Viagem aos seios de Duília
Aníbal Machado
Depois de aposentar-se, José Maria volta ao lugarejo onde nasceu para reencontrar a moça que lhe proporcionara um momento inesquecível. Quando era adolescente e estava prestes a partir do interior para a cidade grande, Duília, uma adolescente, numa procissão, leva-o para trás de uma árvore e mostra a José os seios lindos e brancos. Agora José Maria aposentado e decepcionado com sua vida metódica e solitária decide voltar ao seu lugar de origem para rever Duília.
Após uma longa viagem do Rio de Janeiro até Pouso Triste, Minas Gerais, José Maria finalmente acha Duília, que se tornara professora e estava velha e decadente. Depois de conversarem alguns momentos, José percebe que não pode recuperar o tempo perdido e sai correndo da casa de Duília indo embora.

O peru de natal
Mário de Andrade
Juca rejeitava a figura do seu pai, homem de "natureza cinzenta", "ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre":
"...Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres".
Passavam-se cinco meses da morte do pai e era Natal.
Nas ocasiões natalinas anteriores, nada de "gostoso" acontecia. Tudo tinha sabor de chateação. Não se gastava dinheiro com peru. Agora, Juca queria um Natal com peru.
Era louco, sim. A família toda, mãe, irmãos, parentes chatos, todos o tinham por doido. Ele próprio se aproveitava de tal situação para dar explicação a seu comportamento "diferente".
Absurda a idéia de Juca venceu. Havia peru com farofa no Natal. À mesa, a mãe, ele e os irmãos. Juca sente extrema afeição pela mãe, pela tia (que morava com eles) e pela irmã, as três mulheres-mães dele.
Peru posto na mesa. E evocação da figura do pai. Uma raiva do defunto toma conta de seus sentimentos. O peru morto é destrinchado. O pai é destrinchado. É uma luta com o peru. É uma luta com a memória do pai.
Aos poucos, diante da felicidade de ver a família reunida, comungando a ceia de Natal, a figura indesejada do pai vai-se anulando. A guerra vai sendo vencida. O pai agora distante: uma estrelinha lá no céu.
Acabada a refeição, todos vão descansar. Juca sai para ver Rose. Beija as três. Para a mãe, ele pisca.

Nhola dos Anjos e a cheia de Corumbá
Bernardo Elis
Conto em 3a pessoa que apresenta transcrições da linguagem interiorana. Ex. “Fio, fais um zóio de boi lá fora pra nóis.”
Nhola dos Anjos vive com o filho Quelemente e seu neto num rancho de palha castigado há décadas pelas chuvas constantes na região de Capivari, no Corumbá. Certo dia, a enchente inunda seu ranchinho e Nhola, Quelemente e o menino usam a porta do casebre como jangada improvisada para se salvarem da inundação. Quando a jangada aproxima-se perigosamente da cachoeira, Nhola dos Anjos, que era paralítica, cai e segura-se apenas por uma das mãos à jangada. Vendo que a posição da mãe arriscava sua vida e de seu filho, desesperado, Quelemente chuta o rosto da mãe, vendo que ela ainda se agarrava, o filho chuta novamente com mais força e a mãe se solta da porta-jangada. Contudo, este pontapé faz com que Quelemente caia. Só então ele percebe que estavam sobre uma parte rasa, pois seus pés tocam o chão. A mãe não podia saber disso por ser paraplégica. Então, Quelemente, arrependido começa a gritar pela mãe: “Mãe, ô mãe! Eu num sabia que era raso” e entra cada vez mais nas águas chamando pela mãe, sendo encoberto lentamente pela enchente.
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Presépio
Carlos Drummond de Andrade
Conto de introspecção psicológica, em 3a pessoa. Conta a história de Dasdores que na noite de natal possui um dilema: ou assistia à Missa do Galo e encontrava o namorado Abelardo, ou montava o presépio em casa, função que no lar só ela desempenhava por tradição. O conto todo narra a angústia de Dasdores em aprontar o presépio e as lembranças do namorado. O narrador habilmente interpõe o trabalho de Dasdores “colocando os pastores na posição” e sua consciência “decifrando os olhos de Abelardo, as mãos de Abelardo”. O conto termina com a noção de que Dasdores não consegue encontrar Abelardo, pois o senhor desta história é o relógio, ou seja, o tempo, contra qual não se pode lutar.

O vitral
Osman Lins
Conto em 3a pessoa, curto e extremamente lírico.
Matilde, uma senhora de idade, avisa ao marido Antônio que seu aniversário cairá num domingo e ela deseja tirar um retrato com o esposo. O marido zomba, no início, dizendo serem ambos velhos e sós, sem filhos, mas depois consente. Matilde fica apreensiva até o dia do aniversário, num estado em que se encontrara a vida toda entre “a espera das alegrias e o receio de não as obter”.
Quando chega o dia, Matilde sai com o marido para tirar o retrato e sente-se imensamente feliz e diz ao marido que a foto vai reter um pouco dessa felicidade, e o marido responde: “Não é possível guardar a mínima alegria. Em coisa alguma. Nenhum vitral retém a claridade.” Ele concorda refletindo: “Que este momento me possua, me ilumine e desapareça. Eu o vivi. Eu o estou vivendo.” Sentia que a luz do sol a trespassava, como a um vitral.


