FÁBULAS / LEONARDO DA VINCI - PARTE 2

A Cotovia
      Era uma vez um velho eremita que morava numa floresta com apenas um companheiro, um pássaro chamado cotovia.
      Um dia dois mensageiros foram procurar o velho eremita para pedir-lhe que os acompanhasse ao palácio de seu amo, que estava gravemente enfermo.
      O velho, seguido pela cotovia, partiu com os mensageiros e fizeram-no entrar imediatamente no quarto do homem doente. Quatro médicos balançavam a cabeça, fazendo comentários em voz baixa entre si.
      __Não ha mais nada a fazer, murmurou o que parecia ser o mais importante-Infelizmente ele está morrendo.
      O velho eremita em pé junto à porta, observava a cotovia, que pousara no peitoril da janela e olhava fixamente para o doente.
      __Ele vai viver, disse o eremita.
      __ Mas como pode este camponês fazer uma afirmação dessas? - Exclamaram os médicos em coro.
      O doente abriu os olhos, viu a cotovia olhando-o fixamente e esboçou um sorriso. Pouco a pouco a cor foi voltando ao seu rosto, suas forças retornaram e, para assombro de todos os presentes disse:
       __ Estou me sentindo um pouco melhor.
      Tempos depois, o nobre do palácio, totalmente recuperado, foi à floresta para agradecer ao eremita.
      __Não agradeça a mim, disse o eremita. -Foi o pássaro quem o curou. A cotovia, acrescentou ele, é um pássaro muito sensível. Ao ser colocada junto a uma pessoa doente, se ela virar a cabeça e não olhar para o doente, isso significa que não há esperança. Mas se olhar para o doente, como olhou para o senhor, quer dizer que o paciente não vai morrer. Na realidade a cotovia, através do olhar ajuda a recuperação.
      Assim como a sensível cotovia, o amor da virtude não olha para coisas vis, sombrias, mas procura tudo o que é nobre e honrado. O pássaro habita o bosque florido, e a virtude habita o coração nobre.
Leonardo da Vinci
A Figueira
      Era uma vez uma figueira que não dava frutos. Todos passavam por ela sem olhá-la.
      Durante a primavera as folhas cresciam, mas quando chegava o verão, e as outras árvores estavam carregadas de frutos, nada aparecia em seus galhos.
      __ Eu gostaria tanto que me apreciassem! - suspirou a figueira - queria só produzir frutos como as outras árvores!
      Tentou e tornou a tentar até que, em certo verão, viu-se carregada de figos. O Sol fez os figos crescerem e incharem, tornando-os doces e perfumados.
      Todos repararam nisso. Jamais alguém tinha visto uma figueira tão carregada de frutos. E imediatamente houve uma correria para ver quem colhia mais figos. Subiram pelo tronco. Curvaram os galhos mais altos com varas compridas e o peso das pessoas fez com que alguns ramos ficassem partidos. Todos tentavam roubar os deliciosos figos, e em breve a pobre figueira viu-se toda torta e quebrada.
Moral da Estória:
      Portanto, àqueles que querem chamar a atenção pode acontecer, para sua desgraça, receberem mais do que desejam.
Leonardo da Vinci 
A Formiga e o Grão de Trigo
      Um grão de trigo, deixado sozinho no campo após a colheita, esperava pela chuva a fim de esconder-se novamente sob a terra.
      Uma formiga viu o grão, colocou-o nas costas e partiu penosamente em direção ao distante formigueiro.
      À medida que andava, o grão de trigo parecia pesar cada vez mais sobres suas costas cansadas.
      __ Por que você não me deixa aqui? - perguntou-lhe o grão de trigo.
      A formiga respondeu:
      __ Se eu deixar você para trás, podemos não ter provisões para o inverno. Em nosso formigueiro há muitas formigas e cada um de nós deve levar para o celeiro todo o alimento que encontrar.
      __ Mas eu não fui feito só para ser comido - objetou o grão de trigo - sou uma semente, cheia de vida, e meu destino é dar origem a uma planta. Ouça, cara formiga, vamos fazer um pacto.
      A formiga, contente por poder descansar um pouco, colocou o grão de trigo no chão e perguntou:
      __ Que pacto?
      __ Se você me deixar aqui no campo - respondeu o grão de trigo - em vez de me levar para o formigueiro, eu darei a você, daqui a um ano, cem grãos de trigo exatamente iguais a mim.
      A formiga olhou para o grão de trigo com ar incrédulo.
      __Sim, cara formiga. Creia no que estou lhe dizendo. Se você desistir de mim agora eu lhe darei cem de mim, cem grãos de trigo para o seu celeiro.
      A formiga pensou:
      __Cem grãos em troca de um só... Mas isso é um milagre!
      __ E como é que você vai fazer isso? - perguntou ela.
      __ Isso é um mistério - respondeu o grão de trigo - é o mistério da vida. Cave um buraquinho, enterre-me dentro dele e volte dentro de um ano.
      No ano seguinte a formiga voltou. O grão de trigo transformara-se numa nova planta carregada de sementes, cumprindo, portanto, sua promessa.
Leonardo da Vinci
A Lagarta
      Imóvel sobre uma folha, a lagarta olhou em torno e viu todos os insetos em contínua movimentação. Alguns cantando, outros saltando, outros ainda correndo e voando. Pobre criatura, era a única que não tinha voz e que não sabia nem correr nem voar.
      Com grande esforçou começou a mover-se, mas tão lentamente que quando passou de um folha para outra sentiu-se como se tivesse dado a volta ao mundo.
      No entanto não tinha inveja de ninguém. Sabia que era uma lagarta e que as lagartas precisam aprender a tecer finos fios, com grande habilidade, até construírem uma casinha para si mesmas.
      E então pôs-se a trabalhar.
      Dentro em breve a lagarta estava envolvida num macio casulo de seda, separada de todo o resto do mundo.
      __ E agora? - pensou ela.
      __ Agora espere - respondeu uma voz - tenha um pouco de paciência e você verá.
      Quando chegou o momento a lagarta acordou, e não era mais uma lagarta. Saiu do casulo com duas lindas asas brilhantes e coloridas, e imediatamente voou bem alto no céu.
Leonardo da Vinci
A Leoa
      Os caçadores, armados com espadas e afiadas lanças, aproximaram-se em silêncio. A leoa, amamentando os filhotes, farejou-os e percebeu o perigo.
      Porém era tarde. Os caçadores estavam ali, prontos para atacar.
      À vista das armas, a leoa, aterrorizada, quase fugiu correndo. Mas se fizesse isso deixaria seus filhotes à mercê dos caçadores. Resolveu defender seus filhos. Baixou os olhos, a fim de não ver as ameaçadoras espadas de ferro que enchiam de medo seu coração, e, tomando um impulso desesperado, saltou para o meio dos caçadores.
      Sua grande coragem salvou-a.
Leonardo da Vinci

