A
Neve
No cume de uma montanha
muito alta havia uma pedra. E na borda da pedra havia um floco de neve.
A neve olhou para o
Universo em torno e pôs-se a pensar consigo mesma:
__ As pessoas devem achar
que sou convencida e presunçosa, e é verdade! Como pode um pedacinho de neve,
um mero floco de neve, como eu, permanecer aqui no alto sem sentir vergonha?
Qualquer pessoa que olhe para esta montanha pode ver que todo o resto da neve
está mais embaixo. Um pequenino floco de neve, como eu, não tem direito a
alturas tão vertiginosas, e chego a merecer que o Sol faça comigo o mesmo que
fez ontem com meus companheiros, derretendo-me com um simples olhar. Mas vou
escapar á justa ira do Sol descendo para um nível mais apropriado para alguém
tão pequeno como eu.
Ao dizer isto, o pequenino
floco de neve, rígido de frio, atirou-se do alto da pedra e rolou para baixo do
cume da montanha. Porém quanto mais rolava maior se tornava. Em breve
transformou-se numa grande bola de neve e depois em avalanche. Finalmente parou
numa colina, e a avalanche era tão grande quanto a colina que ficava por baixo
dela.
E por isso, quando chegou
o verão, essa foi a última neve a ser derretida pelo Sol.
Leonardo da Vinci
A Noz e o Campanário
Um corvo pegou uma noz e
levou-a para o topo de um alto campanário. Segurando a noz com as patas começou
a bicá-la para abri-la. Porém subitamente a noz rolou para baixo e desapareceu
numa fresta do muro.
__ Muro, meu bom muro -
suplicou a noz, percebendo que estava livre do bico do corvo - pelo amor de
Deus, que foi tão bom para você, fazendo-o alto e forte, e enriquecendo-o com
esses belos sinos de tão belo som, salve-me, tenha pena de mim! Meu destino era
cair entre os velhos ramos de meu pai - prosseguiu a noz - permanecer no rico
solo coberto de folhas amarelas. Por favor, não me abandone! Quando eu estava
sendo atacada pelo terrível bico daquele corvo feroz, fiz um voto. Prometi que,
se Deus me permitisse escapar, eu passaria o resto de minha vida dentro de uma
frestinha.
Os sinos, num doce
murmúrio, avisaram o campanário que tomasse cuidado porque a noz podia ser
perigosa. Porém o muro, teve compaixão e decidiu abrigá-la, deixando-a ficar
onde havia caído.
Porém dentro em breve a
noz começou a abrir e a estender raízes nas frestas da pedra. Em seguida as
raízes forçaram caminho por entre os blocos de pedra e surgiram galhos que
saíam pela fresta. Os galhos cresceram, tornaram-se mais fortes e estenderam-se
para o alto, acima do topo da torre. E as raízes, grossas e enroscadas,
começaram a fazer buracos nos muros, empurrando para fora todas as velhas
pedras.
O muro percebeu, tarde
demais, que a humildade da noz e seu voto de ficar escondida numa fresta não
eram sinceros. E arrependeu-se de não ter dado ouvido aos sinos.
A nogueira continuou a
crescer e o muro, o pobre muro, desmoronou e ruiu.
Leonardo da Vinci
A Ostra e o Camundongo
Uma ostra viu-se,
juntamente com um grande número de peixes, dentro da casa de um pescador, pouco
distante do mar.
__ Vamos todos morrer -
pensou a ostra ao ver seu companheiros espalhados pelo chão, quase asfixiados.
Um camundongo veio
passando.
__ Escute, camundongo! -
disse a ostra - será que você pode fazer favor de me levar para o mar!
O camundongo olhou para a
ostra: era grande e bonita. Devia ser deliciosa.
__ Certamente - respondeu
o camundongo, decidido a comê-la - mas você precisa abrir sua concha, porque
assim, fechada desse jeito, não posso carregá-la.
A ostra abriu
cautelosamente a concha e o camundongo imediatamente meteu o focinho para
abocanhá-la. Porém, em sua pressa, enfiou demais a cabeça e a ostra fechou-se,
prendendo o roedor pelo pescoço. O camundongo deu um grito. Um gato ouviu, veio
correndo e devorou-o.
Leonardo da Vinci
A Ostra e o Caranguejo
Uma ostra estava
apaixonada pela Lua. Sempre que a Lua cheia brilhava no céu ela passava horas
olhando-a boquiaberta.
Um caranguejo viu, de seu
posto de observação, que durante a Lua cheia a ostra ficava completamente
aberta, e decidiu comê-la.
Na noite seguinte, quando
a ostra se abriu, o caranguejo colocou um pedregulho dentro da concha.