Um cinturão
Graciliano Ramos
“As minhas primeiras relações com a justiça foram dolorosas(...). Eu devia ter quatro ou cinco anos (...) e figurei na qualidade de réu. (...)
Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. (...) Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. (...) Não guardei ódio da minha mãe: o culpado era o nó. Se não fosse ele, a flagelação me haveria causado menor estrago. (...)
Meu pai dormia na rede, armada na sala enorme, (...) levantando-se de mau humor. (...) Sei que estava bastante zangado, (...) e fui encolher-me num canto. (...) Arrancou-me dali violentamente, reclamando um cinturão. Onde estava o cinturão? Eu não sabia. (...)
Onde estava o cinturão? Impossível responder. Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam. (...)
Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. (...) Onde estava o cinturão? (...) A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. (...) O suplício durou bastante. (...)
Solto, fui enroscar-me perto dos caixões, coçar as pisaduras, engolir soluços, gemer baixinho e embalar-me com os gemidos. Antes de adormecer, cansado, vi meu pai dirigir-se à rede, (...) sentar-se e logo se levantar, agarrando uma tira de sola, era o maldito cinturão,que desprendera a fivela quando se deitara. (...)
Se meu pai se tivesse chegado a mim, eu não o teria recebido sem o arrepio que a presença dele sempre me deu. Não se aproximou: conservou-se longe, rondando, inquieto. Depois se afastou. (...) Esse foi o primeiro contato que tive com a justiça.”
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O pirotécnico Zacarias
Murilo Rubião
Conto pertencente à literatura fantástica. Um morto insepulto sai em noitada com um grupo de jovens que o haviam atropelado, causando a sua morte.
"Teria morrido o pirotécnico Zacarias?" Uns achavam que Zacarias estava vivo - o morto tinha apenas alguma semelhança com ele. Outros, mais supersticiosos, acreditavam que Zacarias estava morto: "o indivíduo a quem andam chamando Zacarias não passa de uma alma penada, envolvida por um pobre invólucro humano". Há os que estão convictos do seu falecimento "e não aceitam o cidadão existente como sendo Zacarias, o artista pirotécnico, mas alguém muito parecido com o finado. Uma coisa ninguém discute: se Zacarias morreu, o seu corpo não foi enterrado". 
O próprio Zacarias poderia dar explicações sobre as controvérsias, mas quando se aproxima dos amigos, eles fogem assustados. Ou então, ficam mudos, estarrecidos.
Zacarias estava caminhando tranqüilamente pela estrada (estrada no Acaba Mundo: algumas curvas, silêncio, mais sombras que silêncio), viu as luzes do automóvel (mas não ouviu a buzina) e foi atropelado. As moças soltaram gritos histéricos, os rapazes ficaram curados da bebedeira. 
A primeira idéia consistia em levar o defunto para a cidade, onde o deixariam no necrotério. Mas o corpo poderia sujar o carro. "E havia ainda o inconveniente das moças não se conformarem em viajar ao lado de um defunto". Jorginho, "forte e imberbe _ único que se impressionara com o acidente e permanecera calado e aflito no decorrer dos acontecimentos _ propôs que se deixassem as garotas na estrada e me levassem para o cemitério". Mas assim seria valorizar o cadáver e menosprezar as moças. 
Por fim, a solução final: lançar o cadáver ao precipício, "um fundo precipício, que margeava a estrada". Depois, limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa". Esta solução desagradou Zacarias; resolveu intervir:
"- Alto lá! Também quero ser ouvido".
"Jorginho empalideceu, soltou um grito surdo, tombando desmaiado, enquanto os seus amigos, algo admirados por verem um cadáver falar, se dispunham a ouvir-me".
O defunto falou com a mesma lógica que usava quando era vivo, e os seus argumentos deixaram o grupo em dúvida. Um dos rapazes arranjou a solução: propôs incluir o defunto no grupo e, juntos, terminarem a farra, interrompida com o seu atropelamento.
Só havia um obstáculo: eram três rapazes e três moças; o defunto ia ficar sem companhia. O mesmo rapaz que aconselhara a inclusão do cadáver no grupo encontrou a fórmula conciliatória: "que abandonassem o colega desmaiado na estrada". Para melhorar o aspecto do defunto, bastaria trocar as roupas dele pelas de Jorginho. O defunto aceitou na hora, e a farra continuou.
Os acontecimentos, no outro dia, ficaram meio confusos na cabeça de Zacarias.
"A bebida que antes da minha morte pouco me afetava, teve sobre o meu corpo defunto uma ação surpreendente. Pelos meus olhos entravam estrelas, luzes cujas cores ignorava, triângulos absurdos, cones e esferas de marfim, rosas negras, cravos em formas de lírios, lírios transformados em mãos. E a ruiva, que me fora destinada, enlaçando-me o pescoço com o corpo transmudado em longo braço metálico".
Ao amanhecer, Zacarias lembra-se de alguém perguntando onde ele queria ficar. Não adiantou a sugestão do cemitério: Zacarias foi deixado em um lugar qualquer da cidade.
A vida depois da morte esbarrava na discriminação dos vivos. A falta total de notícias sobre sua morte elevava o grau de desespero. As tentativas de contato com os companheiros da noite fatal resultaram inúteis.
A vida de defunto foi ajustando-se aos poucos. Só um pensamento oprimia Zacarias: "que acontecimentos o destino reservará a um morto se os vivos respiram uma vida agonizante? E a angústia crescia ao sentir que a sua capacidade de amar, discernir as coisas, era bem superior à dos seres que por ele passavam assustados".

Gringuinho
Samuel Rawet
Conto em 3a pessoa, marcado pelo fluxo da consciência. O narrador usa o discurso indireto livre para passear pelos pensamentos da personagem principal: um menino imigrante judeu, sofrendo ao tentar adaptar-se ao novo país. A história obedece aos vai-e-véns da memória do menino que relembra sua terra natal em comparação aos dias atuais, em que é provocado por colegas da escola pelo apelido “Gringuinho”.
O menino chega em casa, vindo da aula e recorda que fora chamado pela professora para ler, mas os colegas sussurrando o apelido “Gringuinho” o distraíram. A professora então vai castigá-lo dando-lhe reguadas nas mãos, ante a satisfação do restante da classe. Gringuinho, entretanto, afasta a professora, não se conteve e esmurrou-lhe o peito rasgando seu o vestido.

O afogado
Rubem Braga
Rubem Braga é o maior cronista brasileiro e nesta crônica que muito se aproxima do conto, apresenta em 3a pessoa um banhista que se vê na iminência de um afogamento. Vencendo o desespero, o cansaço e as ondas que ameaçavam arremessá-lo em um rochedo, o nadador consegue sozinho salvar-se. Depois de chegar à praia, olha com desdém os outros banhistas, pois ele sente-se superior a eles, uma idiota superioridade de quem não morreu.

Tangerine-Girl
Rachel de Queiroz
Uma moça que morava próximo a uma base norte-americana situada no Brasil (Ceará), certa manhã, depois do café, ao sacudir as migalhas de pão da toalha da mesa em seu quintal, desperta a atenção de um soldado que sobrevoava sua casa num dirigível (blimp ou zepelim). O soldado deixa então cair uma caneca branca com a mesma inscrição do blimp “U.S. Navy”. A partir daí, todos os dias a moça sai ao quintal para acenar e receber “presentes” de seu soldado. Um namoro entre “um gavião e uma gazela”. Após meses, a Tangerine-Girl, como era conhecida na base (por ser ruiva, ter um laranjal no quintal) recebe um bilhete para fazer uma visita à base.
No dia marcado ela está ansiosa por conhecer seu “marinheiro enamorado”, mas tem uma decepção, pois vai ao seu encontro um grupo de soldados que alegremente se apresentam.
Então a menina percebe que estava enganada. Não havia um enamorado, mas os soldados se revezavam nos vôos do blimp, muitos até já haviam sido transferidos. A Tangerine-Girl sai correndo, envergonhada, chorando.
Nunca mais a viram no laranjal; embora os soldados insistissem em atirar presentes, viam que eles ficavam no chão esquecidos – ou às vezes eram apanhados pelos moleques do sítio.

