Presidente da Academia Catarinense de Letras
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            “Ele é vanguarda, assume formas novas, modifica os comportamentos e exige transmigração de valores: para entendê-lo é preciso, antes de tudo, pôr-se dentro do Brasil, entender e pensar as mutações estruturais da sociedade.”

Vicente Ataíde
Ensaísta, professor de Literatura e Editor,
In “Atualizações das formas simples”
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            “Sua obra, refugiada em uma aparência simples e despretensiosa, à medida que a fruímos, vai-nos revelando uma narrativa profunda, consistente, carregada de denúncias e de procedências; descortina-se, pois a obra densa que se mostra denunciadora.”

Denise Demétrio Kowalski,
Professora de Literatura, Curitiba-Pr,
Autora de tese sobre o autor.
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“Posso dizer que este conto –“Apocalipse segundo Quadrínculo” – é a flor que brotou no chapadão árido do autor. Muito feliz na construção, na linguagem e, sobretudo na fixação do evento que leva a um final que se começa a adivinhar nos últimos parágrafos, uma vez que a situação daquela massa de personagens, os boias-frias, só pode conduzir a um funesto desfecho.”

Glauco Rodrigues Corrêa,
Professor de Literatura e Escritor, in
Jornal de Santa Catarina.
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“O realismo dos contos de David Gonçalves, muitas vezes, choca o leitor; mas se vivemos em uma sociedade em que o absurdo se transforma em ato corriqueiro e cotidiano, só a verdade crua e nua pode tocar as pessoas e fazê-las pensarem o mundo e a si mesmas no tempo e no espaço da história.”

José Fernandes,
Doutor em Letras, Escritor e Ensaísta,
Goiânia-Go.
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“Igualmente história de emoção e de violência, porém de recorte mais popular, vale dizer, realçando mais o entrecho, o andamento da narrativa em si. Centrado na vida e nos costumes dos caminhoneiros, desenvolve-se com bastante ação e muita habilidade de narrar, qualidades que já percebera em livro anterior, Acima do chão, (Rumo Editora, São Paulo, 1992). Neste O rei da estrada, Gonçalves volta a exercitar sua habilidade narrativa, condição básica para quem deseja escrever um romance. Muito bom.”
Fernado Py,
Ensaísta e escritor, in Tribuna de Petrópolis—Rio.

“E entre a denúncia do mundo que o transformou nas flores que o chapadão não deu e a exaltação do direito de peso da sua culpa/cor, atravessa o rio da memória cujas águas, ora mansas, ora tumultuosas, o levam ao chapadão sem flores como a sua alma, para começar uma nova história.” 
Maria Gabriela Costa – Alagoas
Ensaísta e Professora de Literatura,
Autora de tese de mestrado sobre o autor.
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“O que me interessou sobremaneira em Varandão de luar (primeiro livro de contos do autor, editado em mimeógrafo, ainda quando estudante universitário) de David Gonçalves foi um discurso narrativo em que, tanto ao nível formal como no nível temático, os elementos de teor realístico-regionalista se fundam inextricavelmente com elementos míticos-fantásticos. Fielmente receptiva embora à verossimilhança e ao pitoresco dos tipos humanos, do linguajar e dos costumes da comunidade rural norte-paranaense, a voz do narrador não se afaga nunca numa função meramente anovadora, quer no plano descritivo, quer no plano narrativo, daquele microcosmo telúrico e social: pelo contrário, a sua indissimulada presença lírica constitui um dos grandes sortilégios destes textos.” 
Vitor Manuel de Aguiar e Silva – Coimbra,
Ensaísta, Professor de Literatura.



