Para Curitiba, com Simon e Garfunkel - crônica - Donald Malschitzky


Dia nada convidativo, frio, vento e nuvens baixas na serra. Vontade não dá, mas preciso subi-la.

Acompanham-me apenas Simon e Garfunkel num velho CD – “The definitive” – comprado numa cesta de ofertas há algum tempo. É terça-feira, mas o disco começa com Wednesday Morning: “Posso ouvir a respiração suave da mulher que amo”.

Companheira e, às vezes, Amiga da Onça, a estrada me absorve. O que pensam aqueles que passam, me ultrapassam ou me veem passar? Ouvem música, assobiam, xingam os outros motoristas? Quantos sentem saudades e recém partiram? As vozes preenchem carro com “Homewar dBound” : “Em casa, onde meu amor espera silenciosamente por mim”. Descem as nuvens, a neblina faz tudo parecer uma fotografia da Lair.

Vou com cuidado, pois já vi demais nessa estrada. Se for para ser estatística, que seja das boas. Pingos esparsos anunciam a chuva que está a caminho. “Kathy’s Song” acompanha: “Como memória, cai a garoa”. 

É cedo, um ou outro posto de venda de pinhão começa a ser montado, os vendedores meio embrulhados em suas surradas roupas, encolhidos pelo frio e a garoa. Fumaça sobe dos fogões improvisados para cozinhar o pinhão e das chaminés de casas simples. Vem imagem de bule de café em cima do fogão. Curvas suaves desenham o caminho. 

Estou no alto, a mesma paisagem, e sempre tão diferente. Vejo que o vento sopra, talvez mais do que deveria. Sim, um dia vamos conhecer Campo Largo da Roseira, por enquanto é apenas uma placa, indicando a direção, mas já traz lembranças. “Preserve suas lembranças, elas são tudo que lhe restam”, acaricia minhas lembranças.

Passou o dia, ocupado, como sempre. Hora de voltar. Horizonte negro. Na volta, desce em forma de cachoeiras iluminadas por raios que brotam de trás de nuvens de chumbo. Gosto de tempestades, embora fique um gosto de receio. O mesmo CD, “Velhos amigos...., silenciosamente compartilhando os mesmos medos”.

Esse cara tem um cristal na garganta, só isso explica como Art Garfunkel lapida cada nota, cada sílaba de “For Emily”. “E quando acordei e senti você quente e perto, beijei seus cabelos com minhas lágrimas de gratidão ...I love you, girl”. Eu também.

Atravesso muitas pontes. “Quando a escuridão chegar e a dor cercar você, como uma ponte sobre águas turbulentas, eu me estenderei”. Cheguei, mas, na próxima vez, não me deixe ir sozinho.

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