Nossa amiga
Carlos Drummond de Andrade
Conto em 3a pessoa estruturado predominantemente de discurso direto (diálogos). É a descrição das atitudes de uma criança de três anos, Luci Machado da Silva. Em visitas constantes a um vizinho, são descritas com lirismo as “excentricidades” da criança. O conto encerra com a descrição da menina brincando de mãe com um filho imaginário, e quando interrompida pára a brincadeira fazendo desaparecer o filho.
“Assim pudesse a mãe antiga tornar invisível seu filho, ante os soldados de Herodes.”

Um braço de mulher
Rubem Braga
Em 1a pessoa, esta crônica retrata um narrador-personagem num avião em meio a uma turbulência. Ao seu lado uma senhora se apavora e segura-se em seu braço. Sentindo-se seu protetor, o narrador afaga-lhe a mão para tranqüilizá-la. O homem que no início olha para a morte com certo desdém e tédio, após ver o braço da mulher apavorada na poltrona da frente, relembra bruscamente da alegria de viver e de amar uma mulher e deseja ardentemente a partir desse momento salvar-se. O avião consegue pousar com êxito e na despedida no aeroporto a mulher, agora acompanhada pelo marido, dá um último sorriso ao narrador.

As mãos de meu filho
Érico Veríssimo
Conto narrado em 3a pessoa, mas que se vale do discurso indireto livre para revelar o íntimo das personagens.
Num teatro há um concerto de piano feito pelo jovem pianista Gilberto. O narrador faz o leitor ir e vir no tempo, relatando ora o concerto, ora as lembranças da mãe na platéia, ora voltado ao concerto ora sondando as reflexões do pai que também assistia ao espetáculo.
Pelas memórias da mãe – D. Margarida – e do pai – Inocêncio, sabemos que o filho (Gilberto – Bentinho) devia sua carreira ao esforço da mãe que sempre trabalhara como costureira para sustentar a família, já que o pai não parava em emprego por ser alcoólatra e que só largara a bebida depois do filho dizer que sentia vergonha de ter um pai bêbado. No final do espetáculo, Bentinho divide os aplausos com sua mãe, em gratidão. O pai envergonhado vai saindo certo de que o filho nada lhe deve, mas ao passar pelo porteiro do teatro diz que o concertista é seu filho e lembra que certa noite quando era bebê e dormia entre o casal, o pai depois de sentir suas pequenas mãos tocando-lhe as costas, ficara acordado a noite toda com metade do corpo fora da cama para não lhe machucar as mãos. Então fica satisfeito por ter cuidado daquelas mãos que agora eram tão habilidosas. No conto todo a simbologia das mãos é importante, as mãos do filho que tocam, as mãos da mãe que costuram, as mãos da platéia que aplaudem... e as do pai, que nada fizeram a vida toda.

A moralista
Dinah Silveira de Queiroz
Narradora em 1a pessoa, conta que vivia na pequena cidade de Laterra apenas com o Pai e a Mãe. Esta era conselheira espiritual da cidade e sua fama crescia gradativamente.
Certa vez a cidadezinha ficara sem padre e a Mãe fazia as rezas, sendo mesmo chamada de “padra”. Aos domingos fazia sermões para o “Círculo de pais”. Uns chamavam-na santa. O pai acreditava, mas a filha narradora revela: “Mas eu não podia pensar que minha Mãe fosse um ser predestinado, vindo ao mundo só para fazer o bem. Via tão claramente o seu modo de representar, que sentia até vergonha.”
Um dia um viciado pede ajuda à mãe e ela chama o rapaz para morar na casa com a família. Aos poucos o rapaz deixa o vício e o jeito efeminado que tinha até então. O rapaz passa a seguir a Mãe em todos os lugares, causando desconfiança na população e desconforto para o marido.
Certo dia o rapaz diz algo à Mãe, que ergue a voz com ele e o manda embora. Em seguida encontram um corpo balançando numa árvore: o rapaz se enforcara. A mãe continua a dar conselhos, segundo a narradora, sem muita convicção.

Entre irmãos
José J. Veiga
“O menino sentado à minha frente é meu irmão, (...) ele regula pelos dezessete anos, justamente o tempo que estive solto no mundo, sem contato nem notícia. (...) A princípio quero tratá-lo como intruso, (...) mas depois vou notando que ele não é totalmente estranho. (...) De repente fere-me a idéia de que o intruso talvez seja eu, que ele tenha mais direito de hostilizar-me do que eu a ele, que vive nesta casa há dezessete anos. (...) O intruso sou eu, não ele. (...)
Tenho tanta coisa a dizer, mas não sei como começar. (...) Ele me olha, e vejo que está me examinando, procurando decidir se devo ser tratado como irmão ou como estranho. (...) Ele me pergunta se eu moro numa casa grande, (...) não tenho casa, há muito tempo tenho morado em hotel. (...)
Ficamos novamente calados. (...) O telefone toca lá dentro e eu fico desejando que o chamado seja para um de nós, assim teremos um bom pretexto para interromper a conversa sem ter que inventar uma desculpa. (...) Francamente já não sei o que fazer, a minha experiência não me socorre, não sei como fugir daquela sala. (...) Eu desejo intensamente um terremoto ou um incêndio, mas infelizmente essas coisas não acontecem por encomenda. (...) Tenho vontade de sair dali. (...)
A porta abre-se abruptamente e a vizinha entra (...): “Sua mãe está pedindo um padre.” Levantamos os dois de um pulo, dando graças a Deus – que ele nos perdoe – pela oportunidade de escaparmos daquela câmara de suplício.”

A partida
Osman Lins
“Hoje, revendo minhas atitudes quando vim embora, reconheço que mudei bastante. (...) Eu queria deixar minha casa, minha avó e seus cuidados. (...) Era boa demais, intoleravelmente boa e amorosa e justa.
Na véspera da viagem (...) ela veio ao meu quarto, curvou-se: “Acordado?” (...) Beijei sua mão enrugada e, antes que ela saísse, dei-lhe as costas. (...) Passava de meia-noite, (...) minha avó levantava-se. Abriu de leve a porta de seu quarto, sempre de leve entrou no meu. (...) Com que finalidade? (...) Cobrir-me ainda? Repetir-me conselhos? Ouvi-a então soluçar e quase fui sacudido por um acesso de raiva. (...) Que me deixasse em paz e fosse chorar longe. (...) Eu não estava morto. (...) Afinal, ela beijou-me a fronte e se afastou. (...) Acordei pela madrugada. (...) Veio-me então o desejo (...) de partir sem dizer nada(...). Ora, (...) que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus? (...) Toquei-lhe no ombro, (...) eu tomaria um café na estação. (...)
Enfim, beijei sua mão (...). Creio mesmo que lhe surpreendi um gesto de aproximação, decerto na esperança de um abraço final. Esquivei-me, apanhei a maleta, e ao fazê-lo, lancei um rápido olhar para a mesa (cuidadosamente posta para dois, com a humilde louça dos grandes dias e a velha toalha branca, bordada, que só se usava em nossos aniversários).”