ESTUDO CRÍTICO
 A Problemática do Mal em O Sol dos Trópicos de David Gonçalves: uma abordagem ética e filosófica .¹Maria Suely de Oliveira Lopes²
                      O objetivo deste estudo é de refletir sobre o mal na narrativa simbólica O Sol dos trópicos de David Gonçalves numa perspectiva filosófica e ética. Para sustentação teórica utilizaremos o pensamento de Paul Ricoeur , um dos mais distintos filósofos do seu tempo e um dos maiores e mais brilhantes pensadores da segunda metade do séc. XX. O seu pensamento antropológico e ético é construído a partir de uma ontologia e estrutura-se em torno da problemática do mal que se acha sempre desafiante para o pensamento filosófico.
Palavras-chave: Hermenêutica. Epistemologia. Ética. Mal. 
                   A obra O Sol nos Trópicos (2010) de David Gonçalves relata a história de um padre que vivência um grande conflito moral. Seus desejos carnais, suas angústias, aventuras e dilaceramentos morais a que disto decorrem além de seu não bom relacionamento com o seu superior o Bispo, permeiam o espaço de sua narrativa, aparentemente simples pela linguagem, ressignificada através de semas que recorrem às questões sociais dos Bóias Frias em primeiro momento , mas  o fator diferencial entre as semelhanças dos fatos narrados que de fato se destaca é o drama existencial de um homem que se sente encurralado pelo mal,dado importante na obra,que norteia toda a trama e que constitui o núcleo em volta do qual se vai  esboçar a sua antropologia.
                   Com efeito, só é possível fazer uma abordagem do projeto antropológico e ético através da integração do problema do mal e do conflito entre voluntário e involuntário. A questão do mal consiste ser um desafio para o pensamento filosófico. Desafio, na medida em que tal questão permite ultrapassar a simples lógica da racionalidade por meio da inserção de diversos níveis de discurso, incluindo aqueles que, habitualmente, são considerados, em princípio, como não racionais. Além disso, como sugere Ricoeur que o problema do mal é uma questão sempre em aberto pela sua insolubilidade pela 
________________
1-Trabalho apresentado à Disciplina Poética do Imaginário ministrado pelo Profº Doutor Sebastien Joachin.
2-Aluna Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Letras pela UFPE
via meramente racional. Dessa forma, há múltiplas respostas relativas à problemática do mal, que remetem sempre para a estrutura básica da realidade humana
 Na obra em estudo, de forma efetiva, o homem apresenta-se nas suas variadas relações com o mundo, consigo mesmo e com os outros. Isto constitui o centro de toda a reflexão. E nessa relação se depara com o conhecimento global que o ser humano possa ter de si mesmo é o fundamento da compreensão dos diferentes planos da ação humana e, ao mesmo tempo, conduz-nos à problemática de saber em que medida essa ação pode ser livre e responsável.
                   A questão apontada acima é sem dúvida a principal preocupação de Ricoeur como aponta Pellauer(?). Por isso, a sua reflexão é um esforço permanente para abarcar as várias dimensões do ser humano na sua totalidade, sem nunca perder de vista a perspectiva concreta: a sua inserção nas circunstâncias da vida e, e a não realização do seu ser à margem das condições históricas e culturais. O percurso do pensamento de Ricoeur é, pois, um esforço permanente para introduzir no âmbito do pensamento todos os aspectos que possam contribuir para a compreensão global do ser humano, enquanto ser problemático, em confronto consigo mesmo, com a existência e com a transcendência.
                  Em O Sol dos Trópicos, acerca do que defende Ricoeur ,o que se observa é a temática do mal que se insere de forma a dilacerar o ser humano.À propósito citamos o personagem Padre Deuteronômio  que passa a viver um dilema existencial pelo fato de ter engravidado uma jovem moça de nome Eleonora,de ter sugerido o aborto a referida jovem e de ter cometido um assassinato.Seu drama assemelha-se ao do personagem Amaro da Obra O Crime de Padre Amaro de Eça de Queiroz. Pois o ponto convergente entre uma e outra é a presença do mal com algo destruidor da natureza humana. De acordo com Deleuze (2006), o mal é apontado nessa relação como sendo a repetição compexa difrentemente da pura, ainda que os dois conceitos tendam a reunir-se e a confundir-se. A diferença, conforme o pensamento de Deleuze (2006,p.10) à divergência e ao descentramento perpétuos da diferença correspondem rigorosamente um deslocamento e um disfarce na repetição.   O conceito de repetição tal que as repetições físicas, mecânicas ou nuas (repetição do mesmo) encontrariam sua razão nas estruturas mais profundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um diferencial.