A Língua e os Dentes
      Era uma vez um menino que tinha o mau hábito de falar mais que o necessário.
      __ Que língua! - suspiraram os dentes certo dia - nunca fica parada, nunca sossega!
      __ Por que é que vocês estão resmungando? - perguntou a língua em tom arrogante - Vocês, os dentes, são meros escravos, e seu trabalho resume-se em mastigar o que eu decidir. Não temos nada em comum, e não permitirei que vocês se metam em meus negócios.
      E então o menino continuou falando, algumas vezes de maneira imprópria, e sua língua sentia-se muito feliz, aprendendo novas palavras a cada dia.
      Porém um dia o menino comportou-se mal e permitiu à sua língua contar uma grande mentira. Os dentes obedeceram ao coração, fecharam-se e morderam a língua.
      A partir desse dia a língua tornou-se tímida e prudente, e passou a pensar duas vezes antes de falar.
Leonardo da Vinci

A Navalha
      Era uma vez uma navalha de excelente qualidade, que morava numa barbearia. Um dia em que a loja estava vazia ela resolveu dar uma voltinha. Soltou-se do cabo e saiu para apreciar o lindo dia de primavera.
      Quando a navalha viu o reflexo do Sol em si mesma, ficou surpresa e encantada. A lâmina de aço lançava uma luz tão brilhante que, subitamente, com excessivo orgulho, a navalha disse a si mesma:
      __ E eu vou voltar para aquela loja de onde acabei de fugir? É claro que não! Os deuses não podem querer que uma beleza tal como a minha seja desonrada desta maneira. Seria loucura ficar aqui cortando as barbas ensaboadas daqueles camponeses, repetindo sem cessar a mesma tarefa mecânica! Será que minha beleza foi realmente feita para um trabalho desses? Certamente não! Vou esconder-me num local secreto e passar o resto da vida em paz.
      E em seguida foi procura um esconderijo onde ninguém a visse.
      Passaram-se meses. Um dia a navalha teve vontade de respirar ar fresco. Saiu cautelosamente de seu refúgio e olhou para si mesma.  Ai, que acontecera? A lâmina estava horrorosa, parecendo uma serra enferrujada, e não refletia mais a luz do Sol.
      A navalha ficou muito arrependida pelo que havia feito, e lamentou amargamente a irreparável perda, dizendo:
      __ Oh, como teria sido melhor se eu tivesse conservado em forma a minha linda lâmina, cortando barbas ensaboadas! Minha superfície teria permanecido brilhante e minha borda afiada! Agora aqui estou eu, toda corroída e coberta de uma horrível ferrugem! E não há nada a fazer!
Moral da Estória:
      O triste fim da navalha é o mesmo que sucede às pessoas inteligentes que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. Essas pessoas, assim como a navalha, perdem o brilho e a parta afiada de seu intelecto, sendo logo corroídas pela ferrugem da ignorância.

Leonardo da Vinci

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