ANOS 60
CONFLITOS E DESENREDOS
Se o clima dos anos 60 foi de revolução em todos os quadrantes do mundo e dimensões de vida, devemos incluir aí a tremenda explosão de qualidade no campo da ficção curta brasileira. São desta década algumas das realizações máximas no gênero em nosso país. Contos de Clarice Lispector e Rubem Fonseca, por exemplo, legam modelos narrativos que vão influenciar todas as gerações seguintes de escritores. Os contos dos anos 60 falam de nossa contemporaneidade, quase sempre urbana, agitada por conflitos psicológicos e sociais. Desenredam-se laços, tradições. Homens e mulheres se dilaceram em conflitos de identidade. Não há mais lugar para a inocência, o lirismo puro. Ficamos mais adultos. Os leitores inclusive. Querem mais narrativas que traduzam com força dramática e riqueza metafórica as cruezas do real. A literatura brasileira nunca mais será a mesma depois do vendaval dos 60. (Ítalo Moriconi)

A força humana
Rubem Fonseca
Em 1a pessoa, rapaz que trabalha numa academia de musculação e é treinado pelo dono João para ser campeão de fisiculturismo.
Um dia o narrador, que gostava de ficar ouvindo música em frente a uma loja, vê um jovem crioulo, Waterloo, dançando na rua para ganhar dinheiro. Depois da dança, o narrador percebendo o belo físico do crioulo o leva para a academia. João ficara impressionado com a musculatura de Waterloo e lhe dá emprego de ajudante do narrador na academia. Em pouco tempo, Waterloo ganha a preferência de João. Para saber qual o mais forte, Waterloo e o narrador tiram uma queda-de-braço, da qual o narrador ganha com dificuldade e vai embora em silêncio. Vai para a casa de sua namorada, a prostituta Leninha. Vão a uma boate, voltam para casa. Transam pela última vez e o narrador se despede dela. Anda a madrugada toda e de manhã pára na loja de discos mais uma vez.

Amor
Clarice Lispector
Ana, uma mulher casada, pacata e mãe de dois filhos, tinha uma vida doméstica muito calma, donde cuidava dos seus com o esmero e amor típicos de uma pessoa fraterna e sensível. Aliás Ana, em hebraico significa "pessoa benéfica, piedosa".
Certo dia, depois de ir às compras, viu um cego mascando chiclete que muito a impressionou; com a freada brusca do bonde onde se encontrava, os ovos que carregava acabaram quebrando-se. Pronto! A sua paz tão duramente conquistada desapareceu. 
Ana começa a pensar na razão e na verdadeira utilidade de sua vida. Transtornada acabou por descer no Jardim Botânico que por sua beleza fê-la temer o próprio inferno. 
Ao voltar para casa sentia que alguma coisa havia mudado dentro de si, abraçou o filho tão fortemente que o assustou e foi ajudar o marido quando este derrubou o café. Carinhosamente este pegou-lhe a mão e levou-a para o quarto para dormirem.

Gato gato gato
Otto Lara Resende
“(...) Em cima do muro, o gato recebeu o aviso da presença do menino. Ondulou de mansinho alguns passos denunciados apenas na branda alavanca das ancas. (...) No se olharem, o menino suspendeu a respiração. (...) O ar de enfado, de sabe-tudo do gato. (...) Nenhum movimento na estátua viva de um gato. (...) Menino e gato ronronando em harmonia com a pudica intimidade do quintal. (...)
O gato olhou amarelo o menino. O susto de dois seres que se agridem só por se defenderem. (...) O gato (...) deu três passos de veludo e parou. (...) Ah, o estilingue distante – suspira o menino. (...) O gato, o alvo: a pedrada passou assobiando pela crista do muro. O gato correu elástico e cauteloso, estacou um segundo e despencou-se do outro lado, sobre o quintal vizinho. (...) Sumiu. (...)
O menino (...) percebeu que lhe escorrera do joelho esfolado um filete de sangue. (...) Agarrou-se à janela (...) e alcançou o telhado. (...) Até que localizou embaixo, (...) junto ao tanque, um gato dormindo, a cara escondida entre as patas. (...) O menino apanhou o tijolo. (...) Gato gato gato. (...) O tijolo partiu certeiro e desmanchou com estrondo a tranqüila rodilha do gato. (...) A morte inesperada. (...) Os sete fôlegos vencidos pela brutal desarmonia da morte. (...)
Em cima do muro um gato, (...) outro gato(...) transportava para a casa vizinha o tédio de um mundo impenetrável. (...)”

As cores
Orígenes Lessa
“Maria Alice abandonou o livro onde seus dedos longos liam uma história de amor. (...) Sabia estar só na casa que conhecia tão bem, (...) casa grande (...) onde se movia livremente, as mãos olhando por ela. (...) Como seria cor e o que seria? (...) Que seria o claro, afinal? (...) Que seria a cor, detalhe que fugia aos seus dedos, escapava ao seu olfato. (...) E que seria ver? (...) Era o sentido que permitia encontrar o bonito sem tocar. (...) A piedade alheia a cada passo a torturava e Maria Alice tinha o pudor de seu estado. Seria mais feliz se pudesse estar sempre sozinha como agora, movendo-se como sombra muda pela casa. (...)
O livro abandonado sobre a mesa, o pensamento de Maria Alice (...) recordava o tempo que passara no Instituto, (...) onde aprendera a ler. (...) E ali começava a odiar os dois mundos diferentes. O seu, de humildes e resignados, cônscios de sua inferioridade humana, o outro, o da piedade e da cor. (...) Com o tempo, Maria Alice fora identificando as cores com sentimentos. O branco era como barulho de água. (...) Cor-de-rosa se confundia com valsa. Verde, aprendera a identificá-lo com cheiro de árvore. (...) Aquelas associações materiais, porém, não a satisfaziam. A cor realmente era o grande mistério. (...)
E agora Maria Alice voltava outra vez ao Instituto. E ao grande amigo que lá conhecera. (...) Lembrava-se da ternura daquela voz. (...) De como as palavras de amor tinham irrompido e suas bocas se encontrado... De como um dia seus pais (...) a retiravam do Instituto e quando ela disse que pretendia se despedir de um amigo (...) com quem se queria casar, o pai exclamara, horrorizado: (...) “Casar-se com um mulato? Nunca!”
Mulato era cor. Estava longe aquele dia. Estava longe o Instituto, ao qual não saberia voltar, do qual nunca mais tivera notícia. (...)
- Tudo azul? – perguntou Ana Beatriz, entrando na sala.
- Tudo azul – respondeu Maria Alice.”