            Inserimos nessa análise a experiência do voluntário e involuntário. O voluntário e o involuntário na opinião o Ricoeur são entendidos na interpretação de Pellauer (?) como recíprocos por que de outro modo nenhum nem o outro fenômeno é realmente inteligível. Só compreendemos a natureza humana mediante ambos, do contrário não teríamos um conhecimento formulado dos seres em geral. A obra em destaque coloca Deuteronômio nessa encruzilhada.Seus atos podem ser enquadrados nessa lógica filosófica da reciprocidade.Nenhuma falha sua fora cometida voluntariamente.Pois para isso deveríamos considerar essa categoria isoladamente;mas o que afirmamos aqui,é que o mal acontece obedecendo essa lógica:o voluntário só pode revelar-se por meio do ou em relação ao involuntário.Vejamos o excerto  abaixo:
‘’É agora ou nunca!’’_disseram os diabinhos. ‘’E agora!”_repeti. Voei em cima do frei com a faca brilhosa de matar cabritos. Furei várias vezes para pelas costas. Ele saiu caminhando frouxo, o sangue esguichando vermelho, borrado o chão da sacristia. (GONÇALVES,2010,p.245)
                 Como podemos observar Deuteronômio não tem conhecimento direto ou imediato de si mesmo. Foi impulsionado a matar o Frei Paterno. De acordo com Pillaueur interpretando Ricoeur’’conhecemos a nós mesmos apenas indiretamente, em termos do mundo objetivo e de nossas ações nele’’   (  ?  ).Dessa forma destacamos o mal provocado com algo que já está inscrito no  pensamento da natureza humana, ainda que não tenhamos a plena consciência desse conhecimento que nos assedia. Deuteronômio comete falhas porque já faz parte de sua condição humana e se deixa seduzir pelo mal (pensa ele) em detrimento de sua culpa. O mal já reina anteriormente ao homem.Ricoeur (Conflito das Interpretações) nos diz que entramos no mundo da inculpação racional, a do juiz e a da consciência inescrupulosa.
               Na obra O Sol dos Trópicos questionamos a todo instante uma filosofia do sujeito, utlizando-se como suporte epistemológico sobretudo a Filosofia da Vontade. Todavia, o problema do mistério escapa às exposições husserlianas, porque todas as problemáticas por ele abordadas se desenvolvem de forma puramente ininteligível. Neste sentido, a fenomenologia de Ricoeur, utilizada na Filosofia da Vontade, não pode ser caracterizada como uma fenomenologia pura, no sentido de Husserl, mas como uma fenomenologia da existência. É nessa perspectiva que a questão do mal se insere na obra em estudo. Deuteronômio representa a própria tragicidade da existência humana. O mal o obrigou a encontrar outros modos de relação que se igualassem a sua culpa  exigindo um compromisso com a ação efetiva. Destacamos o trecho abaixo que mostra Deuteronômio refletindo sobre a vida e sobre seus atos: 
    Não passa de um trapo velho usado para limpar o mundo. Por que a vida não lhe abandona e acaba de vez com aquela farsa? Por que não o empurram para sempre à fogueira pra crepitar?(...) Venham todos. Aproveitem a carne é fresca. Já estou morto, furem os meus olhos, arranquem as minhas tripas, dividam o meu corpo. Venham! (GONÇALVES, 2010, p.293)  
                    É interessante lembrar que projeto antropológico de Ricoeur começa com a Filosofia da Vontade.  A finalidade é, com efeito, a análise e descrição da ação voluntária em si mesma obedecendo a uma exigência de clareza racional de modo a que as estruturas do voluntário e do involuntário possam surgir em toda a sua pureza nos três momentos da volição: decisão, ação e consentimento.
