Vem esta viração da tarde farfalhando as roseiras e as folhagens verdes, sacudindo levemente as trepadeiras do mato, redescobrindo na alma a alegria doce da infância. ela chega devagar toda tarde, acaricia a pele e purifica os sonhos do menino que existe dento do homem grande e surrado pelo tempo...
Aquele menino magro e franzino, que abre a porteira de dobradiças enferrujadas, sou eu. ele se dependura no gemido prolongado das dobradiças enferrujadas no pátio da fazenda. O gemido parece alma penada solta no meio das pastagens e dos cafezais verdes.
O sol vermelho, na tarde calorenta, é uma ciranda de fogo dependurada na aba dos morros, à espera do encantamento da noite. As sombras invadem o pátio. Os boias-frias trepam nos caminhões de lona. Cansados, estropiados, cobertos por uma camada de terra vermelha, soltam suspiros entalados nas gargantas ressecadas. O patrão paga-os, nota por nota, como se eles fossem vadios.
__ Você, amanhã, não precisa vir. O trabalho não rendeu. Quem sabe, noutro dia ...
__ Mas tenho família, preciso do trabalho, mais uma chance _ implora o boia-fria, como mendigo.
__ Já disse: vá andando! _ engrossa a voz.
Depois, o patrão chama o gato:
__ Não me traga mais esta gente carcomida, que não aguenta sequer um saco de batata às costas!
O menino brinca pelo pátio. Corre de um lado a outro. Parece que engoliu um pedaço de ciranda de sol. dependura-se na porteira e faz repetir o lamento prolongado das dobradiças enferrujadas. No mourão esquerdo há uma caveira de boi. É para espantar as pragas, doenças e maldições. O rangido das dobradiças corta o pátio empoeirado e o caminhão de trabalhadores se movimenta devagar _ o fordeco geme, sente o lamento da porteira.
__ Para com isso, menino! _ ralha o capataz. __ Tem fogo no rabo?
Ele pula da porteira e mete os pés na poeira fofa como um redemoinho. Reina no ar uma alegria incontida. O sangue pula nas veias. Os olhos brilham. Novamente, o vento da tarde farfalha as roseiras, os folhames das trepadeiras e arrepia sua pele. Ele não se aguenta de contentamento; parece que vai estourar de tanta alegria. Ah, o mundo é belo, a vida se renova a cada instante.
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