A máquina extraviada
José J. Veiga
Um narrador do interior conta ao compadre, provavelmente da cidade, a última novidade de onde vive. Certo dia chegaram vários homens em três caminhões e descarregaram uma máquina enorme diante da prefeitura, saindo de madrugada sem darem explicações. Na cidadezinha ninguém havia encomendado tal máquina, muito menos se sabia para que ela servia.
Passado o primeiro momento de espanto e desconfiança, a cidade toda, com exceção do vigário, passa a adotar a máquina como monumento da cidade, sendo ela motivo de orgulho aos seus moradores, tornando-se ainda ponto turístico visitada pelos habitantes das cidades vizinhas. O narrador termina dizendo que o único medo é que surja de repente um jovem instruído da capital e bote a máquina para funcionar “e a máquina comece a trabalhar. Se isso acontecer, estará quebrado o encanto e não existirá mais máquina.”

O moço do saxofone
Lygia Fagundes Telles
Caminhoneiro fica numa pensão barata e ouve um saxofonista – que sempre toca músicas tristes. Pergunta a James, outro pensionista, sobre o músico e o colega responde: “A mulher engana ele até com o periquito. Dormia em quarto separado da mulher.” “Mas por quê?” “Uma mulher como ela tem que ter seu próprio quarto”. Uma noite a mulher do moço do saxofone marca com o caminhoneiro para se encontrarem em seu quarto, mas ele, por engano, entra no quarto do saxofonista que calmamente lhe diz que o quarto de sua mulher é na porta adiante.
“E você aceita tudo isso assim quieto?” “Eu toco saxofone.” Então a porta do lado se abriu bem de mansinho, cheguei a ver a mão dela segurando a maçaneta. Foi quando começou bem devagarinho a música do saxofone. “Fiquei broxa na hora, pomba. Desci a escada aos pulos. Minha vontade de fugir era tamanha que o caminhão saiu meio desembestado, num arranco”.

Feliz aniversário
Clarice Lispector
Tudo preparado para o encontro anual da família. Na casa de Zilda, a única filha, as bolas coloridas espalhavam-se pela sala e o bolo confeitado enfeitava o centro da mesa. Na cabeceira, arrumada e perfumada com água de colônia para disfarçar o cheiro de guardado, estava Cornélia, a matriarca e aniversariante que completava 89 anos. 
Primeiro chegaram as noras com os netos, depois os filhos. A velha. sentada. impassível, se perguntava como ela, tão forte, pudera gerar uma família tão medíocre. 
Cantaram parabéns, atrapalhados todos fingiam entusiasmo, incapazes de uma alegria verdadeira. A velha foi ríspida o quanto pôde. Escandalizou os presentes e envergonhou Zilda, cuspindo no chão.
Temos o retrato de uma velha amargurada pela morte do filho que admirava, e o desprezo por todos os demais é oriundo neste fato. É preciso observar que Cornélia é a matriarca de todo o clã e seu nome é de acepção latina e significa duro, forte.

O homem nu
Fernando Sabino
Em 3a pessoa. Homem acorda pela manhã dizendo à mulher que virá o cobrador da televisão e que não tem dinheiro para pagá-lo. Combina então com a esposa que quando tocar a campainha ficarão em silêncio até que o cobrador se vá. A mulher entra no banho, e o homem nu vai fazer café. Quando vai pegar o pão deixado na frente do apartamento, a porta se fecha com o vento, deixando-o nu no corredor.
Aflito toca a campainha, mas a mulher pensando ser o cobrador não abre. O homem tenta sem êxito se esconder e acaba chamando a atenção da vizinhança que ameaçam chamar a polícia.
Finalmente a mulher abre a porta e o homem entra ofegante, esquece o café, veste-se para trabalhar, quando toca a campainha. O homem vai atender pensando ser a polícia, não, era o cobrador da TV.

O vampiro de Curitiba
Dalton Trevisan
De todas as criações do contista paranaense a mais famosa é Nelsinho, protagonista de quase todas as histórias de O vampiro de Curitiba. Atormentado pelo sexo – que é visto ao mesmo tempo como possibilidade de desmesurado prazer e como maldição que o obriga a peregrinar pelas ruas curitibanas – o jovem galã de bigodinho e brilhantina nos cabelos espreita as mulheres. Todas as mulheres. Trata-se, portanto, do próprio cafajeste suburbano. Porém, a sua riqueza como personagem vem menos do tipo convencional do “gostosão” (como ele próprio se define) e sim da exasperação erótica a qual é submetido. Algo como uma fatalidade psicológica o condena a buscar incessantemente a realização dos instintos. Dalton Trevisan, usando a técnica do discurso indireto livre, que permite a completa revelação da consciência do personagem frente aos acontecimentos, consegue fixar admiravelmente a sexualidade atormentada de Nelsinho, como se pode observar neste fragmento do conto-título do livro: Ai, me dá vontade até de morrer. Veja só a boquinha dela como está pedindo beijo – beijo de virgem é mordida de taturana. Você grita vinte e quatro horas e desmaia feliz. É das que molham os lábios com a ponta da língua para ficar mais excitante. Por que Deus fez tão boas as mulheres? Não é justo para um pecador como eu. Ai, se eu morro só de olhar para ela, imagine então se... Não imagine, arara bêbada. (...) Se eu fosse me chegando perto, como quem não quer nada – ah, querida é apenas uma folha seca ao vento – e me encostasse bem devagar na safadinha. Acho que morria. Era só fechar os olhos e derreter-me de gozo. Vou postar-me diante dela, pode ser que se encante com o meu bigodinho. Desgraçada! Fingiu que não me enxergou – é o golpe de todas. Malditas feiticeiras, todas elas mereciam ser queimadas vivas, em fogo lento. Não têm piedade no coração negro de pedra. Não sabem o que é gemer de amor.
(...)
Se não me querem, por que exibem as graças em vez de esconder? Hei de chupar a carótida de uma por uma. Até lá enxugo os meus conhaques. Por causa de uma cadelinha como essa que aí vai, rebolando-se inteira. Eu estava quieto no meu canto, foi ela que começou. Ninguém diga que sou taradinho. No fundo de cada filho de família dorme um vampiro – não deixe que ele sinta o gosto de sangue. (...)
Estão sempre se enfeitando, se pintando, se adorando no espelhinho da bolsa. Se não é para deixar assanhado um pobre cristão por que é então? Essa é uma das lascivas que gostam de se coçar. Ouço daqui o raspar das unhas na meia de seda. Que ela me arranhasse o corpo inteiro, pingando sangue do peito. Enxergo tudo vermelho à minha frente. Diz-me, gênio do espelho, existe em Curitiba alguém mais aflito do que eu? Tende piedade, Senhor, são tantas e eu tão sozinho. (...) Em troca da última das fêmeas sou capaz de caminhar sobre brasas – e sem queimar os pés. Ai, me dá vontade de morrer até. Veja só a boquinha daquela como está pedindo beijos – beijo de virgem é mordida de taturana. Você grita vinte e quatro horas e desmaia feliz.

