Fábulas
de Leonardo Da Vinci (Século XV)
A
Parreira e a Velha Árvore
Uma parreira, a fim de
sentir-se mais segura, apoiou-se fortemente numa velha árvore. Suas
companheiras, agarradas às estacas que o vinhateiro havia colocado com essa
finalidade, perguntaram:
___ Por que você escolheu uma velha árvore para se
apoiar? E se ela morrer, que vai fazer você?
A parreira, tranquila e
satisfeita com sua escolha, não tomou conhecimento das companheiras. Agarrou-se
ainda mais fortemente ao velho tronco, certa de que viveria mais tempo que
todas as outras vinhas.
Porém a árvore vivera
muitos anos. Era tão velha que não aguentava mais. Estremecia ao menor sopro de
vento e muitos de seus galhos já estavam secos e mortos. Um dia, finalmente,
caiu com grande estrondo e ficou deitada na grama. A tola parreira, sempre
envolvendo-a, caiu ao chão junto com ela.
Leonardo da Vinci
Fábulas de Leonardo Da Vinci (Século XV)
A
Água
Certo dia, um pouco de
água desejou sair de seu lugar habitual, no lindo mar, e voar para o céu.
Então a água pediu ajuda
ao fogo. O fogo concordou e, com seu calor, transformou a água em vapor,
tornando-a mais leve que o ar.
O vapor partiu para o céu,
subindo cada vez mais alto, até finalmente atingir a camada mais fria e mais
rarefeita da atmosfera. Então as partículas de água, enregeladas de frio,
tornaram a se unir e voltaram a ser mais pesadas que o ar. E caíram sob a forma
de chuva. Não se limitaram a cair, mas jorraram como uma cascata em direção à
terra.
A arrogante água foi
sugada pelo solo seco e, pagando caro por sua arrogância, ficou aprisionada na
terra.
Leonardo da Vinci
A
Águia
Certo dia uma águia olhou
para baixo, do alto do seu ninho, e viu uma coruja.
__ Que estranho animal! -
pensou consigo mesma. Certamente não se trata de um pássaro.
Movida pela curiosidade,
abriu suas grandes asas e pôs-se a descer voando em círculos.
Ao aproximar-se da coruja
perguntou:
__ Quem é você? Como é seu
nome?
__ Sou a coruja -
respondeu o pobre pássaro em voz trêmula, tentando esconder-se atrás de um
galho.
__ Há, há! Como você é
ridícula! - riu a águia - sempre voando em torno da árvore. Só tem olhos e
penas! Vamos ver - acrescentou, pousando num galho - vamos ver de perto como
você é. Deixe-me ouvir sua voz. Se for tão bonita quanto sua cara vou ter que
tapar os ouvidos.
Enquanto isso a águia
tentava, por meio das asas, abrir caminho por entre os galhos para apanhar a
coruja.
Porém um fazendeiro havia
colocado, entre os galhos da árvore, diversos ramos cobertos de visgo, e também
espalhara visgo nos galhos maiores.
Subitamente a águia viu-se
com as asas presas à árvore, e quanto mais lutava para se desvencilhar, mais
grudadas ficavam suas penas.
A coruja disse-lhe:
__ Águia, daqui a pouco o
fazendeiro vai chegar, apanhar você e trancá-la numa grande gaiola. Ou talvez a
mate para vingar-se pelos cordeiros que comeu. Você, que passou toda a sua vida
no céu, livre de qualquer perigo, tinha alguma necessidade de vir até aqui para
caçoar de mim?
Leonardo da Vinci
A pobre amoreira não
suportava mais aquilo. Agora, que seus galhos estavam novamente carregados de
amoras, os insolentes melros bicavam e estragavam todos os ramos com o bico e
com as patas.
__ Por favor - suplicou a
amoreira, dirigindo-se ao melro mais importuno - poupe ao menos minhas folhas!
Sei que vocês gostam muito dos meus frutos, que são seus preferidos. Porém não
me privem da sombra de minhas folhas, que me protegem contra os raios do Sol. E
não me estraguem com as patas, não arranquem minha casca macia.
A essas palavras o melro,
ofendido, respondeu:
__ Silêncio, sua
mal-educada! Você não sabe que a natureza fez você produzir essas frutas apenas
para me alimentar? Não sabe, sua estúpida, que quando chegar o inverno você vai
servir apenas para alimentar o fogo?
Ao ouvir essas palavras a
amoreira pôs-se a chorar baixinho.
Algum tempo depois o
insolente melro caiu numa armadilha preparada por um homem. A fim de construir
uma gaiola para o pássaro, o homem cortou os galhos de uma sebe, e coube à
amoreira fornecer a madeira para as barras da gaiola.
__ Oh! Melro, disse a
amoreira - ainda estou aqui. Quando você era livre vinha me importunar, e agora
são meus galhos que impedem sua liberdade. Ainda não fui consumida pelo fogo,
como você disse que ia acontecer. Você não me viu queimada, mas eu estou vendo
você prisioneiro.