                 O que Ricoeur defende não se trata, então, de descrever o ser humano na sua existencialidade, mas apenas de fazer emergir as possibilidades estruturais da vontade que estão na base de toda a ação e de toda a faticidade, mostrando, ao mesmo tempo, a relação dialética entre elas. De fato, na base das análises eidéticas da reciprocidade entre o voluntário e o involuntário existe uma dialética da atividade e da passividade, de afirmação e de negação e consequentemente da culpa e da confissão que os dinamiza. No caso especifico de O Sol dos Trópicos , o fato de Deuteronômio praticar o mal poderia muito bem ser um simples acidente da vontade. Neste ponto do seu percurso, Ricoeur põe em marcha uma nova proposta, reclamada, aliás, pela presença deste ‘corpo estranho’ na eidética do homem; mas também pelo fato de que a culpa não se manifesta por uma linguagem direta – como acontece no caso dos aspectos revelados pela eidética -, mas através de uma linguagem indireta, metafórica ou simbólica. Por isso, não é possível uma fenomenologia direta da problemática do mal; pelo contrário, esta última exige uma descrição empírica dos indícios do mal e uma hermenêutica da linguagem simbólica através da qual se pode esclarecer o percurso que vai da inocência à culpa.
O certo é que na obra O Sol dos Trópicos o mal é cometido, mas também é sofrido, sentido. Ainda que o ser humano não esteja na origem do mal, a verdade é que é quem o pratica; o mal se manifesta nos seus atos existenciais e, por isso mesmo, o mal é obra da sua liberdade; confessá-lo implica assumir-se como sujeito ou como objeto do mal; sendo assim, a confissão do mal é um pressuposto fundamental da consciência da liberdade. O espaço de manifestação do mal só aparece quando o reconhecemos, quando o aceitamos por decisão deliberada. Considerar o mal do ponto de vista do mal cometido e da sua confissão significa, pois, declarar a liberdade e responsabilidade humanas e, ao mesmo tempo, reconhecer que está nas mãos do homem a possibilidade de evitá-lo. Ricoeur afirma a este propósito:
             Afirmar a liberdade é assumir em si a origem do mal. Com esta proposição estabeleço um laço tão estreito entre mal e liberdade que estes dois termos se implicam mutuamente; o mal tem o significado de mal porque é a obra de uma liberdade.http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/tavares01.pdf 
                  A decisão de compreender o mal através do homem e sua liberdade é em si mesmo um movimento livre de um ser que toma o mal sobre si. Do mesmo modo essa decisão consiste ser a declaração de uma liberdade que reconhece sua responsabilidade, que confessa considerar o mal como mal cometido, e que confessar estar em suas mãos à possibilidade de não fazê-lo. Logo, a liberdade não é fonte originária do mal.
               Portanto, a mal sempre afeta existência humana, seja o ser humano tomado ou como objeto e, por isso mesmo, deve haver um meio através do qual se possa exprimir o mal cometido ou sofrido. Na interpretação de Ricoeur é a confissão, que, através de uma linguagem simbólica, – por vezes ocultadora e outras desveladora – passa a ser o meio pelo qual a vontade exprime o pecado, a culpabilidade e o sofrimento. Sem a confissão, as emoções permaneceriam encerradas no interior do homem, impedindo a tomada de consciência de si. É o que ocorre na obra em questão, pois o personagem principal é tomado por um profundo arrependimento, após ter cometidos atos impuros; ele se julga culpado vivenciando uma espécie de martírio podendo ser entendido como uma simbólica da catarse. Pela confissão o homem é palavra até na experiência de seu absurdo, do seu sofrimento, do seu desespero.
