Virgínia Woolf - parte 2



Julia Stephen e Virginia Woolf, aos 2 anos
Julia Stephen e Virginia Woolf, aos 2 anos

As reuniões de Bloomsbury ajudaram imensamente na formação da “inculta” Virginia. Os participantes eram intelectuais, alguns em formação e, outros, com alto preparo. Ela absorvia, “antenada” e “babando”, tudo que eles falavam ou sugeriam. Mas a morte de Thoby, o irmão e amigo adoradíssimo, bagunça a família Stephen, que nunca fora muito ajustada. Vanessa, desesperada, se casa com o garanhão come-tudo Clive Bell. Virginia não gostou do casamento. No início. Ela e Adrian, o mais moço dos irmãos e o mais atrapalhado, vão morar juntos.

Os amigos e parentes declaram: “Virginia precisa casar”. Queriam arrumar uma pessoa para cuidar da “incuidável” Virginia. Irritada, Virginia escreveu à amiga Violet: “Eu queria que todo mundo não me ficasse repetindo que devo casar. Será uma irrupção da rude natureza humana? Eu acho repulsivo”. Apesar de sua ira, os amigos e parentes continuaram insistindo para que ela se casasse.

Entre 1907 e 1908, Virginia começa a escrever “Melymbrosia”, mais tarde publicado como “The Voyage Out” (este primeiro romance de Virginia foi editado no Brasil sob o título de “A Viagem”). Exigente, Virginia queimou sete versões de “The Voyage Out”. Ela não publicou ficção até os 33 anos.

“Seu laconismo literário era em parte resultado de timidez; ainda ficava aterrorizada com o mundo, aterrorizada de se expor. Mas unia-se a isso outra emoção, mais nobre — um alto conceito de seriedade de sua própria profissão. Para produzir algo que atingisse seus critérios particulares, era necessário ler vorazmente, escrever e reescrever continuamente, e, sem dúvida, se não estava escrevendo na hora, agitar as ideias que expressava em sua mente”, nota Quentin Bell.

No plano afetivo, a vida de Virginia continuava difícil. Lytton Strachey quis se casar com ela, mas não deu certo. Outro amigo de Virginia, o competente e célebre economista John Maynard Keynes, embora tenha se casado com uma bailarina, também era sodomita (palavra bastante usada por Quentin Bell). Keynes morou na casa de Virginia e Adrian.

Em 1912, Leonard Woolf e Virginia se casam. Leonard se apaixonou por Virginia. Doce e perdidamente. O casamento foi um grande “negócio” para Virginia. A união com Leonard aumentou o seu equilíbrio emocional e a sua segurança como escritora. O curioso é que a família Stephen não avisou Leonard dos problemas de saúde de Virginia. Tudo indica que a família procurou esconder que Virginia era “meio louca” com medo que Leonard desistisse do casamento. O casamento não agradou Clive Bell. Clive andou tirando umas casquinhas de Virginia. Mas sossegue: o vigoroso marido de Vanessa não conseguiu papar Virginia. Só tirou casquinhas. Virginia, diga-se, gostava do atrevimento de Clive.

Leonard adorava Virginia, sua capacidade intelectual, e não se preocupava com a frigidez sexual dela. Quentin Bell, um biógrafo às vezes discreto, sugere que Virginia “considerava o sexo não tanto com horror, mas com incompreensão; havia em sua personalidade e em sua arte uma qualidade estranhamente etérea, e, quando as necessidades literárias a compeliam a considerar o prazer sexual, ela se afastava ou nos revelava algo tão distante de bolinas e empolgações quanto a chama de uma vela é distante de seu sebo”.

Virginia conclui “The Voyage Out” e o entrega à editora. Doente, pensa que a libertação (a cura) está no suicídio. Toma 6,5 gramas de veronal e quase morre. Quentin Bell registra que até 1913, data da tentativa de suicídio, Freud era pouco conhecido na Inglaterra. “Ernest Jones começou a praticar em Londres em 1913”, informa Quentin. Virginia não se interessava muito por Freud. Mas Leonard achava que o conhecimento das ideias de Freud poderia ser útil no seu tratamento.

“The Voyage Out” foi publicado em março de 1915. Os amigos de Virginia e a crítica gostaram. Edward Morgan Forster (autor de “Passagem Para a Índia”, mais conhecido no Brasil pelo bom filme de David Lean), que também era gay renitente, elogiou o livro de Virginia no “Daily News”: “Eis finalmente um livro que chega ao mesmo patamar de ‘O Morro dos Ventos Uivantes’, embora por um caminho diferente”. A critica era esperada ansiosamente por Virginia. Queria ver se seu talento era confirmado.

“Virginia”, escreve Quentin Bell, “estava sempre imaginando que, para o mundo exterior, [seus romances] pudessem parecer simplesmente doidos ou, pior ainda, fossem realmente doidos, seu horror à zombaria rude do mundo continha o medo mais profundo de que sua arte, e por isso ela mesma, fosse uma espécie de impostura, um sonho imbecil sem valor para os outros. Por isso, para ela, uma nota favorável valia mais que o mero elogio; era uma espécie de certificado de sua sanidade mental”.