Leonardo da Vinci
A
Andorinha
A andorinha, com gritos de
alegria, voltou para seu antigo ninho.
Primeiro limpou-o e
arrumou-o, e em seguida pôs ovos. Depois chocou-os. Finalmente, quanto os
filhotes nasceram, começou a voar para um lado e para outro, indo e vindo do
ninho, a fim de alimentar sua grande família.
Seu companheiro, em
contrapartida, voava o tempo todo. Voava enquanto a andorinha arrumava a casa,
enquanto os ovos estavam sendo chocados, e continuou voando todos os dias, de
manhã à noite, sem um instante de repouso.
__ Por que é que você está
sempre voando? - perguntaram-lhe um dia.
__ Porque não gosto de
trabalhar - foi a resposta.
Leonardo da Vinci
A
Aranha e as Abelhas
Certo dia uma aranha
encontrou um local onde havia muitas moscas. Imediatamente pôs mãos à obra,
tecendo uma teia. Escolheu dois galhos como apoio e começou a trançar para lá e
para cá, entre um e outro galho. Tecendo seu fio de prata, construiu sua teia.
Quando terminou o trabalho escondeu-se atrás de uma folha.
A espera foi breve. Logo
uma mosca curiosa viu-se presa à teia. A aranha precipitou-se e devorou a
mosca.
Porém uma vespa, pousada
numa flor, a tudo assistira. Imediatamente voou para cima da aranha e furou-a
com uma ferroada.
Leonardo da Vinci
A
Aranha e as Uvas
Uma aranha observou
durante dias a fio os movimentos dos insetos, e notou que as moscas ficavam em
torno de um grande cacho de uvas muito doces.
__ Já sei o que fazer -
disse ela para si mesma.
Subiu para o alto da
parreira e, por meio de um tênue fio, desceu até o cacho de uvas, onde
instalou-se num pequenino espaço entre duas frutas.
De dentro do esconderijo
começou a atacar as pobres moscas que vinham em busca de alimento. Matou muita
delas, pois nenhuma suspeitava que houvesse ali uma aranha.
Porém em breve chegou a
época da colheita.
O fazendeiro foi para o
campo, colheu o cacho de uvas e atirou-o para dentro de uma cesta, na qual se
viu espremido junto com os outros cachos.
As uvas foram a armadilha
fatal para a aranha impostora, que morreu exatamente como as moscas que
enganara.
Leonardo da Vinci
A
Aranha e o Buraco da Fechadura
Após ter explorado a casa
toda, por dentro e por fora, uma aranha resolveu esconder-se no buraco da
fechadura.
Que esconderijo ideal!
Pensou ela. Quem jamais havia de imaginar que ela estava ali? E além disso
podia espiar para fora e ver tudo o que acontecia.
Ali em cima, disse ela para
si mesma, olhando para o alto da porta:
__ Vou fazer uma teia para
moscas - ali em baixo, acrescentou, observando a soleira - Farei outra para
besourinhos. Aqui, ao lado da porta, vou armar uma teiazinha para os mosquitos.
A aranha estava exultante.
O buraco da fechadura proporcionava-lhe uma nova e maravilhosa sensação de
segurança. Era tão estreito, escuro, e era revestido de ferro. Parecia-lhe mais
inexpugnável que uma fortaleza, mais garantido que qualquer armadura.
Imersa nesses deliciosos
pensamentos, a aranha ouviu o som de passos que se aproximavam. Correu de volta
para o fundo de seu refúgio.
Porém a aranha
esquecera-se de que o buraco da fechadura não havia sido feita para ela. Sua
legítima proprietária, a chave, foi colocada na fechadura e expulsou a aranha.
Leonardo da Vinci
A
Árvore e a Vara
Uma árvore que crescia
lindamente, erguendo em direção ao céu sua copa de tenras folhas, reclamou da
presença de uma vara de madeira velha e seca que estava ao seu lado.
__ Vara, você está perto demais de mim. Não pode
chegar mais para lá?
A vara fingiu nada ouvir e
não deu resposta.
Em seguida a árvore
virou-se para a cerca de espinhos que a circundava.
__ Cerca, você não pode ir
para outro lugar? Você me irrita.
A cerca fingiu nada ouvir
e não deu resposta.
__ Linda árvore - disse um
lagarto, levantando sua sábia cabecinha para olhar para a árvore - você não vê
que a vara está mantendo você reta? Não percebe que a cerca está protegendo
você contra as más companhias?
Leonardo da Vinci
A
Borboleta e a Chama
Uma borboleta multicor
estava voando na escuridão da noite quando viu, ao longe, uma luz.
Imediatamente voou naquela
direção e ao se aproximar da chama pôs-se a rodeá-la, olhando-a maravilhada.
Como era bonita!
