A pergunta "o que é literatura?" não é fácil de responder. Para começar, ficamos em apuros se pensarmos que qualquer texto que nos cerca pode ser considerado literatura, desde cartazes com propagandas, legendas de filmes, palavras pichadas em muros, bulas de remédio, receitas de bolos, manuais de instrução etc. Num certo sentido, tudo o que se pode ler é literatura. O que nos interessa aqui, porém, é o fenômeno da literatura enquanto uma atividade artística.
A disciplina literatura que se estuda na escola trata dos textos produzidos por escritores de períodos diversos da história da humanidade. Homens e mulheres que criaram e continuam criando textos de ficção em prosa, repletos de ações, personagens, conflitos, ambientes e climas, ou ainda, poemas que elaboram a sonoridade e os múltiplos significados das palavras.
A literatura pode enriquecer sua vida, seja como simples entretenimento, seja como fonte de conhecimento e reflexão sobre valores e ideias. Porém certos conceitos ou ferramentas teóricas são necessários para que você, leitor, possa entender a linguagem literária, que também está tão presente no nosso cotidiano.
Afinal, a literatura está o tempo todo a nossa volta, nas histórias contadas por nossos avós, nos livros, nas peças de teatro, novelas, filmes, jornais, mesmo na música e na dança, entre outras formas de linguagem que os homens usam para se comunicar.
O animal que fala
Por falar em comunicação, o sistema de comunicação que nos interessa basicamente para tratar de literatura é a escrita, essa linguagem simbólica que tem como material as letras e as palavras, que, ao serem combinadas, tornam-se textos. Não é por acaso, aliás, que a palavra do latim litteratura vem de outra palavra da mesma língua, littera, que significa letra, ou seja, o sinal gráfico que representa - por escrito - os sons da fala.
Antes que a literatura existisse, ou melhor, antes que muitas das coisas que conhecemos hoje existissem, numa época muito remota, poderíamos encontrar nossos antepassados ali em suas cavernas, ou em meio às árvores das matas, comunicando-se entre si instintivamente, através de gestos ruídos como vários outros animais. No decorrer da Evolução, nossa espécie desenvolveu a capacidade de falar e, então, passou a nomear plantas, bichos, rios, vales e montanhas.
Desse modo, acabou por se diferenciar dos outros animais. Essa diferença encontra-se, justamente, no fato de podermos representar o mundo que nos cerca, através de símbolos vocais: as palavras. Nesta linguagem das palavras - símbolos que representam sonoramente todas as coisas concretas do mundo, além dos nossos sentimentos e das situações abstratas da vida - estamos envolvidos desde que nascemos.
As palavras e as coisas
Milhares de anos depois do advento da palavra falada, característica que ajudou a definir a espécie humana, surgiu uma nova forma de comunicação entre os homens, baseada principalmente na representação gráfico-visual dos sons de nossa própria fala: a escrita, que tem seus primeiros registros no alfabeto fenício do século 12 a.C. De qualquer modo, falada ou escrita, o objetivo da palavra é mais ou menos o mesmo: dar nome às coisas, agilizar a comunicação entre os seres humanos e ajudá-los a pensar e a compreender o mundo.
Entre os nomes e as coisas existe uma relação quase contínua. E o homem vive vinculado - ora de maneira mais próxima, ora mais distanciada - a estes dois mundos: o concreto de suas experiências com as coisas e o abstrato da sua linguagem simbólica. Contudo, é importante deixar bem claro que os nomes não são as coisas, mas que as coisas só existem para o pensamento do homem dentro da sua linguagem.
A força da expressão
"Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!"
Cecília Meireles
As palavras e as coisas parecem estar unidas, mas, ao mesmo tempo, parecem jamais poder se misturar. Se ficarmos atentos, podemos observar a força que a palavra tem de mexer com os nossos sentimentos e emoções.E não só na literatura, mas também na vida cotidiana. É como na conhecida lenda de Ali babá e os 40 ladrões, em que a frase "abre-te, Sézamo!" tem o poder de abrir a porta de uma caverna escondida nas entranhas da terra.
No dia a dia, por exemplo, se ouvirmos a palavra câncer, ela pode evocar sensações como tristeza, repugnância, medo ou até pavor. Às vezes, de acordo com a situação em que nos encontramos, o simples fato de pronunciar o seu nome parece tornar concreta em nossa mente a realidade da doença nomeada.
Pois bem, os escritores têm como material de trabalho a própria palavra, e utilizam seu poder de evocação e sugestão para construir mundos e universos possíveis ou prováveis, recriando assim a realidade em que tanto ele, escritor, quanto nós, leitores, estamos inseridos. Sua literatura comunica artisticamente, desde a Antiguidade, os sentimentos, as emoções, as sensações, as ações, as idéeias e opiniões mais diversas do homem diante do mundo e de sua condição existencial.
O escritor busca transcender ou concretizar, por meio da literatura, uma experiência da vida. Isso - basicamente - é literatura. Portanto, como escreveu Ezra Pound, poeta e crítico literário, "Literatura é linguagem carregada de significado".
(Carla Caruso, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação é escritora, pesquisadora e realiza projetos de capacitação de professores no Estado de São Paulo.) UOL EDUCAÇÃO
0 comentários:
Postar um comentário