A ostra, imediatamente,
tentou fechar-se novamente, porém o pedregulho impediu que assim o fizesse.
Moral da Estória:
Isso acontece a qualquer
pessoa que abra a boca para contar seus segredos. Há sempre um ouvido à escuta.
Leonardo da Vinci
O Lírio
Nas verdes margens do rio
Ticino um belo lírio mantinha-se reto e alvo em sua haste, mirando o reflexo de
suas brancas pétalas na água. A água ansiava possuir o lírio.
A cada ondulação da
superfície passava a imagem da linda flor branca. E o desejo da água voltava-se
para as ondulações que ainda estavam por vir.
E assim todo o rio começou
a estremecer e a correnteza tornou-se rápida e turbulenta. A água não conseguiu
arrancar o lírio, que mantinha-se firme no alto de sua forte haste, e então
atirou-se furiosamente contra a margem, que foi arrastada pela inundação.
E junto com a margem
foi-se a linda e solitária flor.
Leonardo da Vinci
A Pulga e o Carneiro
Certo dia, uma pulga que
morava no pelo macio de um cachorro, sentiu um agradável cheiro de lã.
__ Que será isso?
Deu um salto e viu que o
cachorro adormecera encostado à pele de um carneiro.
__ Esta pele é exatamente
o que preciso - disse a pulga - é mais espessa e mais macia, e principalmente
mais segura. Não corro o risco de ser encontrada pelas patas e pelos dentes do
cachorro, que a toda hora me procuram. E a pele do carneiro deve ser,
certamente, mais agradável.
Então, sem mais pensar, a
pulga mudou-se de casa, saltando das costas do cachorro para a pele do
carneiro. Porém a lã era espessa, tão espessa que era difícil atravessá-la para
chegar até a pele. Tentou e tornou a tentar, separando pacientemente os fios,
procurando laboriosamente um caminho. Finalmente atingiu as raízes dos pelos,
mas eles eram tão juntos que ficavam praticamente encostados uns nos outros. A
pulga não encontrou sequer um furinho através do qual pudesse atingir a pele do
animal.
Cansada, banhada em suor e
profundamente desapontada, a pulga resignou-se a voltar para o cachorro. Porém
o cachorro não estava mais lá.
Pobre pulga! Chorou dias a
fio de arrependimento por seu erro.
Leonardo da Vinci
A Raposa e a Pega
Certo dia uma raposa
esfomeada viu-se debaixo de uma árvore sobre a qual estava pousado um bando de
barulhentas pegas.
Escondendo-se para não ser
vista, a raposa pôs-se a observar. Notou que os pássaros mantinham-se
constantemente em busca de alimento e não temiam sequer pousar sobre cadáveres
de animais a fim de bicá-los.
__ Vou fazer uma
experiência - disse a raposa para si mesma.
Cautelosamente, no maior
silêncio, deitou-se no chão e permaneceu imóvel, de boca aberta, como se
estivesse morta.
Breve uma pega a viu e
imediatamente voou para o chão.
Aproximou-se da raposa e,
pensando que ela estava morta, pôs-se a bicar-lhe a língua.
Porém a pega deveria ter
sido mais prudente, pois a raposa a apanhou.
Leonardo da Vinci
A Rede
Naquele dia, como todos os
dias, a rede subiu carregada de peixes. Carpas, barbos, lampreias, trutas,
enguias e muitos, muitos outros peixes foram para as cestas dos pescadores.
Lá no fundo da água do
rio, os sobreviventes, assustados e com medo, não ousavam se mexer. Famílias
inteiras já haviam sido enviadas para o mercado. Diversos cardumes tinham caído
na rede e terminado na frigideira. Que fazer?
Um grupo de jovens peixes
promoveu uma reunião atrás de uma pedra e decidiu se revoltar.
__ É uma questão de vida
ou morte - disseram eles - todos os dias essa rede afunda na água, cada vez num
local diferente, para nos aprisionar e nos levar embora de nosso lar. Vai
acabar nos matando a todos, e o rio ficará sem peixe algum. Nossos filhos têm
direito à vida e precisamos fazer alguma coisa para livrá-los deste flagelo.
__ E que podemos fazer? -
perguntou uma truta que seguira os conspiradores.
__ Destruir a rede -
responderam os outros em coro.
As enguias encarregaram-se
de rapidamente espalhar a notícia dessa corajosa decisão e convocaram todos os
peixes para um encontro na manhã seguinte, numa pequena enseada protegida por
altos salgueiros.
No dia seguinte, milhões
de peixes de todos os tamanhos e idades reuniram-se para declarar guerra à
rede.
A liderança foi entregue a
uma sábia e velha carpa, que por duas vezes conseguira escapar da prisão,
mordendo as malhas da rede.