Não satisfeita em
admirá-la, a borboleta resolveu fazer o mesmo que fazia com as flores
perfumadas. Afastou-se e em seguida voou em direção à chama e passou rente a
ela.
Viu-se subitamente caída,
estonteada pela luz e muito surpresa por verificar que as pontas de suas asas
estavam chamuscadas.
__ Que aconteceu comigo? -
pensou ela.
Mas não conseguiu
entender. Era impossível crer que uma coisa tão bonita quanto a chama pudesse
causar-lhe algum mal. E assim, depois de juntar um pouco de forças, sacudiu as
asas e levantou voo novamente.
Rodou em círculo e mais
uma vez dirigiu-se para a chama, pretendendo pousar sobre ela. E imediatamente
caiu, queimada, no óleo que alimentava a brilhante e pequenina chama.
__ Maldita luz - murmurou
a borboleta agonizante - pensei que ia encontrar em você a felicidade e em vez
disso encontrei a morte. Arrependo-me desse tolo desejo, pois compreendi, tarde
demais, para minha infelicidade, o quanto você é perigosa.
__ Pobre borboleta -
respondeu a chama - eu não sou o Sol, como você tolamente pensou. Sou apenas
uma luz. E aqueles que não conseguem aproximar-se de mim com cautela são
queimados.
Moral da Estória:
Esta fábula é dedicada
àqueles que, como a borboleta, são atraídos pelos prazeres mundanos, ignorando
a verdade. Então, quando percebem o que perderam, já é tarde demais.
Leonardo da Vinci
A
Castanheira – I
Um dia uma velha
castanheira viu um homem subindo numa figueira.
O homem puxava os galhos
em sua direção e arrancava os figos maduros, comendo-os um por um, mordendo-os
com seus fortes dentes.
Os galhos da castanheira
murmuraram:
__ Oh, figueira, você deve
muito menos à Mãe Natureza do que eu! Está vendo o que ela fez por mim? Como
preparou e protegeu bem meus filhos queridos! Vestiu-os primeiro com um vestido
bem fino sobre o qual colocou um capa de pele dura, mas forro macio. E não
satisfeita por ter me feito esta gentileza, construiu para cada um deles uma
casinha bem resistente, e mobiliou-a com espinhos grossos e duros para
protegê-los contra as mãos dos homens.
Quando a figueira e os
figos ouviram isso, puseram-se a rir, e depois de rir um bom momento, a
figueira respondeu:
__ Mas será que você
realmente conhece os homens? Nada disso adianta, pois eles farão tudo para
tirar de você todos os seus frutos. Armados de varas, de paus e de pedras,
baterão nos seus galhos para que todos os frutos caiam no chão. E uma vez
caídos, vão pisar em cima deles ou esmagá-los com pedras para fazê-los sair de
dentro de suas casinhas, tão bem protegidas pelos espinhos. E seus filhos
ficarão amassados, quebrados e mutilados.
Porém o meu fruto é colhido com delicadeza e só sou tocada por mãos.
Leonardo da Vinci
A
Castanheira – II
Em um jardim cercado por
um alto muro, diversas árvores frutíferas moravam juntas. Durante a primavera todas ficavam
cobertas de flores e no verão ficavam carregadas de frutos. Havia também uma
castanheira.
__ Porque hei de ficar
escondida neste jardim? - pensou, certo dia, a castanheira - Vou espichar meus
galhos até à estrada para que todos possam ver como meus frutos são bons.
E assim, pouco a pouco, foi espichando seus mais lindos galhos por
cima do muro para que todos pudessem vê-los.
Porém quando os ramos
ficaram cobertos de castanhas, os passantes começaram a apanhá-las, e quanto
não conseguiam alcançar os galhos, puxavam-nos para baixo com varetas, e, se
não tivessem varetas, atiravam pedras.
Em pouco tempo a
castanheira, maltratada e apedrejada, perdeu tanto os frutos quanto a folhagem,
e seus pobres galhos quebrados ficaram pendurados para fora do muro.
Leonardo da Vinci
A
Clematite
Plantada à sombra de uma
sebe, a clematite prendia seus verdes braços em torno do tronco e dos galhos de
uma árvore.
Ao chegar ao topo, olhou
em volta e viu outra sebe cercando o lado oposto do caminho.
__ Oh, como eu gostaria de
ir até lá! pensou a clematite - aquela sebe é maior e mais bonita do que esta
aqui.
E pouco a pouco,
estendendo os braços, aproximou-se cada vez mais da sebe oposta. Finalmente
alcançou-a, atingiu um dos galhos e pôs-se alegremente a prender-se em torno
dele.
Porém pouco depois alguns
viajantes que vinham passando pelo caminho viram-se diante daquele galho de
clematite impedindo a passagem. Pegaram o galho, arrancaram-no da cerca e
atiraram-no dentro da vala. A avidez da clematite impediu que ela percebesse o
perigo.
Leonardo da Vinci
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