                 Outro aspecto relevante a essa temática do mal na obra questionada e o ato de decidir e o movimento voluntário. O que os separa não é um intervalo temporal, mas conceitual (Pellauer:Compreender Ricoeur,?).O que decidimos não deixa de ser um projeto,embora tal projeto precise ser colocado á prova de ser efetivamente executado ou saber se pode sê-lo. Nesse sentido decidir é uma capacidade que desempenha papel preponderante pelas personagens de O Sol dos Trópicos, tanto da parte de Deuteronômio em relação às suas falhas, quanto da parte de Eleonora, quando tem que decidir se comete o aborto ou não. Vejamos o fragmento abaixo: 
‘’Querida Eleonora: Tudo entre nós está acabado. Resolvi seguir o meu destino. Serei sem dúvida,  um padre.Me esqueça.Apague o que aconteceu entre nós.Só me dedicarei a Deus e a mais ninguém.Tudo está acabado.Escolhi o meu destino.Vou cumpri-lo.Fiz o possível para não cair em tentação .Mas cai.Agora estou buscando o meu perdão.Não o culpo.Fui fraco.Não resisti e cai em pecados.Acredito em Deus e tenho certeza que tudo terminará bem.Logo você me esquecerá.Há muitos jovens.O amor reina em todos os corações.Tão logo esqueça de mim,apaixonar-se á por outro e a felicidade reinará em seu coração aflito.(...)Quero guardá-la como uma doce lembrança.Os dias que passamos juntos foram os mais felizes .Até hoje, pelo menos. E não acredito que terei outros. Perdoe-me. Sigo o meu caminho. Seu e para sempre, Deuteronômio. P.S._Sugiro que faça o aborto, caso esteja grávida. Assim não haverá nenhuma vergonha futura’’. (GONÇALVES, 2010, p.194)  
                 Logo, pelo que foi exposto acima, o que torna voluntária uma ação e caracteriza qualquer decisão é que, conforme Ricoeur (  ) ela inclui uma intenção que poderia ser dita .O que está em jogo é que o projeto pode não ser levado  a efeito.Assim uma decisão pode ser entendida tanto como um pensamento (do que está por ser feito) quanto um julgamento (de fazê-lo).Portanto , uma decisão é como um acontecimento, no sentido de que se resume em tomar uma posição,que é, na verdade, um ato pessoal.Lembramos aqui o caso específico de Eleonora que resolve ter o filho, mas acabará cometendo  o suicídio. De outra forma, a decisão projeta um futuro, pois se caracteriza por certa expectativa. Não tanto do ainda por vir quanto o futuro perfeito, do que terá acontecido. Dessa forma, o futuro é uma condição da ação, ainda que  nossa tentativa de descrever o voluntário corte-o em fatias  de momentos atemporais diversos.
                   Tudo isso nos leva a crer que uma decisão é uma capacidade. A nossa experiência vivida mais básica, se resume no argumento do que ‘’ eu posso’’. Essa maneira de falar conecta um aspecto reflexivo em toda decisão, como ‘’ eu me resolvo a fazer algo’’. Essa fenomenologia da decisão  remete a questão da motivação que é outro ponto que se discute na obra O Sol dos Trópicos.
                   Sobre a motivação, não há decisões sem motivos. A questão óbvia é se os motivos são causas que podem ser conhecidas  e entendidas antes dos efeitos. Mas o mesmo não vale para os motivos. De outra forma, os motivos só são compreendidos e fazem sentidos em relação a uma decisão. Não podemos nem começar a falar de um motivo separado de uma de uma decisão e qualquer decisão torna possíveis sobre os motivos possíveis. Aqui a relação é recíproca. Como diz Ricoeur(?) um motivo ‘’ determina a vontade somente enquanto a vontade  determina a si mesma.Logo os motivos operam mais no nível do sentido que das causas naturais. Eles fornecem a base para as decisões, uma maneira de justificá-las, de legitimá-las.