A mulher do vizinho
Fernando Sabino
3a pessoa. General vai ao delegado reclamar dos filhos do vizinho sueco que jogavam futebol na rua e a bola às vezes bate em seu carro.
O delegado para agradar ao general chama o sueco que vai com sua mulher. Por parecer humilde (na verdade era grande empresário) o delegado humilha o sueco: “Eu ensino o senhor a cumprir a lei. Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o General, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos.” O sueco faz menção de sair mas sua mulher diz ao delegado: “Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso importunaram o General, ele que viesse falar comigo. Sou brasileira, sou prima de um Major do Exército, sobrinha de um Coronel, e filha de um General! Morou?”

Uma galinha
Clarice Lispector
“Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. (...) Alcançou um telhado. (...) O dono da casa (...) resolveu seguir o itinerário da galinha. (...) De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. (...) Afinal, (...) o rapaz alcançou-a. (...) De pura afobação a galinha pôs um ovo. (...) “Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!” (...) O pai afinal decidiu-se (...): “Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida”. “ Eu também! jurou a menina com ardor.”
A mãe, cansada, deu de ombros. (...) A galinha passou a morar com a família. (...) Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.”

Menina
Ivan Ângelo
“(...) Ana Lúcia sempre sentira esse mistério: não ter pai. (...)
- Ana Lúcia, seu pai ainda está viajando?
- Está.
- Mentirosa! Sua mãe é desquitada.
Ficou impotente diante da palavra desconhecida. (...) Passou dias tentando solucionar sozinha. Seria uma coisa como burra, feia? Não, não parecia. Flor? Flor parecia, mas não explicava nada: orquídeas, rosas, sempre-vivas, desquitadas... Parecia (...) como quem diz sem-vergonha. (...) Nesses dias amou a mãe (...) defendendo-a contra a palavra que poderia feri-la: desquitada, sem-vergonha. (...)
No dia seguinte recomeçou. Mais uma vez preocupava-se com a palavra, agora não nova, mas mistério, sombra. (...) “Mamãe, o que é desquitada?” (...) Era muito forte aquele instante. (...) Olhou a filha com carinho. (...) “Desquitada é quando o marido vai embora e a mãe fica cuidando dos filhos.” (...) Pronto, estou livre – sentiu Ana Lúcia. Desquitada, desquitada, desquitada – repetia sem medo. (...) Bom, que desquitada não fosse um insulto. (...) “Marido é o pai?”, ela quis confirmar. (...) A mãe sorriu e confirmou. (...) Ia Ana Lúcia aprendendo, descobrindo. (...) Por exemplo: o que ela chama de marido é o que eu chamo de pai. Essa é uma diferença entre mãe e filha. Ela sabia cada vez mais.”

A caçada
Lygia Fagundes Telles
Em 3a pessoa. Homem obcecado por uma tapeçaria velha de uma loja de antiguidades tem a nítida sensação de ter participado da cena exposta no tapete: uma caçada. Um caçador lançando uma seta em direção a uma presa. Depois de várias idas ao antiquário, o homem vê a cena cada vez mais nítida, até que tem o delírio de estar dentro do tapete vivendo a caçada, sem saber se é o caçador ou a caça. Então sente sangue em sua boca. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor! “Não...” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

O burguês e o crime
Carlos Heitor Cony
O burguês
“(...) Figueiredo fora com a mulher Ema assistir uma peça. (...) Quando ia ao cinema, sempre podia dormir, (...) mas no teatro era difícil o cochilo. (...) A frase, dita por alguém no palco, chamou-o de volta. (...) Matar ou morrer? (...) Não era agradável pensar em morrer(...) e ficou apenas com o matar. (...) Tinha de matar e permanecer impune. (...) Como obter o crime perfeito? (...) Na cama (...) a palavra e o conceito retornaram à sua cabeça e às suas preocupações: matar. Há muito não tinha insônia. A firma prosperava. (...) Quando percebeu as horas, viu que gastara a noite toda pensando. (...) “Se não fosse a polícia, eu matava!”
O crime
(...) No dia seguinte ao do enterro, (...) estava rico e livre agora da chatice do sócio Anselmo e da chatice da mulher. (...) “Aquela cachorra!” Porém já cinco anos eram passados da morte da cachorra e do cachorro. (...) Chegara àquela noite em casa, de uma viagem rápida a São Paulo, e baqueara ao entrar em seu quarto: caídos e nus, em cima da cama, a sua mulher e o sócio. Próximo do sócio, o copo partido, cujos resíduos foram examinados pelo Instituto de Criminalística e cuja malignidade foi devidamente provada. (...)
O crime e o burguês
(...) Uma semana antes da tragédia. (...) “Se mato esta mulher – a minha mulher.” (...) Riu. (...) Não mataria apenas uma pessoa, mas duas. (...) Se matasse o sócio, a firma ficaria inteiramente em suas mãos. (...) Dois dias depois, avisou a mulher que ia a São Paulo, viagem rápida. (...) Subiu em direção a Teresópolis. Deixou o carro numa rua (...) deserta, tomou um ônibus e antes da meia-noite estava novamente em casa. (...) “Uê? Você já voltou?” “Você esta vendo.” Foram dormir.
(...) Dessa vez, pela primeira vez em muitos anos, concentrou-se no esforço de fazê-la gozar, (...) mas logo levou a mão ao peito: “Ema, o enfarte!” (...) “Vou buscar a coramina!” “Não! Chame o Anselmo, (...) mas diga a ele para não contar a ninguém.” (...) Ema foi ao telefone. (...) Quando voltou ao quarto (...) encontrou o marido em pé, com um copo na mão:
- Uê? Já ficou bom? (...)
- Beba isso! (...)
- Para que é isso?
- É um afrodisíaco. (...)
Ema (...) caiu próximo à cama. (...) Anselmo saiu do elevador e deu com Figueiredo na porta.
- E o enfarte?
- Entre depressa!
- Brincadeira tem hora! Cadê o enfarte?
- Prove esta droga! Veja que gosto tem e se concorda comigo.
(...) Anselmo provou. (...) Figueiredo arrastou-o ao quarto, tirou-lhe a roupa, deitou-o ao lado de Ema, (...) apagou as luzes. Andou pela cidade, esperando o primeiro ônibus para Teresópolis. (...) Chegou em casa, após uma boa viagem, e viu o quadro que logo os policiais examinaram, os jornais noticiaram e com o qual ele lucrou.
Moral
O crime, para o burguês, só não compensa quando a polícia está contra.”

