Em 2012, ao lançar "Vida Querida", a escritora canadense Alice Munro disse a seu editor que o livro —chegado há pouco aos leitores brasileiros— seria o último de sua carreira. O Nobel de Literatura 2013, concedido em outubro passado, parece não ter feito com que, aos 82 anos, mudasse de planos: mesmo se não for seu canto do cisne, "Vida Querida" é a síntese de uma carreira de 14 livros e mais de quatro décadas de cuidadosa produção.
Trabalhando num terreno tenso, em que o oculto vale bem mais do que o revelado, Alice Munro apresenta 14 histórias nas quais a estrutura se sobrepõe ao enredo propriamente dito, característica que leva a frequentes comparações com Anton Tchékhov (que simplesmente cortava o início e o fim de suas narrativas a bem de aumentar a tensão).
Considerada mestre do conto contemporâneo, Alice Munro escreveu dois romances sem muita expressão. Ao receber o prêmio da Academia Sueca, afirmou que aquela era uma vitória do conto como gênero e pediu que não mais se tratasse a narrativa breve como "algo que as pessoas escrevem antes de escrever um romance".
Chad Hipolito/Associated Press
Alice Munro na casa da filha Jenny, em Victoria, Canadá
O que se observa nos contos de "Vida Querida" é, no entanto, que a autora continuou a abrir várias frentes narrativas, conflitos paralelos característicos das narrativas longas —fato que, no geral, só faz aumentar o estranhamento.
Hábil nos finais abertos, com desenlaces reticentes e vagos, como em "Que Chegue ao Japão" e "Amundsen", por exemplo, a autora parece ser solidária com seus personagens, retirando seus narradores polidamente de cena.
NA INTIMIDADE
Ambientando a maioria de seus enredos no meio rural, há momentos em que personagens e cenários se fundem na inocência da infância e logo se desvinculam de forma dolorosa, como em "Trem" e "Cascalho". Em "Com Vista para o Lago", a degeneração da memória é capaz, inclusive, de modificar a percepção do entorno.
A segunda parte do livro, intitulada "Finale", agrega textos que são autobiográficos. Munro escreve: "Eu acredito que essas narrativas são as primeiras e as últimas —e as mais íntimas— coisas que eu tenho a dizer sobre minha vida". No texto que dá título ao livro, ela se debruça sobre sua infância vivida em uma casa à margem do rio Huron, em Ontário, no Canadá.
A última reminiscência que ela concede é a de não ter comparecido ao funeral de sua mãe. Não há drama, pesar ou sentimento de culpa. Ela conclui: "Mas perdoamos —perdoamos o tempo todo".
FOLHA DE SÃO PAULO
CÍNTIA MOSCOVICHESPECIAL PARA A FOLHA18/01/2014 03h17
CÍNTIA MOSCOVICH é escritora, vencedora dos prêmios da Biblioteca Nacional e Portugal Telecom por seu livro "Essa Coisa Brilhante que É a Chuva" (Record).
*VIDA QUERIDA
AUTORA Alice Munro
TRADUÇÃO Caetano Waldrigues Galindo
EDITORA Companhia das Letras
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