TEXTO: O burrinho pedrês
Já estava encabrestado, Sete-de-Ouros não estava disposto a entregar-se: “Vai, mas custa!”, quando outros o irritam, é a divisa de um burricoque ancião. Com rapidez, suas orelhas passam à postura vertical, enquanto acompanha o homem, com um olho de esguelha, a fito de não errar o coice.
-João Manico anda-lhe à roda, aos resmungos. Põe-lhe o baixeiro. Depois, pelo certo, antes de arrear, bate na cabeça do burrinho, como Deus manda. Sete-de-Ouros se esquiva à clássica: estira o queixo e se acaçapa, derreando o traseiro e fazendo o arreio cair no chão. Então o vaqueiro se convence de que precisa de mostrar melhores modos:
- Eh, burrinho, acerta comigo, meu nego.
Assim, Sete-de-Ouros concorda. João Manico passa-lhe a mão espalmada no pescoço, e ele gosta e recebe a manta de pita. Já não reage, conformado. Dá apenas o repuxão habitual da barriga, contraindo bruscamente a pele, do cilhadouro às ilhargas e das ilhargas ao cilhadouro. Encrespa e desencrespa também o couro do pescoço. E acelera as pancadas da cauda, no vai-e-vem barulhento de um espanador. Ao aceitar o freio, arreganha demais os beiços num tremendo sorriso de dentes amarelos. Mas logo regressa ao eterno cochilo, até que João Manico tenta montar.
- Ara viva! Está na hora, João Manico meu compadre. Você e o burrinho vão bem, porque são os dois mais velhos e mais valentes daqui... Convém mais você ir indo atrás, à toa. Deixa para ajudar na hora do embarque... E o Sete-de--Ouros é velho, mas é um burro bom, de gênio... você não sabe que um burro vale mais do que um cavalo, Manico?...
- Compadre seô Major, para se viajar o dia inteiro, em marcha de estrada, estou mesmo com o senhor. Mas, para tocar boiada, eh, Deus me livre que eu quero um burrinho assim!...
...
Sete-de-ouros espetou as orelhas para a frente. É calmo e comodista, mas da maneira alguma honesto. Quando João Manico monta, ele não pula, por preguiça. Mas tem o requinte de escoucear o estribo direito, primeiro com a pata de diante, depois com a de trás, cruzando fogos.
- Não falei, compadre seô major?!... Bicho medonho! Burro não amansa nunca de-todo, só se acostuma!...
Mas o major Saulo largava, sem responder, rindo já longe, rumo aos vaqueiros: lá junto à cerca, com os cavalos formados em fileiras, como um esquadrão de lanceiros.
- “Olha só, vai trovejar...” E Leofredo mostrava o gado: todos inquietos, olhos ansiosos, orelhas eretas, batendo os parênteses das galhas altas. - “Não é trovoada não. São eles que estão adivinhando que a gente está na horinha de sair ...” mas, nem bem Sinoca terminava, e já, morro abaixo, chão a dentro, trambulhavam, emendados, três trons de trovões. Aí, a multidão se resolveu, instantânea, e uma onda de corpos cresceu, pesada, quebro-se num, dos lados do curral e refluiu para a banda oposta. Em pânico, procuravam a saída.
- Vi-i! Vão dar o que fazer! Vigia ali: tem muito crioulo caraço, caçando gente para arremeter... Ei, Zé Grande?...
Zé Grande passa a correia do berrante a tiracolo, e continua calado, observando. Para a sabença do gado, ele é o melhor vaqueiro da Tampa, homem ledor de todos os sestros e nequícias do bicho boi. Só pelo assim do marruaz bulir ou estacionar, mede ele o seu grau de má fúria, calcula a potência de arremesso, e adivinha para que lado será o mais dos ataques, e qual a pata de apoio, o giro dos grampos, e o tempo de volta para a segunda ofensiva.
(João Guimarrães Rosa- “Sagarana”)
PALAVRAS E EXPRESSÕES
BULHENTO- desordeiro, arruaceiro
CRIOULO CARAÇO- raça de cavalo ou boi com malha branca no focinho
ENCABRESTADO- com o cabresto(freio) posto
ESGUELHA - de soslaio
FITO- intento, fim
GALHA- chifre
MARRUAZ- novilho que não foi domesticado
NEQUÍCIA- maldade, malícia
PEDRÊS- salpicado de preto e branco
SESTRO- vício, mania
TROM- barulho, estrondo
CILHADOURO- tira de pano ou couro com que aperta a sela ou a carga por baixo do ventre
ESTUDO DO TEXTO
1- Escreva nos parênteses as palavras que correspondem aos respectivos significados.
- berrante- lanceiro- pita- baixeiro- ilharga-
a- Manta que se coloca no cavalo por baixo da sela.( ____________________)
b- Parte lateral e inferior do baixo-ventre, flanco. ( ______________________)
c- Fios da folha da piteira( erva cujas folhas fornecem boas fibras)
( ____________________________________ )
d- Buzina de chifre com que tange o gado. ( __________________________)
e- Soldado armado de lança. ( __________________________)
2- Relacione os verbos destacados a seus significados.
a- Sete-de-Ouros se “esquiva” à clássica...
b- ... e se “acaçapa”...
c- ...”derreando” o traseiro...
d- ...caçando gente para se “arremeter”...
( ) agachar-se, encolher-se
( ) atacar com fúria
( ) evitar o que ameaça
( ) vergar, arcar
O SIGNIFICADO DO TEXTO
1- Como era o burrinho pedrês?
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2- Que acham Major Saulo e Manico do valor de um burro, especialmente do burrinho pedrês?
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3- Por que o patrão escolheu João Manico para montar o burrinho pedrês?
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4- Onde a história acontece? Transcreva alguns trechos do texto que caracterizem o espaço da narrativa.
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5- Identifique os dois momentos da tempestade.
1º momento- ____________________________________________________
2º momento- __________________________________________________________
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