MIA COUTO
(António Emílio Leite Couto)
Biólogo, escritor, poeta
Nasceu: 05 de Julho de 1955
Local: Beira, Província de Sofala - Moçambique
Uma das vozes mais originais da literatura de expressão portuguesa contemporânea, comparado a Gabriel Garcia Márquez, Guimarães Rosa e Jorge Amado. É também biólogo formado. Moçambicano de nascimento, filho de portugueses, vive em Maputo.
Um dos principais escritores africanos, seu romance Terra sonâmbula foi considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX.
Em 1999, o autor recebeu o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra e, em 2007 o prêmio União Latina de Literaturas Românicas.
É o único escritor africano que é membro da Academia Brasileira de Letras, como sócio correspondente, eleito em 1998.
“Sou escritor e cientista. Vejo as duas atividades, a escrita e a ciência, como sendo vizinhas e complementares. A ciência vive da inquietação, do desejo de conhecer para além dos limites. A escrita é uma falsa quietude, a capacidade de sentir sem limites. Ambas resultam da recusa das fronteiras, ambas são um passo sonhado para lá do horizonte. A Biologia para mim não é apenas uma disciplina científica mas uma história de encantar, a história da mais antiga epopeia que é a Vida. É isso que eu peço à Ciência: que me faça apaixonar. É o mesmo que eu peço à literatura.”
(ESCRE)VER-ME
nunca escrevi
sou
apenas um tradutor de silêncios
a vida
tatuou-me os olhos
janelas
em que me transcrevo e apago
sou
um soldado
que se apaixona
pelo inimigo que vai matar
MIA COUTO
In Raiz de orvalho e outros poemas, 1999
PALAVRA QUE DESNUDO
Entre a asa e o voo
nos trocamos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo
MIA COUTO
In Raiz de Orvalho e Outros Poemas, 1999
PERGUNTA-ME
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue
Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
MIA COUTO
In Raiz de Orvalho e outros poemas, 1999
Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.
Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me, a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.
A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.
MIA COUTO
Maputo, 2006
In Idades cidades divindades, 2007
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