__ Ouçam com atenção -
disse a carpa - a rede é da largura do rio, e todas as malhas têm um chumbo
preso por baixo, para que a rede afunde. Dividam-se em dois grupos. Um dos
grupos suspenderá os pesos de chumbo e os carregará até a superfície, e o outro
segurará as malhas por cima com firmeza. As lampreias vão serrar com os dentes
a corda que mantém a rede esticada entre as duas margens. As enguias vão partir
já, para fazer uma inspeção e nos informar em que local a rede foi lançada.
As enguias partiram. Os
peixes formaram grupos ao longo das margens. Os barbos encorajavam os mais
tímidos, relembrando-lhes o triste fim de tantos amigos e exortando-os a não
terem medo de ficarem presos na rede, porque daquele dia em diante nenhum homem
seria mais capaz de arrastá-la para a margem.
As enguias retornaram,
missão cumprida. A rede fora lançada a uma milha dali.
Então todos os peixes, como uma frota gigantesca, partiram atrás da
velha carpa.
__ Tomem cuidado - disse a
carpa - pois a correnteza pode arrastar vocês para dentro da rede. Sigam
devagar e usem bem as nadadeiras.
E então viram a rede,
cinzenta e sinistra.
Os peixes, acometidos de
súbita fúria, nadaram para atacar.
A rede foi suspensa por
baixo, as cordas que a seguravam foram cortadas, as malhas foram rasgadas. Mas
os peixes, enfurecidos não largavam mais sua presa. Cada um segurava na boca um
pedaço de malha e abanando fortemente as caudas e as nadadeiras, puxavam de
todos os lados a fim de rasgar e destruir a rede. E a água parecia estar
fervendo enquanto os peixes finalmente libertavam o rio daquele perigo.
Leonardo da Vinci
A Serpente e os Pássaros
Não havia mais tantos
pássaros no bando quanto anteriormente. Cada dia um deles desaparecia
misteriosamente, sem ninguém notar como. O líder do bando não conseguia
encontrar explicação alguma.
Certa manhã, em vez de
voar na frente, colocou-se em último lugar, a fim de poder vigiar seus
companheiros.
Voaram, como sempre, em
direção a uma floresta distante. Ao passarem por cima de uma colina o líder
notou que o ordenado bando separou-se, como se atingido por um forte vento. A
maioria dos pássaros tornou a formar uma fila ordenada. Porém dois dos mais
jovens prosseguiram numa rota diferente, como se atraídos por alguma força
invisível.
E subitamente o líder viu
a serpente. Era muito comprida e tinha diversos anéis.
Todas as manhãs ficava
escondida na grama, à espera da passagem do bando. Então abria a boca e
aspirava com força, sugando os pássaros para dentro de sua boca.
Tendo descoberto o perigo,
o sábio líder, desse dia em diante, conduziu o bando por outra rota e a
serpente nunca mais apanhou nenhum deles.
Leonardo da Vinci
A Toupeira
Uma toupeira estava
passeando em baixo da terra ao longo das longas galerias subterrâneas que sua
família havia escavado durante muitos anos de trabalho.
Andou para a frente e para
trás, subiu ao último andar e desceu até o porão como se enxergasse
perfeitamente bem. Na realidade, assim como todas as toupeiras, ela tinha olhos
muito pequeninos e não via quase nada.
Finalmente chegou a um caminho que não
conhecia e prosseguiu adiante!
__ Pare! - gritou uma voz
vinda do andar inferior - essa galeria conduz ao exterior e é perigosa!
Porém a toupeira continuou
a subir até chegar a um monte de terra.
Levantou o focinho e emergiu. Porém a brilhante luz do Sol cegou-lhe
os olhos e ela correu de volta para a escuridão de seu abrigo.
Leonardo da Vinci
As Chamas
As chamas brilhavam há
mais de um mês na fornalha do soprador de vidro, onde eram feitos vidros e
garrafas.
Um dia viram aproximar-se
uma vela colocada num castiçal fino e brilhante. Imediatamente, com um desejo
ardente, as chamas tentaram aproximar-se da linda vela.
Uma delas, saltando da
brasa que a alimentava, virou-se de costas para a fornalha e, passando através
de uma pequenina fresta, atirou-se para cima da vela, devorando-a sofregamente.
Porém a ávida chama logo
consumiu a pobre vela e, não desejando morrer com ela, tentou voltar para a
fornalha de onde havia fugido.
Porém não conseguiu desgrudar-se da cera amolecida e, em vão, gritou
para as outras chamas, pedindo socorro.
A chama rebelde
transformou-se numa sufocante fumaça, e deixou todas suas irmãs
resplandecentes, com a perspectiva de uma vida longa e brilhante.
Leonardo da Vinci
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