                  Um outro aspecto da fenomenologia dos motivos envolve a sua relação de valores.Como Diz Pellauer:
Há  um sentido implícito de avaliação em todo o motivo.Uma conclusão que Ricoeur ira aqui é que os valores  se nos afiguram primeiro como possíveis motivos para as decisões. O que sugere que há  sempre uma dimensão ética implícita  na ação humana ou a limitá-la.( ?)
                    Nesse contexto, há sempre um momento receptivo em toda ação voluntária, algo que muitas vezes exprimimos por metáforas: para o qual nos voltamos, nos abrimos  ou fechamos, a que aderimos ou que adotamos.
                  Em suma, a fenomenologia da vontade mostra-nos que não se pode compreender o voluntário sem o involuntário na medida em que este está na base daquele, seja como poder constituído, seja como limite necessário a ação.  A fenomenologia existencial chama atenção para a reciprocidade para a teoria do voluntário e involuntário.
                  Se é verdadeiro que, por um lado, o homem falível nos mostra a desproporção que está na base do ser humano, ao fundamentar a possibilidade  do mal, permanece, a este nível, sérias dúvidas sobre o salto efetivo,fático em direção ao mal. O enigma da culpa reside   no abismo que  se estabelece entre a possibilidade do mal e a sua realidade efetiva.
                O certo é que na obra em análise O Sol dos Trópicos  finitude e  culpabilidade vão abordar a  situação paradoxal do ser humano,situado entre o mal que ele mesmo introduz no mundo, e o mal com já existente antes.
               Nessa abordagem o problema do mal passa a residir entre um campo ético ( o mal com uma realidade que é possível em função do ser humano e que,por isso, aponta para a sua responsabilidade) e um campo trágico( o mal como algo ‘’já aí’’,previamente dado,inevitável). Este último campo implica a ausência de responsabilidade humana, no que diz respeito a sua origem,mas não a sua culpa.
                O mal está aí como um desafio para a humanidade. E neste sentido é impossível eliminá-lo. Ele é constitutivo do ser humano no mundo e na história. O que fica dito diante da leitura que fizemos da obra O Sol dos Trópicos é que viajamos no mundo da interpretação e do sentido buscando justificar a lógica da simbólica do mal no agir humano.                
                                                      
    Referências bibliográficas 
O Conflito das Interpretações. Trad. M.F.Sá Correia. Porto-Portugal:Editora Rés,1988 
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Tradução d Luis Orlandi,Roberto Machado.-Rio de Janeiro.:Graal,1988,1ª Edição,2ª edição, 2006.
GONÇALVES, David. O Sol dos Trópicos. Joinville, Sucesso Pocket,2010.
PELLAUER, David.Compreender Ricoeur.Editora vozes.(incompleta)
Tavares, M. (2006). Fundamentos metodológicos do pensamento antropológico e ético de Paul Ricoeur: o problema do mal. Memorandum, 10,136-146Retiradoem22/o5/2010, do World Wide Webhttp://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a10/tavares01.pdf 136

O sol dos trópicos, um romance singular - José Fernandes
             A arte se compõe de segredos que a própria arte desconhece. Basta que apareça um artista capaz de transformar pedra em seres simbólicos; tinta, em imagens que falam aos olhos de quem as contempla; história, em discurso, linguagem, revelação do humano do homem, como se pronunciasse de novo o faça-se inicial, para que ela encante pelo mistério e pela magia da palavra. O sol dos trópicos, do jandaio-joinvilense David Gonçalves, em sua terceira edição, é um exemplo de depuração da linguagem, de elaboração da estrutura narrativa, de trabalho insano em busca da perfeição formal, de composição de uma trama em que se engastam personagens de várias estaturas sociais.