“O problema”, continua Quentin, “deve estar presente quando pensamos em sua extrema sensibilidade à crítica, uma sensibilidade que podemos considerar mórbida e que realmente, em certo sentido, era mórbida, pois nascia de um estado enfermiço. Os ataques e acoites da crítica, que seriam facilmente enfrentados por um organismo mais robusto, no caso dela podiam reabrir feridas que jamais se tinham curado inteiramente e que nunca deixariam ser muitíssimo delicadas”.

Quentin Bell nota que a saúde de Virginia melhorou em 1915 por causa das criticas favoráveis. Virginia, temendo a crítica, escreveu: “Imagine acordar e descobrir que se é uma fraude. Esse horror era parte da minha loucura”.

Em 1917, um tanto ranzinza mas admirada, Virginia escreveu à adorada e protetora irmã Vanessa: “Tive um breve encontro com Katherine Mansfield; que me parece um caráter desagradável mas enérgico e absolutamente inescrupuloso”.

Quentin Bell explica bem: “Elas [Virginia e Mansfield] sempre tendiam a discordar, mas na verdade nunca discordariam. Unidas pela devoção à literatura e divididas na sua rivalidade como escritoras, achavam uma à outra sobremodo atraentes, mas muito irritantes. Ou pelo menos eram esses os sentimentos de Virginia. Ela admirava Mansfield; também estava fascinada por aquele lado da vida de Katherine que ficava além da sua própria capacidade emocional”.

Talland House, a casa da família

“Katherine”, revela Quentin, “andara pelo mundo, ficara magoada; dera vazão a todos os instintos da fêmea, dormira com todo tipo de homens; tornara-se objeto de admiração — e piedade. Era interessante, vulnerável, talentosa, encantadora. Mas também se vestia e se portava como uma prostituta. Penso que Katherine Mansfield retribuía a admiração de Virginia e também sua animosidade. Virginia com certeza apreciava bastante o talento de Katherine, a ponto de querer editar um de seus contos”.

É provável que Virginia tenha lançado um olhar masculino em Katherine Mansfield. O homem em geral deprecia a mulher inteligente e diferente, mas também a cobiça sexualmente. Outra coisa: Virginia não gostava de elogiar escritores vivos. Só deu importância a D.H. Lawrence, o autor de “Mulheres Apaixonadas”, depois que ele morreu. Os vivos eram seus concorrentes.

Junto com Leonard Woolf, Virginia foi dona da Hogarth Press, que editou grandes escritores e poetas, como Katherine Mansfield e T.S. Eliot, além do psicanalista Freud. Quentin Bell e os outros biógrafos revelam algo curioso: Virginia escrevia um romance vigoroso (como “As Ondas”) e, em seguida, um romance mais leve e fácil (como “Os Anos”). Parece que tal artifício visava tranquilizar os seus nervos e, ao mesmo tempo, testar novos caminhos para o romance. “O romance peso-pesado é sucedido por um livro peso-pluma — que ela chamava uma piada”, só que Quentin Bell não acha que “Noite e Dia” seja uma piada. Não acha o livro bom. Mas não concorda que seja totalmente ruim.

O manuscrito de “Ulysses”, de James Joyce, foi oferecido à editora de Virginia, que não pôde ou não quis publicá-lo. Quentin Bell tenta explicar: “Era uma obra que Virginia não podia rejeitar nem aceitar. O poder e a sutileza da obra eram evidentes o bastante para despertar a admiração dela e, sem dúvida, inveja. Parecia-lhe ter uma espécie de beleza, mas também um brilho rude, arguto, de sala de fumantes. Joyce usava instrumentos parecidos com os dela, e isso era doloroso, pois era como se a pena, sua própria pena, tivesse sido arrancada de suas mãos e alguém rabiscasse com ela a palavra foda no assento de um vaso sanitário”.

Virginia “também sentia”, segundo Quentin, “que Joyce escrevia para um pequeno grupo, e, quando se refere a ele, escreve ‘essa gente’ — como se o classificasse tal qual Ezra Pound e não sei que outras figuras do ‘submundo’. A reação dela talvez seja significativa; a rudeza gratuita e impudente de Joyce fazia-a sentir-se, súbito, desesperadamente ‘uma dama’. Mesmo assim foi perspicaz o bastante para ver que era algo digno de ser publicado; era claro, também, que estava absolutamente além da capacidade técnica da Hogarth Press”. Para mim, era o lado mundano de Joyce que não agradava Virginia. Ao contrário de Joyce e de Proust, não sacava muito do lado “sujo” da vida.



http://www.revistabula.com/2229-virginia-woolf-tentou-curar-sua-loucura-pelo-suicidio/

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