Dizem que só se conhecem bem as pessoas em determinadas ocasiões. Heranças e partilhas, por exemplo. Não existe ocasião melhor para que os tigres e tigresas mostrem as garras.
– Mas como? Vivi quase trinta anos com ela e não sabia que era assim! Está fazendo questão até de um mísero cinzeiro de 1,99.
– Você ousou exterminar o camundongo que fez ninho dentro do fogão? Não pode mexer em nada na casa sem minha autorização. Exijo que reponha o camundongo.
No caso de heranças também se veem coisas grotescas:
– O terno do velho fica pra mim!
– Terno? Que terno? Que eu saiba papai tinha um único terno, aquele com o qual foi enterrado.
– Pois é. Antes de fechar o caixão, fui lá e tirei o terno. Ele não ia precisar mesmo. E depois, pra que estragar a roupa?
– Quero minha parte! Você fica com as calças, eu fico com o paletó.
– E o pintinho do velho? (estou me referindo aqui ao bebê galináceo que, se resistir a essa partilha, um dia se tornará um belo espécime de crista carnuda e asas curtas e largas, o rei do galinheiro).
– Não abro mão do pintinho – desafia a irmã solteirona. Vocês já se apossaram do trombone de vara (certamente, um deles ficou com o trombone e o outro com a vara).
Quando falo em partilhas, me vem à mente a história dos marrecos, que até parece conto infantil. Um fazendeiro, ao morrer, deixou três marrecos para repartir entre quatro herdeiros. Acho que se fosse apenas pelos irmãos teriam resolvido entre eles. Mas seus cônjuges (quero dizer, as respectivas mulheres) não deixavam por menos:
– Seja firme, Osvaldo, não deixa teus irmãos te lesarem.
– Eu faço questão, Hermógenes, não é pelos bichos, mas o que é certo é certo. Vai lá, bate o pé!
– Não deixa as sirigaitas das tuas cunhadas levarem a melhor, Valdício; nós temos todo o direito.
A última delas não disse nada, pois era de pouca conversa, mas olhou pro marido com uma cara que não deixava a menor dúvida.
Se a situação fosse inversa, quatro marrecos para três herdeiros, a coisa se resolvia facilmente: um penoso para cada um deles e o quarto seria convidado a ser o prato principal num saboroso jantar em família.
Feitas as contas, daria 0,75 marrecos para cada um deles. Como resolveram o problema? Fácil: para não sacrificar os bichinhos, apelaram para a justiça de Salomão: cada um dos herdeiros ficava com os marrecos durante sete dias e meio. Num mês, os marrecos passavam pelo quintal de todos eles.
Crônica publicada no jornal Notícias do Dia em 03/06/2014
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