            Se no início do século XX houve romances marcantes, em que a questão social, notadamente do nordeste, fora explorada pela ficção e pela história, segundo os princípios positivistas defendidos por Taine, como o vemos, sobretudo, em Os sertões, no modernismo, o social vai ser a pedra de toque sobre que muitos romancistas erigirão suas obras, como se vê em Vidas secas, em que o ficcionista abandona a visão do parapeito da fazenda, observada em Lins do Rego, e coloca os olhos das personagens a partir do terreiro, da perspectiva de quem sofre na pele os desníveis da sociedade. Se estes romances marcaram uma nova fase na ficção brasileira, com O sol dos trópicos, notadamente nesta edição, David Gonçalves fecha o século com uma narrativa múltipla em que a maioria dos problemas sociais é abordada sob a ótica da simplicidade, como o fizeram Graciliano Ramos, Bernardo Élis e Lúcio Cardoso, em Maleita.
            A diferença entre a obra de David e as produzidas na primeira metade do século XX reside na multiplicidade da trama envolvente, uma vez que consegue em uma única narrativa abarcar quase todas as dimensões do social e até do metafísico. As grandes perguntas a respeito da vida nacional, cada dia mais deprimente, são colocadas com especial ironia, a ponto de o romance se tornar singular e múltiplo. Singular, exatamente por constituir, ao contrário do que faziam os ficcionistas anteriores, uma imensa alegoria, uma imensa sátira à cultura da safadeza e à incultura nacional. A corrupção política¾ mal execrável da brasilidade, todos os dias escancarada em todos os poderes ¾ é caricaturada de forma alegórica, porque miscigenada pela demagogia, pela mentira e pela desfaçatez do deputado, metonímia do sistema.
            A trama, sabiamente arquitetada entre política e sem-terras, repete jargões utilizados pelo poder, a fim de descaracterizar esta ferida social e fugir às soluções que a situação requer. Atribuir-lhes a pecha de “comunistas” encobre ideologias que transitam entre sistema político-econômico e sem-terras, à medida que ambos se valem dela como proteção, com objetivos diversos: preservar o bem, para uns, e adquiri-lo através de uma espécie de direito natural, para outros.
            Aliada à ideologia dos “oprimidos”, o narrador cria personagens e ações representativas da cultura brasileira, materializada na música de raiz, música caipira, a fim de defendê-la das investidas da mídia e da cultura importada, responsáveis pela extinção do sentimento do povo. Sentimento substantivado na simplicidade e, sob certo sentido, na inocência, visualizadas na tentativa de traduzir as letras para o inglês. A figura inconfundível do professor manietado a outra cultura simboliza bem a capacidade de o brasileiro “singe” – macaco –, de Mário de Andrade, valorizar o que vem da “estranja” em detrimento do que se produz e se pratica em todos os níveis artísticos representativos da brasilidade.
            O nó da narrativa se avulta na figura do Padre Deuteronômio, personagem que se situa entre duas fronteiras distintas: a social, física, e a metafísica, teosófica, à medida que ele vive todos os problemas da sociedade de Quadrínculo, como o sequestro e o assalto ao banco, e os próprios limites, tanto na voz do narrador, quanto nos monólogos interiores, em que se transforma em linguagem e se revela sublime e humano, superior e inferior, capaz de resolver os problemas dos paroquianos; mas refém da condição humana.
            Sem dúvida, O sol dos trópicos é um romance-síntese de todas as verdades sociais do final do século passado e de técnicas narrativas materializadas em uma trama em que se cruzam fios de todas as espessuras e nós górdios que fazem dele uma obra singular que merece ser conhecida, pelo menos, por intelectuais e, principalmente, por professores que tem obrigação de conhecer a literatura nacional por inteiro. Sem dúvida, o melhor romance da travessia e da passagem para o século XXI, insulado ainda no sul do Brasil, porque vivemos um tempo em que a crítica literária preguiçosa e os professores amarrados às linhas de pesquisa só se dedicam a autores canônicos, sem se abrirem para o novo, afogando-se no estreito de Helesponto. Adjuva nos, Domine!