Bico de ouro - conto - David Gonçalves - final


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Noite fechada. A caminhonete dançava na estrada. Compadre Jiló, eufórico, filosofava:

– Que bolada! Você parece entristecido. O que sente? Pois saiba: na piedade e na compaixão ninguém se torna rinhadeiro, muito menos açougueiro. Quando se escama um peixe, ele gosta? Quando se abate um porco, ele sente prazer? Com certeza, não. Galo de briga nasce pra sangrar. É o seu destino.

“Mas quem escama ou abate poderá sentir prazer”, pensei. Eu via prazer hediondo na euforia de Jiló. “Por isso, se afirma que muitos homens nascem com espírito assassino. E se tornam rinhadeiros ou açougueiros. Entretanto, poucos sabem que a paixão pelo sangue e a paixão pela carne têm a mesma origem. Quem duvida? Muitos estupradores só conseguem prazer quando matam suas vítimas e se lambuzam no sangue vivo...”

Compadre Jiló não cabia em si de alegria, voz exaltada, extasiado.

– Você viu? Uma poça grande de sangue! O galo do espanhol se esvaiu!

Enquanto dirigia, procurava acariciar o seu galo.

– Ah, Bico de Ouro, você é o máximo. Por dinheiro algum sou capaz de vendê-lo. Vale mais do que mil coroas de prata!

Havia sangue ressecado em suas mãos e também na camisa.

– Aquele delegado babaca! Bem feito! No meio do chiqueiro, lambuzado de merda...O fedelho achava que todo mundo comia milho em sua mão!
Depois acrescentou:

– Não vejo a hora de contar as novidades para a Elvira. Ela vai adorar. Você sabe, compadre, hoje sou capaz de fazer poesias indecorosas e de amar por horas a fio. Não sei o que acontece... A Elvira sempre fica ansiosa pelo meu retorno. Ela diz: “Que homem! Você é o máximo.” E me caricia tanto e geme fogosa. Quando volto de uma rinha, depois de ver o sangue dos perdedores esguichando, fico fora de mim, incontrolável, louco por amor. E você?

– Eu? – me assustei. – O que diz?

– Como se sente? Cheio de tesão? Ou uma bola murcha? Fica sossegado feito gato de armazém? Ou fica despeitado, cheio de vida?

Mas que besteirol. Onde queria chegar? Conversa besta. Eu estava cansado. Noite fechada, a caminhonete jogava cascalhos em espiral.

– Vamos parar naquele bar.

– É de mulheres...

– E daí? Adoro curtir mulheres da vida. Principalmente quando o Bico de Ouro é campeão.

Brecou abruptamente e estacionou de viés. O álcool, sem dúvida,produzia seus efeitos. O que fazer?

Lugar imundo. Quatro ou cinco mulheres com grossas camadas de maquiagem escondendo os prenúncios da velhice antecipada. Com o corpão pançudo, a barriga caindo sobre as virilhas, o que conseguiria compadre Jiló?

– Sabe, compadre, certa vez, após uma vitória esmagadora, parei numa boate como esta, numa beira de estrada, e fiz coisas de meter inveja!

– Algum segredo?

– Nenhum. Eu conto. Peguei o galo vencedor e o sangrei. O sangue borbulhou. Enquanto sangrava, me diverti muito. A agonia do galo de estimação me atiçou. Nas paredes, sombras sensuais também se esvaíam em sangue. O ambiente me excitou. Fiz coisas do arco da velha. Quando meu galo vence, sinto prazer. Quando perde, fico deprimido. Sabe, compadre, adoro sangue esguichando no calor da briga. Me sinto outra pessoa. Não me custa nada sangrar o Bico de Ouro...

Quando entraram, entreviram, numa mesa, padre Zeca e Ludovico paparicando duas loiras oxigenadas.

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