Uma vela para Dario
Dalton Trevisan
Conto narrado em terceira pessoa. Extraído do livro “Cemitério de Elefantes, 1964”. É a estória de Dario, um cidadão comum que passa mal na rua e agoniza.
Vem por uma esquina e encosta-se numa parede. Alguns passantes perguntam se não está bem, mas Dario já não tem forças para responder, escorre pela parede e sua boca se enche de espuma.
Um rapaz o ajuda, desapertando suas roupas, seu cachimbo apaga e Dario rouqueia feio junto às bolhas de espuma que lhe surgem da boca.
As pessoas que passam se acercam da cena e um senhor gordo repete que Dario caíra e deixara cair seu guarda chuva e seu cachimbo, que já não mais estão ali.
Arrastam-no para um táxi, mas ninguém quer pagar a corrida. Cogita-se em chamar uma ambulância e Dario já não tem seus sapatos nem o alfinete de pérola na gravata. Dario continua à mercê daqueles que o cercam e alguém fala da farmácia, mas é no outro quarteirão e pelo seu peso, as pessoas desistem de levá-lo. É abandonado em frente a uma peixaria.
Aparece mais um que se prontifica a ajudá-lo sugerindo que lhe examinem os papéis. Ele é revistado e ficam sabendo quem ele é, mas ninguém resolve nada.
Chega a polícia e a cena é cercada de uma multidão de curiosos. Dario é pisoteado e o guarda não pode identificar o seu cadáver. Ainda lhe resta a aliança de ouro que Dario só conseguia tirar molhando com sabonete.
“A polícia decide chamar o rabecão”. “A última boca repete — Ele morreu, ele morreu.”
Há uma dispersão, quando as pessoas observam agora a um defunto. Um senhor piedoso aproxima-se e arruma o corpo da maneira que pode, ajeitando a cabeça sobre o paletó enrolado e cruzando as mãos sobre seu peito. A multidão termina por se espalhar e Dario, incógnito, agora só representa mais um cadáver, um indigente sem valor no meio da rua. A narrativa coloca as pessoas da cena como que indiferentes em sua rotina, diante do cadáver: “Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.”
Fecha-se a estória sem que a esperança de humanidade seja possível. Só o gesto de um menino salva a morbidade do desfecho. Dario é completamente saqueado e abandonado. “Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver”. “fecha-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra sem o paletó e o dedo sem aliança. O toco de vela apaga-se...”

ANOS 70
VIOLÊNCIA E PAIXÃO
Os anos 70 marcam um momento de apogeu do conto no Brasil, depois do salto de qualidade na década anterior. Intensificam-se ímpetos revolucionários e dilaceramentos pessoais, agora num contexto de violência política e social até então inédito no país. O conto confirma-se como instrumento adequado para expressar artisticamente o ritmo nervoso e convulsivo desta década passional. Entra na moda um novo e carinhoso retrato de escritor, o “contista mineiro”, descendente legítimo das gerações de Carlos Drummond, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Diante do consumismo e da internacionalização em que mergulha a classe média, a arte do conto busca trazer à tona o outro lado – o lado violento e obscuro da realidade. O contista brasileiro dos anos 70 quer desafinar o coro dos contentes. (Ítalo Moriconi)


Passeio noturno
Rubem Fonseca
Parte I e II
Contos em 1a pessoa.
Empresário de meia idade, bem sucedido, casado, dois filhos, descarrega as tensões do dia-a-dia, a frustração e o tédio da sua vida passeando todas as noites com seu jaguar preto e matando pessoas, atropelando-as com seu carro.
Na Parte I a vítima é uma mulher. Na parte II, a vítima é uma jovem chamada Ângela. A violência urbana é um dos temas principais de Rubem Fonseca.

A morte de D.J. em Paris
Roberto Drummond
Conto extenso e surreal. Vários focos narrativos. Dividido em cinco atos temos entre vários flashbacks o julgamento sobre a morte do protagonista D.J. em Paris (ou em Belo Horizonte?). D.J. era professor e tinha duas obsessões: Paris e encontrar a Mulher Azul (Femme Bleue). Por ser um conto fantástico o final é aberto. “Agora você me pergunta se D.J. está morto; respondo: alguns hão de querer que D.J. esteja vivo, outros não. Os que quiserem podem matar D.J., mas ele voltará no primeiro samba, num frevo tocando e, até mesmo, quem sabe?, num grito de gol”.

Aí pelas três da tarde
Raduan Nassar
Uma espécie de conselho que se dá a um provável senhor advogado ou profissão afim para sair do escritório aí pelas três da tarde: “Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, e se achegue depois junto à rede. Largue-se nela, goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.”

Felicidade clandestina
Clarice Lispector
Uma menina apaixonada por leitura pede um livro (As Reinações de Narizinho) emprestado a uma colega de escola ruiva, gorda, e extremamente má. A colega, que era filha de um dono de livraria do Recife, maltrata a narradora, pois sempre que esta ia buscar o livro na casa da colega ruiva, a mesma dizia que acabara de emprestá-lo a outra amiga e pedia para que a narradora voltasse no dia seguinte. Mas no dia seguinte repetia-se a mesma história.
Até que um dia, já saindo a menina desolada da casa da colega, a mãe da ruiva intercede em seu favor, obrigando a filha a emprestar-lhe o livro. O conto termina da seguinte forma: “Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”

O elo partido
Otto Lara Resende
“Subitamente, não sabia mais como se ata o nó da gravata. (...) Logo suas mãos inconscientes se organizaram (...) e ataram a gravata. (...) Ia a um jantar.
Até que dias depois, achando graça, a mulher (...) atou por ele a gravata. (...) Uma terceira vez ocorreu dias depois. “Estou ficando gagá”, pensou, entre divertido e irritado. (...) Mas logo esqueceu e saiu para a rua, (...) foi até o edifício do escritório. (...) Só o elevador demorava mais do que de costume. (...)
Ocorreu-lhe que tinha esquecido de calçar as meias. (...) Um desejo ardente de esticar uma perna, (...) arregaçar as calças e olhar, (...) mas o medo irracional do ridículo, como se toda a fila (...) esperasse apenas um gesto de sua parte para vaiá-lo. Sorriu sem sorrir. (...) A obsessão agarrou-o: (...) as suas meias (...) de que cor eram? (...) Até que foi invadido pela certeza cruel de que usava meias vermelhas. (...) O terno era azul. Mas as meias, (...) ridículo, um vermelho-vivo. (...) Foi preciso quase que o empurrassem (...) para que ele, morto de vergonha, (...) se animasse a entrar no elevador. Saltou no sétimo andar e (...) trancou-se na sua sala. (...) Suspendeu as calças, fixou com espanto (...): agora de novo as suas meias eram azuis. (...) E o dia prosseguiu. (...)
Nas semanas seguintes (...) esquecera o nome de um amigo de infância. (...) Amnésias assim, sabia, acontecem a todo mundo. (...) Dias depois, porém, (...) não conseguia (...) saber qual a posição que habitualmente tomava para dormir. (...) Não sabia mais deitar-se e dormir. (...) Noite longa. (...) Cochilou na cadeira de balanço, como um agonizante. (...) Até que uma semana depois:
- Esqueci como é que eu durmo – disse ansioso à mulher.
- Bobagem – ela resmungou, morta de sono.
- Minha posição na cama. (...)
Foi a primeira insônia completa de sua vida. (...) Pensou em consultar mesmo um clínico, (...) mas não gostava de médico. (...) Uma tarde, ao falar pelo telefone, com o sócio, (...) não conseguia se lembrar da cara do sócio. (...) Precisou telefonar para a mulher, (...) lembrava do número, claro (...): “Alô – disse ela.” (...) Desligou. (...) Não se lembrava da própria mulher, seu nome, seu rosto. (...) Saiu imediatamente para casa. (...) Trancou-se no quarto (...) e leu de cabo a rabo o jornal. (...) Voltou à primeira página. Lia e relia, (...) chegava ao fim e era como se não tivesse lido. (...) Deixou o jornal cair no chão. (...)
- Quem sou eu? – ele perguntou num último esforço. (...)”

A estrutura da bolha de sabão
Lygia Fagundes Telles
Uma mulher conta seu reencontro com um físico ex-namorado seu que estava então casado. “(...) Estávamos num bar. (...) Mas como é que um homem como ele, um físico que estudava a estrutura das bolhas, podia amar uma mulher assim? (...) Convidaram-me e sentei. (...) Mas ela queria fazer perguntas. Uma antiga amizade? (...) Não, nos conhecemos numa praia. (...) Aos poucos o ciúme foi tomando forma. (...) “Estou com dor de cabeça”, (...) ele pediu a conta. (...) Quando me voltei dobravam a esquina. (...)
O segundo encontro foi numa exposição de pintura. (...) Ele me puxou para ver um quadro. (...) Quando voltamos, os olhos dela já estavam reduzidos aos dois riscos. (...) Um dia me disseram: “Ele está doente, sabia? Aquele cara que estuda bolhas.” (...) O que tinha? (...) Não sabia os detalhes. (...) Não ele, eu repeti. (...) “Vocês não viveram juntos?”. (...) Mais ou menos, respondi. (...)
Fui até sua casa, ela abria a porta, bem-humorada. (...) “Foi mesmo um grande susto” – ela disse. “Mas passou, ele está ótimo ou quase” – acrescentou levantando a voz. (...) Entramos no quarto. (...) Estava de chambre verde, recostado na cama. (...) Comecei a sentir falta de alguma coisa. (...) Ela voltou-se para mim, “preciso ir aqui na casa da mamãezinha, (...) você não se importa em ficar mais um pouco?” (...) Saiu e fechou a porta. Fechou-nos. Então descobri o que estava faltando, ô! Deus. Agora eu sabia que ele ia morrer.”

O peixe de ouro
Haroldo Maranhão
Descrição surreal de um peixe de ouro, que possui pernas, cintura, cabeleira, ancas, pescoço, etc. este peixe é disputado e destroçado pelas pessoas que utilizam suas partes para diversos fins, até que resta somente partículas de peixe, microtalco de ouro.

Gestalt
Hilda Hilst
Isaiah, um matemático, encontra um porco, dá a ele comida e depois percebe ser o animal uma fêmea e dá-lhe o nome de Hilde, nome de sua mãe. Tempos depois, Isaiah casa-se sendo feliz e Hilde também.
Conto em 3a pessoa. Aspecto importante: a linguagem com neologismos a la Guimarães Rosa. Ex: peluginoso, rigorismos, humildoso.

Feliz ano novo
Rubem Fonseca
Três marginais decadentes, Pereba, Zequinha e o narrador do conto estão na pior. Sem dinheiro e com fome, eles pensam em fazer sua ceia de revelion com restos de despacho de macumba. Então decidem assaltar uma mansão. Entram na mansão e matam quatro pessoas, roubam e estupram. Depois de voltarem pra casa, os marginais conferem o resultado do roubo e desejam uns aos outros: “Feliz Ano Novo”. A marca mais importante deste conto é a violência urbana e a linguagem dura usada por Rubem Fonseca.
“A velha também tinha batido as botas. Toda penteada, aquele cabelão armado, pintado de louro, de roupa nova, rosto encarquilhado, esperando o ano novo, mas já tava mais pra lá do que pra cá. Acho que morreu de susto. Arranquei os colares, broches e anéis. Tinha um anel que não saía. Com nojo, molhei de saliva o dedo da velha, mas mesmo assim o anel não saia. Fiquei puto e dei um dentada, arrancando o dedo dela. Enfiei tudo dentro de uma trouxa. O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.”

Correspondência completa
Ana Cristina César
Uma espécie de carta escrita por Júlia a alguém chamada de my dear. São relatos desconexos, frases sobrepostas, divagações. Importante ressaltar o caráter metalingüístico do texto. “Escrever é a parte que chateia. Inventar o livro antes do texto. Inventar o texto para caber no livro. O livro é anterior. O prazer é anterior, boboca...Fica difícil fazer literatura tendo Gil como leitor. Ele para desvendar mistérios e faz perguntas capciosas, pensando que cada verso oculta sintomas...”Podemos encarar Júlia como alter-ego da autora do conto, Ana Cristina César, que era poetisa.

Fazendo a barba
Luiz Vilela
Em 3a pessoa. Um barbeiro e um rapazinho, seu ajudante, vão a uma casa para barbear um homem morto. Durante o trabalho o rapazinho questiona: “Será que ele está vendo a gente de algum lugar? Por que a gente morre? Por que será que a gente não acostuma com a morte?” Ao que o barbeiro responde: “A morte é uma coisa muito estranha.” Quando saem, o barbeiro convida o rapaz para tomarem uma pinguinha, e os dois entram no boteco.
Característica: uso dos diálogos, discurso direto.

Sem enfeite nenhum
Adélia Prado
“A mãe era desse jeito: só ia em missa das cinco. (...) Cinema, só uma vez. (...) Um dia o pai (...) anunciou (...): “companheiro meu tá vendendo um relogim que é uma gracinha, pulseirinha de crom’, danado de bom pra do Carmo”. (...) Ela não gostava de luxo.
(...) Tinha muito medo da morte repentina e pra se livrar dela, fazia as nove primeiras sextas-feiras, emendadas. (...) Era a mulher mais difícil a mãe. Difícil, assim, de ser agradada. Gostava que eu tirasse só dez e primeiro lugar. Pra essas coisas não poupava. (...) Acho mesmo que meia razão ela teve no caso do relógio, luxo bobo, pra quem só tinha um vestido de sair. (...) Dia ruim foi quando o pai entestou de dar um par de sapato para ela. Foi três vezes na loja e ela botando defeito. (...) Morreu sem fazer trinta e cinco anos, da morte mais agoniada, (...) tinha a cara severa. (...) Era raiva não. Era marca de dor.”

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